Por Luís Fernando Praga
A alvorada cavalgava o vento
E a estrela mãe deixou seus raios soltos.
Um longo azul vestia o firmamento,
Fios de plenitude em si envoltos.
A brisa boa, perfumosa e leve,
Fazia a gente se olhar de um jeito
Que a gente ainda hoje nem se atreve
Por falta de costume ou de respeito
Ou por excesso de testosterona,
Pela ilusão bizarra disputa,
Pela verdade que não vem à tona,
Pelo apego infantil à força bruta.
Nesse dia choveu amor materno
Sobre uma humanidade dividida
E trovejou um querer bem eterno
E ecoaram dádivas da vida.
Então o medo desistiu de nós
Beijaram-se as bocas que se mordem
E as línguas todas, em uma só voz,
Cantaram o despertar da nova ordem:
Surgiu, num jeans surrado, a liberdade
Pintada pelas mãos de Frida Kahlo;
Seu corpo era a sua propriedade,
O machismo escoava pelo ralo.
A espécie compreendeu cumplicidade
E cada ser, num gesto de nobreza,
Plantou no coração da sociedade
Mudas de amor, sementes de clareza.
Clarice quase marejou, feliz:
Não havia mais rótulos vencidos
E, à luz daqueles tempos mais gentis,
A opressão temeu os oprimidos.
Num corisco de força feminina,
A tirania evaporou no ar
Corou-se, rindo, Cora Coralina;
Enfim sorriu, serena, Beauvoir.
A Lua, longe, a enluarar poesia
Pedia pra fazer o que se quer
E as estrelas diziam: quem diria?!
Começa hoje a era da mulher!
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