(foto wikipedia – ccl)

O QUE OCORRE COM A AMERICANAS S.A.?

.Por Mateus Muradas.

Nos últimos dias, o noticiário foi tomado por informações sobre um suposto “erro contábil” nas demonstrações financeiras das Americanas S.A., no montante de R$ 20 bilhões. Muitos se perguntam, o que aconteceu com essa montanha de dinheiro? Alguém roubou? O que são esses erros contábeis? Infelizmente, mesmo a mídia especializada, desinforma muito e não consegue esclarecer os fatos. Portanto, tentarei disseminar alguns conceitos para esclarecer a população, o que esta acontecendo com esta gigante do varejo.

Em primeiro lugar, é importante dizer que a Americanas, é uma empresa S.A., de Capital Aberto na Bolsa de Valores. Seu grupo controlador é o Fundo de Investmento 3G, de Jorge Paulo Lemann, mas também conta com a participação de outros fundos de investimento menores e acionistas minoritários, pessoas físicas, etc. Além disso, a empresa possui financiamentos com bancos de grande porte, dentre eles o BTG Pactual. Certo, mas afinal, o que aconteceu neste tal “erro contábil”?

A empresa realiza, rotineiramente, a chamada operação de “risco sacado”, que de forma bem resumida, se parece bastante com o “crediário das Casas Bahia” para empresas… Ou seja, a empresa compra os produtos do fornecedor, o banco paga este fornecedor e a empresa passa a ter uma divida de maior prazo de pagamento com o banco, incorrendo em juros e classificações contábeis específicas. É ai que mora o problema!

Supostamente, os executivos da empresa ocultaram das demonstrações de resultado, por décadas, a existência destes juros. Logo, seu lucro anual, durante décadas, foi inflado. Além disso, não classificavam este “risco sacado” como uma dívida de empréstimo e sim como uma mera dívida com fornecedores, ludibriando a interpretação dos bancos credores da empresa.

Os bancos quando emprestam dinheiro em modalidades de dívida de longo prazo, colocam nos contratos os chamados “covenants”, que são garantias financeiras e operacionais. Em resumo, os covenants são regras que os bancos impõe para empresas, para não firmarem outras dívidas de curto prazo, impondo que os devedores tenha uma saúde financeira de qualidade, e principalmente tenham liquidez (capacidade de honrar as dívidas ao longo do tempo)… Caso a empresa devedora não cumpra estas regras, os bancos literalmente “tomam” os bens, o controle da empresa e executam suas dívidas de longo prazo, no curtíssimo prazo.

Ao longo dos últimos anos, as Americanas pagaram dividendos vultuosos para seus acionistas, além de bônus para seus executivos. E a pergunta que fica é, com base em qual lucro?

Um lucro fraudulento, que escondeu estes juros, para garantir o pagamento de dividendos e bônus. Em outras palavras, os executivos das Americanas lesaram os pequenos investidores, os bancos e os funcionários da empresa.

É comum as empresas usarem este tal “risco sacado” para ter uma boa gestão de fluxo de caixa. O erro ocorreu na ocultação contábil destes juros e da classificação correta dos empréstimos. Além dos bilhões de reais distribuídos em forma de dividendos e também em bônus para os executivos, o ano de 2022, estes executivos liquidaram suas ações, no pico de valorização da empresa antes da fraude estourar. Será que já não sabiam desta bomba prestes a estourar?

Mas e os contadores e auditores, por que não corrigiram este erro absurdo?

Porque foram enganados! É muito provável que este “erro contábil” na verdade foi maquiado pelo alto escalão das Americanas, para não chamar atenção dos auditores. Por incrível que pareça, o assunto estava tão enraizado que nunca nenhum especialista se deu conta do problema. Em outras, foram enganados pelos altos executivos da organização.

Mas, o que isso impacta no Kit Kat que eu sempre dou uma passadinha pra comprar e comer nas Lojas Americanas?

Pois então, 44 mil funcionários das Americanas podem perder seus empregos. Fora os trabalhadores indiretos dos fornecedores, dos shoppings, etc. além disso, vários fundos de investimento que consideravam as Americanas um investimento seguro foram lesados. E mais que isso, é necessário que a CVM esteja em total alerta em como outras empresas estão contabilizando o risco sacado. Podemos ter um problema sistêmico.

Há quem interessou esta fraude, e também a quebra das Americanas?

Seja por erro ou dolo, certamente quem ganhou nessa história foram os altos executivos, que venderam suas ações antes do estouro, e também ganharam bônus estrondosos. Outros que se beneficiaram foram os acionistas majoritários, dentre eles Jorge Paulo Lemann e Beto Sicupira, que receberam dividendos, em que sua fonte de distribuição, não foram os lucros das Americanas, mas de dinheiro emprestado dos bancos, para financiar a operação e não para pagar dividendos.

Com a quebra da empresa, quem sai ganhando são as Big Tech internacionais como a Amazon, que terá uma avenida aberta no mercado de Varejo. Logo, o efeito no longo prazo será a quebra desta grande empresa brasileira. Posteriormente é possível que oligopolios internacionais, dominem o mercado de varejo brasileiro, controlando e impondo o preço de produtos de bens e consumo. Inclusive do seu gostosissimo Kit Kat, poderão até definir se na sua loja de sua cidade, terá bolacha tranquinas, bolacha de água e sal ou Kit Kat, e pelo preço que quiserem.

No fim do dia, o efeito macroeconômico da quebra das Americanas pode ser terrível, inclusive descontrolar a inflação do Brasil. Estamos diante da maior fraude contábil, talvez, da história do capitalismo, isso é um desastre para imagem do Brasil no exterior. O nosso chamado “risco país”, certamente será afetada. Trata-se de mais uma empresa gigante, de capital aberto, que cometeu fraudes contábeis (lembremos do caso Eiki Batista, da Petrobrás, do Banco Panamericano).

É necessário, que o assunto seja politizado, que a Câmara dos deputados paute uma requalificação da Lei das S.A.s. Já passou da hora de tentarmos nos espelhar nas soluções que os Estados Unidos deram em suas crises de grandes corporações, como no caso Enron em 2001. Precisamos de uma Lei Sarbanes Oxley abrasileirada. Os órgãos reguladores precisam impor maior rigor nos controles internos, para mpresas com capital aberto na Bolsa de Valors.

E o mais importante e que acaba se tornando um problema do governo, precisamos pensar nos trabalhadores que podem perder seus empregos por ingerência dos executivos. Precisamos, por fim, que a Justiça investigue e puna com rigor os executivos e estenda inclusive se houve dolo dos acionistas majoritários.

As Americanas, apesar de ser uma empresa controlada por fundos de investimento e o grande capital, é um ativo da sociedade, que presta um serviço de varejista relevante para sociedade. Primeiro lutemos para preservar os empregos, segundo para preservar a própria existência da empresa. Por último, que os culpados sejam punidos.

Espero que tenha ajudado na compreensão deste assunto. Me mande um alo e diga o que achou deste caso. (Do Facebook de Mateus Muradas)

Mateus Muradas – formado em Contabilidade pela FEA-USP, cofundador do Fórum Social da Zona Leste e diretor de projetos da Camino Education