O pintor alemão, naturalizado britânico, Lucian Freud, é autor de uma obra que se faz contemporânea ao nosso tempo em diversos sentidos. Não só por ter sido produzida no final dos anos 40 e, depois de longa pausa, ter sido retomada no início dos anos 80, época bastante próxima de nós, mas principalmente porque um de seus temas figurativos é justamente o homem.
Este último aparece representado em várias gravuras que são o foco da primeira exposição sobre o artista no Brasil que está em exibição no Masp, Museu de Arte de São Paulo. Abarcando sessenta anos da produção do artista, a exposição, com curadoria de Richard Riley e Delphine Allier, traz seis pinturas e 44 gravuras, incluindo águas-fortes (produções sobre placa metálica) dos seus dois grandes períodos de produção.
Entre as telas que fazem parte da Mostra, está “Jovem com rosas”, uma de suas mais conhecidas, a partir da qual podemos identificar um diálogo de formas e temas que aparecem desde suas primeiras produções. Nesta tela, o pintor teria representado sua primeira mulher grávida segurando uma flor cujo caule termina em espinhos. A expressão do rosto não é de alegria ou leveza, há uma seriedade e uma atenção que estala nos olhos grandes e abertos em permanente tensão com a ideia de fertilidade. Em “Moça com folha de figo”, vemos o mesmo olho grande, aberto, a nos olhar por trás da folha de figo que cobre o outro olho, deixando apenas esse que nos olha à mostra.
Um corpo desigual, talvez esgarçado, a seriedade, um certo ar pesado, olhares desviantes ou pousados em um indecifrável Nada, aspectos às vezes repugnantes, imersos em um realismo de forte carga simbólica atravessam as gravuras do artista, nas quais podemos ver seus pequenos riscos quase que infinitamente multiplicados dando forma às expressões de seus modelos, às sombras, às marcas do desenho. Entre as pinturas e as gravuras, vemos um diálogo constante, técnicas de uma aplicadas na outra e vice-versa.
Importante dizer que os modelos que compõem muitos de seus quadros e gravuras eram observados durante meses pelo artista para que depois seu retrato ficasse pronto. Tanto trabalho de observação e atenção meticulosa, muitas vezes tinha como resultado algo que não era aprovado pelos próprios modelos que não se reconheciam nas representações. Isso porque Lucian os desenhava da forma como os via, da forma como eles realmente lhe apareciam e não naquilo que queriam deixar ver. Isso produz efeitos de realidade e representação magníficos de se perceber na exposição.
E um grande momento é reservado para sua parte final, onde chegamos mais perto do cotidiano de criação e trabalho do artista por meio de 28 fotografias tiradas pelo assistente de Lucian Freud ao longo de mais de vinte anos, David Dawson. Tiradas entre 2001 e 2007, as fotos permitem uma rara imagem da sua reservada vida profissional, além de comparações entre os modelos reais e suas representações, percepções do antes, do durante e do depois da obra que acontecem ao mesmo tempo diante das fotos que belamente interligam os instantes.
O autorretrato do artista também é uma experiência particular na Mostra. Um rosto com muitas marcas, e muitas sombras, um olhar que remete ao de tantos outros modelos, um olhar que é sempre uma presença forte. Quando ele parece não nos olhar, nos olha.
Lucian Freud: Corpos e Rostos
Local: MASP
Endereço: Avenida Paulista, 1578, São Paulo
Data: de 28 de junho a 02 de fevereiro de 2014
