A Revolução dos Patos Amarelos Veste Capa Preta – A Fronteira Final

.Por Fuad Faraj.

Nine Fingers, a Caçada ao Molusco Vermelho, a série de 5 temporadas, chegou ao fim. Euforia, olhos alucinados e a senha tão aguardada: – Bora homenagear Onan. Foram os orgasmos múltiplos prenunciados há tempo. Uns, ansiando um grau superlativo de sofisticação, aventuraram-se e foram buscar no menu das casas da massagem a mão da glória, não necessariamente da Glória.

Outros optaram por buscar a felicidade no êxtase de uma finalização que prometia “com supremo com tudo”. Em Bananalândia, rendendo-se a Dom Mercado – o maior dos cafetões -, “com supremo, com tudo”, representa a fronteira final do orgasmo, a quintessência que mistura os diários do Marquês de Sade, o Kama Sutra, Anäis Nin e pitadas incontroversas de franca sociopatia seletiva.

O Oscar para essa pornochanchada jurídica é inegável. Concorrerá por todas as categorias e baterá todos os concorrentes. Vitória consagradora. Será barba, cabelo, bigode e íntima completa inclusa. Nunca tão poucos desgraçaram de maneira tão grandiosa tanta gente em tão pouco tempo.

Rosa in Verbis foi personagem caro a este epílogo de fim de feira com cara de filme épico ao nível moral dos “últimos dias de Roma”. Rosa in Verbis e claro, antes dela, Prima Carminha. Deram elas o suspense insopitável ao grand finale do seriado. Roubaram a cena. A roubada de cena, soberba por sinal, ainda assim não foi páreo para Francisco Proner Ramos que imortalizou na escala do divino da arte a imagem da pajelança no pátio do sindicato dos abridores de lata, de onde Nine Fingers, o Molusco Vermelho, entoava suas últimas manifestações de vontade. De última hora, o jovem ator saiu do sucesso estrondoso de “Lagoa Azul” para ir cair de câmera em punho na pele de um personagem que acabou com o sonho de consumo dos pretensos heróis da trama.

A um só tempo acabou com o sonho de consumo, a razão de viver, as mentions na internet e com os likes das redes sociais. De quebra o Homem do Ano, da década e do século será alguém que mandaram mofar atrás das grades como preso político. Foi meio precoce, fugaz e funéreo o prazer gozozo que obtiveram com o troféu conquistado depois de tanto esforço. O Roteirista errou a mão, com certeza.

A personagem Rosa in Verbis que ao longo da trama já carregava nas costas o epíteto e nome do meio “não tenho prova cabal, mas vou condenar porque a literatura jurídica me permite”, acabou ao final ganhando outro: “sou a favor, mas voto contra”.

Nas cenas finais, Rosa In Verbis viu-se convidada a escrever um alentado tratado, que exugado deverá render apenas 25 mil páginas, cujo título provisório é : “A lógica do absurdo, gambiarras hermenêuticas, jurisprudência do auê e outras obscuridades à luz das trevas”. Prima Carminha, que até então pagava de carola na trama, era na verdade uma desassombrada crupiê. Trabalhando clandestinamente num cassino acabou por ser surpreendida na possse de um baralho viciado. Vale dizer que aí realmente fez a diferença. Oscar merecido.

O final do seriado ainda nos reservou a menção e promessas de quarteladas ao gosto de repúblicas bananeiras, agora na versão redes sociais. Uma miríade de milicos ponderões(em relação ao Poder Civil e à Constitução, diga-se) descobriu o twitter e tomou gosto pela fátua fama. Neste contexto, o General Al Sissi Di Boa sonorizou algo ambíguo que pareceu ser uma ameaça aos civis, acabando por produzir frêmitos de molhar calcinhas( em alguns comandados inclusive). Tudo foi entendido quando descobriu-se que para apimentar a série em seus estertores os Produtores acharam por bem a personagem General Al Sissi Di Boa, sempre na paz, sempre de boas, e até então conhecido como General Legal, ganhar, em prol da audiência, nuances mais severas.

O roteirista foi buscar estas nuances assustadoras na figura do General Al Sisi, do Egito, que reelegeu-se presidente ganhando as eleições com 97 por cento de votos. Além da benção de Dom Mercado, foi favorecido pelo Grande Arquiteto do Universo, pela sorte e pelo merecimento porque seus reais adversários simplesmente desapareceram da grande cena. Uns foram morridos, outros, ameaçados, sumiram. A maioria, contudo, foi presa, sinal que a meritocracia nunca há de faltar na terra dadivosa do Egito, e quiçá em Bananalândia, para separar a gente de bem daqueles que merecem morrer na prisão. A lei do merecimento, afrontando a impunidade, se fez valer ainda sobre o corpo de um jornalista judeu, suicidado pendurado pelo pescoço.

Ao final o alívio cômico transferiu-se do jejuador figurante e foi parar nos Velhos Mellos, irmãos em hermenêutica, da velha escola que ensina que onde está escrito céu não se pode ler máquina de lavar ou “hampty dampty vem comer, o Lênio lhe trouxe alfafa epistemológica”. Acreditam, os coitados, em Constituição e outras coisas esotéricas. Terminam o seriado jogando porrinha nos bancos de praça pública e maldizendo estes tempos estranhos. Inofensivos, ria-se a valer quando apareciam. Riu-se mais ainda quando um deles quis levantar, à guisa de arma de defesa, a sua caneta em direção aos canhões do General Al Sissi Di Boa. Bem verdade que junto com risos, se fez ouvir o silêncio ensurdecedor e encabulado das penas de aluguel que pululam nas redações dos brimos Kamel e Bonnemer, versão made in Miami de Marx e Engels.

Os mais valentes enfiaram as penas junto com as panelas no locus indicado por Marisa Letícia. Os que foram ensaiar timidamente um laivo de resposta ligaram em privado ao General para pedir desculpas por algum excesso que tenham cometido. Outros até perguntaram de seus gostos, predileções e seu dia de aniversário. Ao final lhe elogiaram a cor da camiseta sempre impecavelmente engomada e passada. Alguém precisa avisar a esta gente que o General Di Boa detesta baba-ovo. Ambígua e um tanto despropositada, a tuitada deixou restar ao final um mistério insolúvel na série: que tuita os tuites do General?

Embora findo, acabado e morto, Nine Fingers, a caçada ao Molusco Vermelho, ainda desperta ilusões de continuidade, tanto por parte daqueles que se afeiçoaram a Nine ou aos supostos heróis. Estes últimos acham que vão continuar seu trabalho “redentor” encaçapando o mundo todo dentro de seu enorme buraco negro que reclama a atenção urgente de um proctologista astronômico. Aqueles outros estão segurando lampiões em busca de algo que não existe neste seriado: Justiça.

Sinto dizer, mas acabou. Não se espere que Prima Carminha repita Saulo na estrada de Damasco e tenha uma conversão genuína, depois de uma divina revelação. Seu baralho viciado continuará na mesa. Quem assistiu a entrevista de emprego de Rosa in Verbis, verdadeira sabatina, sabe de antemão que ela não vai partir para uma respiração boca a boca de base hermenêutica e de lógica racional para salvar Nine ou algo tão esotérico quanto uma folha de papel chamada Constituição da República. Seu mérito maior para estar no papel foi ser amiga do primo do irmão do primo da irmã do genro do ex-marido da antiga diretora. Seus recursos dramáticos, junto com sua lógica, são muito limitados. Serviu bem ao papel que lhe coube na trama e não se lhe pode exigir mais. O General, ela supõe, não iria gostar. Ele, Dom Mercado e o bilionários do Oligopólio de imprensa estariam no dia seguinte debaixo da sua cama arrastando correntes.

Amigos, parem e pensem: não ficou-se nesta coisa de caçar Nine Fingers durante cinco temporadas para ao final resgatá-lo dos braços do armagedon. Que lógica dramática teria? As ilusões se foram junto com Nine. E, coragem, é para quem a tem.

Os supostos heróis da trama, ademais, não teriam condições de voltar numa nova temporada. Com a morte de Nine Fingers perderam no jogo da trama sua serventia. Se veriam numa temporada chocha, envoltos pelo grande Oligopólio de empresas jornalísicas em acusações sobre a sua boa vida de auxílios ou, mais graves, que digam respeito aos seus métodos pouco ortodoxos utilizados ao longo destas 5 temporadas.

Kamel e Bonnemer devem guardar dossiês disso além da vara na qual uma cenoura balança pendurada por uma corda perseguida por capas pretas. Toda revolução um dia precisa ter um fim. E esta Revolução dos Patos Amarelos, originada nas jornadas de 2013 na batalha dos vinte centavos, não é diferente da outras. No final as Revoluções, no grande acerto de contas, tendem a sacrificar em prol da estabilidade a sua vanguarda mais ativa. O seriado terminou.

O pano caiu, a ribalta apagou-se, o palco está vazio, o show acabou. O cala-boca se impôs. Na plateia todos se foram. Na treva intensa assomam ao palco apenas os ratos carcomendo togas negras.