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Em tarefa quixotesca, escritor campineiro buscou registrar tudo o que viu em três dias de redes sociais no auge da pandemia em “Tentativa de esgotamento de 3 lugares na internet” (2022), livro publicado pela editora Ofícios Terrestres.

.Por Gustavo de Almeida Nogueira.

lá dentro um barulho inefável,/ rezas,/ vitrolas,/ santos que se persignam,/ anúncios do melhor sabão,/ barulho que ninguém sabe/ de quê, praquê. — Carlos Drummond de Andrade, em “Brejo das Almas” (1934).

Na segunda metade do século retrasado, Gustave Flaubert compunha um livro que deixaria inacabado, intitulado “Dicionário das Ideias Feitas”, cuja intenção de efeito no público ele confessaria deste modo em sua correspondência: ao lê-lo, os leitores deveriam passar a ter medo de reproduzir algum chavão ou lugar-comum que estivesse presente em sua compilação de definições de clichês, à pena de soarem ridículos. Em 1974, Georges Perec observou por três dias a praça Saint-Sulpice de Paris a fim de descrever tudo o que passasse à sua frente, em uma luta quixotesca contra o inescapável recorte de todo discurso e percepção. A empreitada resultou em “Tentativa de esgotamento de um local parisiense”. Um outro resultado foi este livro recentemente publicado pela editora Ofícios Terrestres.

Em “Tentativa de esgotamento de 3 lugares na internet”, Drump Goo, escritor e artista de Campinas, se propõe a descrever o quanto pode a movimentação virtual de três redes sociais: o Facebook, o Twitter e o Instagram. Redigido em simultaneidade ao que observa, o texto foi produzido entre os dias 18 e 20 de Outubro de 2020. A natureza desse exercício descritivo pende para uma objetividade fria no relato daquilo que aparece à nossa frente ao abrirmos as páginas de uma dessas redes. Mas ao manusearmos as folhas deste experimento, adentramos a rede social privada — com o perdão do oxímoro — de um outro que não conhecemos. No início, este narrador faz questão de indicar os traços pessoais das postagens que lhe são oferecidas: uma lareira que se acende é de sua mãe; mais adiante, o comentário sobre uma série de TV, após um anúncio de uma rede de streaming e outro de um podcast, é de um amigo. Há personagens que ganham progressivamente estranhos contornos pela natureza de suas postagens. Mas o que há de distinguível é logo submergido pela aleatoriedade anônima da produção de conteúdo. Como exemplificar? Abro em uma página ao acaso do livro. Eis o que encontro: “Marquetto publica uma de suas cartas de tarô. […] Luiza: mão com amoras. […] Anúncio: Nespresso: GANHE PRESENTES COMPRANDO CAFÉS MASTER ORIGINS.” (p. 85-6).

Por todo o livro, o inesperado surge infatigavelmente e, de par com a surpresa, a falta de conexão entre os conteúdos salta, inesgotável, ao texto. A cada abertura de novo parágrafo percebemos a impossibilidade de antecipação ao que está por vir: pode ser um anúncio da Cerveja Amstel, uma foto do Ministro da Economia, a terceira selfie do dia em um espelho sujo de um mesmo usuário ou a atualização do dígito da centena de milhares no número de mortos pelo Coronavírus. Mas a surpresa fundamental é outra: a máquina de repetição que opera toda esta aleatoriedade renovável é progressivamente revelada. Após citar o compartilhamento do usuário Rodrigo de dados colhidos em um livro chamado Death of the Artist, o narrador nos confessa: “Isso confirma uma impressão que tenho há algum tempo de que muito das operações na internet não são senão robôs (ou bots) conversando com outros robôs, no sentido de que tanto a produção desenfreada de conteúdo como a absorção dele é uma relação muito mais robótica que humana, implicando mesmo no usuário organicamente humano um comportamento maquinal” (p. 13). Mas esta revelação não é suscitada a partir de uma matéria sobre o funcionamento do algoritmo ou um artigo sobre o uso antiético da coleta de dados pessoais. Obrigado a acompanhar as descrições do conteúdo, uma após a outra, paulatinamente, o leitor é exposto a um canto de sereia familiar tornado estranho pela exposição de uma enumeração exaustiva com a qual nunca tivemos contato. Não é nada mais do que a descrição do que vemos diariamente em mais de década rolando os feeds de redes sociais.

A descrição é comumente oposta ao exercício narrativo; sua tarefa seria a de lidar com objetos estanques ou de petrificar objetos móveis. Mas há também um drama e uma ação nesta Tentativa…”: trata-se do narrador descobrindo penosamente a verdade deste entrelaçamento do aleatório e inesperado com a replicação ad nauseam de todo conteúdo. A novidade e a repetição encontram-se em casa no estado de espírito que nós, leitores, vamos compartilhando cada vez mais com aquele que escreve: o esgotamento. A certa altura, Goo faz questão de confessar que sabia bem onde se metia ao iniciar o experimento: “minha intenção era descrever a internet sabendo a impossibilidade de descrever a internet”. Que o conteúdo da internet o excederia, é evidente. No entanto, o que descobre é outra coisa: há um fechamento paradoxal neste excesso; “me surpreende, em partes, o quanto eu me encontro em um circuito-fechado, ao mesmo tempo tento dramatizar o ciclo como parte a ser descrita” (p. 63). Este “circuito-fechado” que se apresenta como um dos entraves de seu processo é também uma descoberta da natureza do traçado limítrofe não somente de sua bolha em particular, mas da bolha específica que as redes sociais delimitam a fim de promover interações de modo mais eficiente. É neste sentido que o estanque e o movimento se implicam mutuamente no funcionamento desses espaços.

Às voltas com esse paradoxo, o narrador intercala suas descrições com reflexões particulares que surgem como intrusões em seu processo de esgotamento do espaço, assombros subjetivos que travam o exercício de objetividade: “A repetição sugere que a tentativa de esgotamento tem se materializado em ação, ao mesmo tempo pode ser por incapacidade minha e efeito de minha própria bolha que não é mais de os mesmos vinte assuntos e a meia dúzia de atualizações ou marcos na vida das pessoas que dominam o cerne do meu lugar na internet” (p. 59). Neste ponto, discordamos do narrador. Este fracasso é o maior triunfo de seu experimento. Pois é precisamente por meio deste suposto entrave que o livro alcança a experiência que todo leitor compartilha em seu uso das redes sociais. Este ponto de contato pode ser resumido em uma adaptação da frase célebre que a internet atribui igualmente a Gorki, Tchekhov e Tolstói: canta tua bolha e cantarás o mundo. É nesta tensão entre os comandos do sujeito que opera suas redes e a autonomia do funcionamento destas que a obra revela progressivamente os contornos imprecisos entre a particularidade da experiência de um usuário e a padronização autômata daquilo que se apresenta como objeto manejável e que aos poucos passa a manejar a si próprio.

A percepção de estagnação desta aleatoriedade informacional só poderia atingir este grau de evidência por meio da organização e da articulação deste exercício de literatura procedimental impressa em livro físico. As postagens são descritas no presente, mas tornam-se no livro um arquivo imediato, uma acumulação aflitiva e infinita de inutilidades desconexas. Neste esgotamento de lugares, qual é a relação temporal entre o sujeito que escreve, o sujeito que maneja esses espaços e o funcionamento das redes? Marcando o encerramento do primeiro dia, o narrador decide assistir aos stories de amigos e de páginas do Facebook; “como é rápido, não há possibilidade de descrição exaustiva, mas tentarei” (p. 36). Em outra rede social, no Twitter, outro exemplo de descompasso entre quem escreve, quem maneja e o objeto que escorre: “Tento descer a página antes de ela atualizar novamente. Não dá tempo” (p. 44). É uma perseguição ingrata, porque se nela nada se procura, encontra-se ainda menos. “Uma comparação de uma foto de um ano atrás e o presente de uma pessoa. Um homem atuando como neto, avô e mãe, o avô dá dinheiro para a criança, que fica feliz, a mãe toma para si, a criança se decepciona. Uma menina dançando no quarto” (p. 98). Ou: “Luiza: mão com amoras” (p. 85). E ainda: “Paola trabalhando; Juliana trabalhando e depois compartilhando um vídeo que fala de traumas. São muito rápidos e variados para descrever […]” (p. 76) — os stories? Os traumas?

No decorrer da leitura, torna-se inevitável voltarmos à pergunta que de tão gasta já desistimos há muito de nos fazer: por que motivo compartilhar isto ou aquilo? Não é o boomer contrariado com todos os novos tempos resmungando em nós; é o distanciamento do livro indagando. Há um outro efeito premente desta escrita que nos faz sentir algo distinto do que experienciamos ao rolar os feeds: um esgotamento, um fastio. Trata-se de um efeito incontornável, e mesmo almejado, de certa tradição literária da vida privada. Lembramos de Flaubert descrevendo minuciosamente a sala de jantar dos Bovary; o olhar percorrendo os objetos mortos, o peso insuportável da vida bovina, de matar qualquer curiosidade do voyeur em espiar pela fechadura e surpreender-se com aquilo que menos esperava: o tédio. “Um homem dança com seu cachorro; um casal dança no quarto e veste roupas combinando; uma moça com mão na testa e seu cachorro latindo” (p. 98). Mas aqui também ocorre o oposto: estamos mais do que acostumados com todo este conteúdo da vida privada que o texto nos replica. O que perdemos foi a noção da intermediação desse conteúdo. Com o afastamento promovido pelo médium do texto impresso e da articulação em discurso daquilo que temos contato essencialmente visual, voltamos ao tédio, um outro, o mesmo, mas pior. Este efeito é o atestado da eficiência da concepção e da realização deste livro.

Ao falar das enumerações exaustivas na obra de Beckett, Deleuze nos indicava a origem dessa sensação: o que nos cansa e nos envelhece são as escolhas disjuntivas impostas diariamente a cada ação. Mas o cansado continua a escolher, mesmo que pela via negativa, enquanto o esgotado já não difere entre as alternativas totais de um sistema. Não há possibilidade de esgotamento na internet; a bolha é um sistema fechado e aberto sob medida. No Facebook, Drump Goo anuncia as escolhas: “Posso dizer no que estou pensando com 186 sentimentos diferentes”. Seguem-se mais de três páginas de “sentimentos”, nem perto de abarcar todos os 186. A leitura daqueles expostos já é o bastante para configurar uma maratona emocional abstrata, cômica e cansativa. Aqui, o espaço milimétrico que sobra à subjetividade do narrador é frequentemente exercida e marcada no texto pelas repetições negativas: “Faça seu pedido. Não faço” (p. 86); “Anúncio: Anna Faith […] uma mulher loira que olha para câmera e abre bem a boca sorrindo; a legenda pede um sorriso hoje. Não sorrio.” (p. 79); “Re Ramones, foto do próprio rosto, usando lentes azuis ou efeito de câmera, na legenda ela pede para imaginar se essa fosse a cor real de seus olhos. Não imagino” (p. 84); “não vejo”, “não leio”, “não compro”. Se podemos falar em uma repetição de efeito libertador, seriam estas. O narrador nos faz imaginar um Bartleby, consagrado personagem de Melville, na era da internet: eu preferiria não. Mas para levar esta postura até o limite, teria de abandonar seus registros e o próprio livro que escreve. O jogo entre possibilidades abertas, indicadas, seguidas da repetição do “não”, evidencia a escolha do narrador em marcar estas negações no texto; progressivamente, descobrimos em nós um gozo por esta recusa, que é também a recusa do esgotamento. Por páginas e páginas, esta é a única marca a nos lembrar de que ainda há alguém neste texto que não se sujeita à posição de testemunho objetivo — o que implica em fracasso da tentativa.

Os momentos em que a subjetividade vem à tona fazem transparecer o sufocamento da escrita, o perigo de morrer diluído nessas descrições. São respiros de exaustão. Já no terceiro dia, o narrador deixa escapar associações de postagens de stories a lembranças pessoais, antes de se refrear e voltar à descrição; ele resume o movimento: “Começo a escapar para dentro de mim” (p. 78). Mas o contato com o objeto não revela menos o espaço interior; ao perceber que as repetições das postagens descritas espelham a bolha particular de sua rede social e de seus interesses, Goo conclui que o direcionamento para fora implica uma volta para dentro: “Esgotar a internet é também uma forma de autorretrato, no limite uma selfie” (p. 30).

Um dos raros elementos capazes de atravessar esta bolha são as propagandas que ainda não se adequaram suficientemente bem ao seu público-alvo. Tal intrusão, por vezes cômica em sua aleatoriedade, permeia todo o trajeto descritivo do livro, contaminando a significação das postagens vizinhas. “Anúncio: uma mulher se fotografa com o celular no espelho” (p. 97); paulatinamente percebemos que sem os avisos não seríamos capazes de discernir o que é propaganda do que não o é. Simultaneamente ao cuidado de marcar a natureza destas postagens, o narrador registra o deslizamento fluido entre conteúdo pessoal e conteúdo de mercado: “Anúncio: Yanamann: uma mulher toca piano e canta, não escuto. A legenda diz ser um cover. No Instagram qualquer um pode ser o produto” (p. 84-5). A configuração expositiva própria às redes sociais se difere de meios antigos como o da televisão ou do jornal impresso, pois nela está ausente a marcação mais estrita temporalmente na primeira e espacialmente na segunda. O momento de se dar a conhecer que isto ou aquilo está à venda pode ser manuseado livremente, diluído para que se capte mais eficientemente o desejo sem aviso prévio: “Elisa posta várias fotos de si mesma em casa, na legenda diz que são roupas confortáveis para curtir o seu lugar preferido, a própria casa. Também agradece a fabricante das roupas, é uma publicidade, revela afinal” (p. 91). O ponto máximo dessa consternação é revelado subjetivamente pelo estado de enfastiamento do narrador — e do leitor — nas páginas finais do livro, quando percebemos juntos que não se trata somente da ausência de uma zona intermediária entre espaço mercadológico e espaço pessoal desinteressado mas, antes, que aqui tudo converge para a compra e venda de algum capital independentemente da intencionalidade dos autores das postagens. “Não há no fim diferença real entre a publicidade e a postagem pessoal. Meu erro maior é o mesmo da internet em geral, avisar quando é anúncio” (p. 99).

Um outro deslizamento importante vem à tona nas páginas finais. Se ao longo dos dois primeiros dias este relato é majoritariamente expositivo, descritivo, tencionando à objetividade, na aproximação de seu fim testemunhamos que o sujeito que se dispôs a esta tentativa de esgotamento não mais se contêm; na asfixia, reivindica à sua própria revelia algumas linhas que possam compor um espaço próprio, um respiro de reflexão subjetiva: “Acho que um mau humor tomou conta das descrições vertiginosas que tentei fazer. O esgotamento da internet acaba sendo principalmente o meu, mas não desejo soar somente ranzinza” (p. 99). É um pouco tarde. Há um humor que atravessa todo o percurso dessa tentativa, mas nossos risos frente a essa enumeração cumulativa de banalidades aleatórias são de natureza bem distinta daquela a que estamos acostumados em nossa experiência nas redes. Acima de tudo, a graça da cultura de celebração do shitposting é inviabilizada pelo distanciamento próprio da descrição que toma o espaço de páginas e páginas de um livro físico. É difícil encontrar o que se celebrar neste retrato de usuários que produzem infinitamente um rastro passageiro de excreções próprias, renovável ao toque do F5. A condição para que essa graça apareça é a de que nos vejamos nas excreções do outro: “A internet é feita principalmente da repetição da mesma piada, você só entende o que você já entende, você só vê o que você já sabe enxergar, você só conversa com quem você já concorda” (p. 30). Um outro resultado patente dessa escrita processual é o de que intencionalidade e efeito do humor se revelam invertidos. Nada intencionalmente engraçado resiste à descrição: “Andressa faz três piadas em cima de um vídeo em que um gato reage (não vi o vídeo) a uma mão, a gradação da piada: chamar para almoçar, chamar para sair de casa, chamar simplesmente” (p. 78). A hilaridade dessas descrições está em sua falha em atingir o efeito humorístico, não como ocorre em uma piada ruim consagrada, mas no vácuo em que a intenção se esvai. Já do que há de não intencional, surge por vezes um humor espontâneo, a depender da natureza repetitiva da exposição: “Um casal ensina a fazer brigadeiro frito: consiste em fazer o brigadeiro, então preparar uma massa para enrolar o brigadeiro, e então fritar o brigadeiro empanado” (p. 98). Fim da descrição.

Aproximando-nos do fim dessas páginas, nos perguntamos qual é a expectativa de quem começa a ler esse livro e o que é feito dela ao longo desse processo. Já sabemos de saída que não há clímax ou desfecho possível, visto que não há conflito que não seja o do narrador-observador com sua própria matéria inesgotável. A questão deste exercício, a mesma que se colocou para Perec, é o quanto uma subjetividade aguenta de objetividade descritiva. Os indícios de desgaste do narrador são também nossos; mas para o leitor, trata-se de um desgaste revigorante, uma expurgação de excesso pelo mergulho no excesso. Este efeito tem seu prazo, pois basta voltarmos ao hábito das redes sociais para que o feitiço de entretenimento com o qual estamos acostumados se reinstaure paulatinamente, ainda que nossa relação com as postagens seja estragada por uma voz interior que persiste em simular a narração descritiva do livro. Há certamente algo de encantatório nessa escrita processual; no entanto, o resultado não é o mesmo da imersão no conteúdo das redes, mas o de um afastamento crítico que raramente conseguimos lograr. Conforme anunciada em seu título, a descrição se debruça sobretudo em espaços. Mas não é por acaso que o narrador escolhe concluir seu experimento com a indicação do horário em que a tentativa de esgotamento se encerra. Antes de tudo, “Tentativa de esgotamento de 3 lugares na internet” é dimensionado por um tempo subjetivo.

Ao longo dos dias em que este exercício descritivo foi realizado, este tempo se esgotava para alguns milhares. “O que está acontecendo?” — o narrador registra a insistência da pergunta da rede social. Esta horizontalidade informacional já não tem nada que ver com a democratização literária que Jacques Rancière lê na anulação de hierarquia temática em Flaubert — para voltarmos ao exemplo de onde partimos. Entre anúncios de chocolate, fotos de pets, uma igreja chilena pegando fogo e algumas selfies, morre gente lá fora, enquanto já não sabemos se a palavra “vida” ainda é adequada para denotar isso que lemos: “Há uma produção constante de bots, cada assunto que surge parece ter sido impulsionado artificialmente de alguma forma” (p. 54). Em meio à constatação dessa ausência humana, escapa ao propósito do exercício um respiro de subjetividade criativa: “[…] curso de Produção de Conteúdos Online. Imagino os robôs fazendo o curso. Imagino cursos como produção de conteúdo em si. A internet é um espetáculo sem espectador” (p. 57).

Ao longo do contato com esta enumeração angustiante de atividades inúteis, o convite das redes a compartilharmos volta com significação renovada: “o que você está fazendo?” modula para a pergunta que nossa posição entre a histeria da comemoração do dispêndio de tempo e os mais de setecentos mil mortos impõe: o que fazer? Talvez publicar um livro ou, como dizia Drummond, qualquer outra besteira. Pensa-se nas páginas de perfis deixadas como rastro, registros sabe-se lá de quê para quê, com as redes perguntando ainda aos mortos: “No que você está pensando? O que está acontecendo?”.

“No que você está pensando, Drump? Em como acabar este experimento, não respondo” (p. 93).

Gustavo de Almeida Nogueira é doutorando do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo (USP), tendo a obra de Samuel Beckett como objeto de estudo desde seu mestrado, realizado na mesma instituição. Ministrou cursos de extensão na FFLCH-USP sobre a literatura francesa do pós-guerra e tem artigos publicados sobre Samuel Beckett e Mário de Andrade.