No final do texto anterior, em que buscamos iniciar a discussão do conceito de eco renda (renda revolucionária), indicamos que um bom weberiano (Max Weber) poderia dar conta do entendimento de uma ética econômica e financeira de rigor superior à ética protestante para que ocorra a materialização e massificação da renda revolucionária.

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O projeto está aberto e vamos aqui apenas indicar caminhos de forma que as pessoas em geral, não necessariamente estudiosos, possam compreender o conceito. Óbvio que é necessário um estudo longo e mais complexo para desenvolver de forma bem estruturada esse entendimento.

Weber fez parte dos sociólogos que tentaram responder e contestar, de certa forma, o materialismo histórico formulado por Marx, que coloca as relações dos modos de produção como o elemento determinante das estruturas sociais e culturais. No texto anterior, procuramos demonstrar como a proeminência dos modos de produção são fundamentais para o conceito de renda revolucionária, até pelas próprias contradições da teoria marxista. Mas para não nos fecharmos em uma abordagem limitada, vamos tentar mostrar que é importante também a compreensão da Eco renda dentro do entendimento de um ‘espírito do socialismo’.

Neste momento, vale ressaltar uma passagem de Weber, quando diz que o que interessa não é o bom senso comercial dos protestantes da formação do capitalismo, mas um ‘ethos’ específico, visto que a exploração e acumulação já existiam em vários momentos da história.

E será que existe um ‘ethos’ específico, um espírito do socialismo, capaz de consolidar uma renda revolucionária? Bom, aqui também é inevitável a necessidade de estudos aprofundados. Seria interessante fazer uma análise baseada na própria história centenária das concepções socialistas. Mas vamos apenas tentar entender inicialmente esse espírito socialista.

Na natureza humana, esse ‘ethos’ weberiano pode ser entendido como uma hegemonia cultural consolidada que baliza as atitudes humanas e que permite o desenvolvimento do capitalismo. Nesse sentido, inegável dizer que também há um ‘ethos’ socialista nos inúmeros cidadãos que dedicam a vida, de forma obstinada e pragmática, à construção de melhores condições de vida não só para sua família (mundo privado), mas também para sua classe, seu grupo, seu país, de forma solidária e cooperativa. Muitas vezes esse espírito do socialismo leva pessoas a tomar atitudes extremas, que põem em risco a própria vida.

Esse espírito socialista pode ser visto, por exemplo, no MST (Movimento dos Sem Terra) que promovem a produção econômica dentro de um rigor necessário para sua própria sobrevivência. Um ‘ethos’ que está presente nas relações de produção como na solidariedade cooperativa. Esse espírito foi construído ao longo de décadas de história, gerada na formação política, ocupação de áreas improdutivas, graves conflitos com forças de repressão e longas marchas pelo país. Esse espírito socialista permite a produção econômica capaz de gerar renda revolucionária que é posteriormente investida, por exemplo, para educação de seus membros, na implantação de lojas ou em ações solidárias.

Mas esse é apenas um exemplo. Se Weber compilou o espírito do capitalismo no discurso de Benjamin Franklin, é preciso descobrir quais discursos revelam o verdadeiro espírito do socialismo. Por exemplo, ele pode ser encontrado e estudado com mais detalhe nos personagens históricos de mais de duzentos anos de busca de igualdade a partir de concepções que emergiram, veja só, da própria revolução burguesa, que difundiu os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. O gérmen desse ‘ethos’ pode ser encontrado nos que morreram tentando promover uma revolução socialista, nos que tentaram resistir na clandestinidade à violência das ditaduras na América Latina, na obstinada capacidade de resistir à tortura durante a ditadura, ou na própria morte diante da tortura.

Veja que esses exemplos são metáforas originárias desse ‘ethos’ inabalável do espírito do socialismo. O espírito do socialismo não pode ser confundido com o sacrifício, o suplício, mas talvez seja uma espécie de consolidação de um materialismo, mas também de uma utopia e, portanto, racionalista, assim como o espírito do capitalismo. Pode-se comparar afirmando que Franklin não profetizava uma fé, mas uma racionalidade fundada em uma crença. Caro leitor, não enlouqueça com essa afirmações, tente manter a mente aberta. Afinal, esse é um enorme desafio.

Um gigantesco desafio entender esse ‘ethos’ como sendo capaz de se consolidar, mas também como sendo capaz de distender as limitações da consciência de classe, compreender sua dialética, e construir não só os espaços políticos tradicionais, mas os espaços econômicos dos modos de produção, um espírito do socialismo que gere uma renda revolucionária capaz de competir com o gozo do lucro. Tudo isso no interior da própria estrutura do capitalismo.