O caminho

.Por Luís Fernando Praga.

Ia por um passeio de blocos de concreto dispostos de forma equidistante sobre o impecável gramado. Ele era jovem e seu cabelo esvoaçava com o vento da manhã batendo de frente no rosto.

Sentia o cheiro da grama fresca e isso dava ânimo para prosseguir, mas algum inexplicável afligia sua alma e ele carregava aquilo como quem carrega um peso extra só por não saber como se livrar dele.

Em sua peregrinação, dava um passo sobre cada bloco, mas isso exigia passadas largas demais para o tamanho de suas pernas.

Resolveu diminuir o tamanho dos passos, pisando duas vezes em cada bloco antes de ir para o próximo, mas logo percebeu que os passinhos miúdos eram muito pequenos para a vontade de caminhar que suas pernas tinham.

Decidiu então alternar os passos curtos com os saltos de um bloco ao outro e sentiu-se bem, porque tinha muita vontade de sentir-se bem, mas sabia, em seu interior, que aquela escolha era apenas um paliativo para enganar sua angústia e logo se entediou também daqueles passos marcados.

Bile Drade sentou-se num dos blocos e pensou em pensar, mas logo alguém que vinha atrás se impacientou e o colocou para andar, aos cutucões.

E era assim, se parasse para descansar ou por qualquer motivo, era invariavelmente repreendido por um colega de caminho ou por toda uma fila com vontade de chegar. Então Bile caminhou por muito mais tempo naquela manhã. Sem parar e sem questionar. Chegar era o que importava.

Porém aquele peso na alma incomodava de tal maneira que a mente fértil do rapaz começou a trabalhar no além de calcular o tamanho de seus passos e de imaginar como seria e quando chegaria o lugar onde o caminho terminava.

Indagou sobre os motivos que o levavam a se conduzir por um caminho que não fora criado para suas pernas caminharem e não encontrou resposta convincente. Por quanto tempo mais seguiria naquela infeliz linha de concreto que, sabe-se lá onde acabaria?

Drade tentou voltar, parar a fila, questionar os outros peregrinos do caminho de concreto, mas foi atropelado e forçado a caminhar.

Continuou marchando e se questionando até que não encontrou nenhuma opção pior do que continuar naquela marcha. Ele queria voltar a sentir-se bem e em paz com suas escolhas. Escolher dar mais um único passo sobre aquele caminho que o magoava, não era a escolha que traria sua paz de volta.

Foi quando Bile Drade ousou pisar na grama pela primeira vez. Temeroso e inseguro sentiu seu peso afundar o piso como nunca imaginou que fosse possível.

Esperou imóvel para certificar-se de que nenhuma catástrofe ou castigo se abateriam sobre ele. Nada de ruim aconteceu e isso já foi muito bom. Sentiu-se mais seguro e confiante de que valera a pena ter sido questionador.

Retirou seus duros sapatos de pisar concreto e sentiu a textura de cócegas da grama. Sentiu que a grama beijava seus pés como uma mãe saudosa beija o rosto do filho. Pisou e pisou e olhou para os lados. Viu que muitas crianças corriam e brincavam no gramado. Pisou novamente para perder o medo. Viu também alguns adultos espalhados, caminhando, correndo, conversando ou deitados à sombra de árvores.

Voltou os olhos para a fila dos que seguiam o caminho de concreto e ficou muito triste ao ver crianças tristes seguindo aquela trilha. Bile não se afastara um passo sequer, mas as pessoas do concreto eram incapazes de notar qualquer coisa ou gente que estivesse à margem delas, pois estavam muito preocupadas em chegar ao fim do caminho sem errar os passos.

Do gramado, Bile também não enxergava o final do caminho de concreto. Via uma infinidade de caminhos que davam numa infinidade de horizontes, todos de Bile Drade, todos de todos. Eram caminhos para se percorrer de mãos dadas ou solitário, em linha reta ou em zigue-zague, aos saltos ou às cambalhotas. No gramado, a regra era não interferir nos passos alheios nem impor caminhos a ninguém, pois havia espaço para todas as diferenças.

No gramado as pessoas se comunicavam mais e não se atropelavam. Podiam dizer aos outros das coisas belas ou diferentes ou importantes ou perigosas que haviam encontrado em seus caminhos particulares. As pessoas podiam optar por seguir trechos de caminhos traçados por outras pessoas ou por seguir por caminhos inexplorados. Não havia porque proibir escolhas no gramado.

Bile Drade percebeu que poderia voltar para o caminho de concreto quantas vezes quisesse, mas nada mais apagaria a grandeza e a alegria do gramado em sua vida. Nenhum destino incerto poderia valer mais do que um caminhar feliz e respeitoso.

Seu caminho era único e imprevisível, pois ele era o principal responsável pelo seu próximo passo. Ocasionalmente Bile fazia incursões rápidas ao caminho de concreto de onde viera. Logo se jogava feliz na grama novamente, para que alguém mais pudesse enxergá-lo e encontrar, quem sabe, o caminho secreto de Bile Drade.