Como produzir bens e serviços em uma sociedade complexa como a contemporânea sem a relação patrão-empregado? Se você pensar que não há solução para essa questão, ou seja, sempre teremos (patrão – dono dos modos de produção) e o trabalhador (dono da força de trabalho), então o capitalismo perdurará até a destruição completa e irremediável do planeta. É o conhecido “fim da história” e, de quebra, da Terra.
A experiência internacional também mostrou que trocar o capitalista pelo burocrata do partido único não deu muito certo, principalmente diante dos bloqueios econômicos, militares e políticos. Além disso, pode ser mais opressivo viver sob a batuta de um burocrata selvagem do que de uma capitalista selvagem. Isso nos remete à importância das conquistas das Democracias, dos Direitos Humanos e do processo civilizatório. Essas devem ser as bases inegociáveis das relações de trabalho.
No entanto, para romper essa relação patrão-empregado, tão bem estudada e reestudada, debatida e pensada durante mais de 200 anos de sociologia e marxismo, muitas lideranças de trabalhadores pensam na “autogestão”. Autogestão é uma espécie de utopia para romper as relações de produção.
O problema é que a autogestão é mais eficiente como projeto do que como realidade. Nas sociedades complexas, a gestão depende de conhecimentos que muitas vezes os trabalhadores não detêm. Inúmeras tentativas de trabalhadores de autogestão naufragaram devido à complexidade das atividades, mas também pela própria dificuldade de lidar, não só com a gestão, mas com a gestão de quem faz a gestão. Ou seja, é preciso de uma organização e pessoas extremamente competentes de inteligência racional e emocional para conduzir um processo de produção coletivo e autogestionário. E, mesmo nesses casos, a autogestão acaba sendo apenas uma gestão delegada totalmente à liderança.
Seria muito mais fácil para os trabalhadores se abandonassem a ideia de autogestão e a trocassem por uma ideia de autocontrole. Qual a diferença? A diferença é que o trabalhador deixa de se preocupar com a gestão e todos os detalhes e conflitos inerentes a ela e que desgastam muito as relações de trabalho e cooperação. Para controlar os modos de produção, os trabalhadores precisam apenas fazer o controle da gestão, não a operacionalização da gestão.
É como se os trabalhadores, em vez de serem terceirizados pela empresa, eles próprios terceirizassem o patrão (a gestão). Eles contratam um gestor para cuidar e apenas definem metas, transparência e controles de forma colegiada. Com isso, desestruturam um fator de desigualdade entre os trabalhadores, que é o grupo de gestão (poder) com o restante dos trabalhadores, quando o trabalhador que detém a gestão e o poder de gestão abandona sua função original e hierarquiza as relações dentro da produção. Com o autocontrole, a hierarquia se dá apenas na representatividade política e de controle, por meio do voto.
É mais ou menos o que aconteceu com o Bibi Mob, em Araraquara. Os trabalhadores, com o apoio da Prefeitura, construíram o próprio aplicativo de transporte privado urbano. O aplicativo é gerido por quem conhece informática, não pelos trabalhadores. Mas a política, a transparência, as finanças, as metas e regras estabelecidas pelo aplicativo são definidas pelos próprios trabalhadores.
Importante salientar que para o controle dos modos de produção no interior do capitalismo não há fórmulas prontas. É preciso inventar, criar e construir uma multiplicidade de formas de organização. Erram as lideranças que idealizam um único modelo utópico de controle dos modos de produção.
Discover more from Carta Campinas
Subscribe to get the latest posts sent to your email.