(foto felipe bezerra – unicamp – div – aula aberta)

Racionais MC’s, e a noite em que a UNICAMP virou quilombo! Ancestralidade, saberes e potências transformadoras de um Brasil insurgente!1

.Por Christian Ribreiro.

As chamadas aulas abertas possuem como objetivo a promoção de atividade intelectual que vá além da normalidade, do normativo padrão de ensino-aprendizado que caracteriza a vida acadêmica local. É um ato de simbolismo que demarca a ocorrência de uma excepcionalidade, da ocorrência e manifestação de um evento que acabara por enriquecer a todas as pessoas que tenham a sorte de participar ou ter acesso a ele, ao mesmo tempo que demarca momento histórico na vida intelectual e pública da instituição. Em que ela demonstra a sociedade em que está inserida, sua importância e o seu sentido enquanto instituição com definida função social, que seria a produção de saber e enriquecimento da vida política e cultural de sua comunidade acadêmica e de sua localidade, de seu território originário de suas relações de poder e interação sociais. Além do mais, quando se trata de uma universidade, principalmente quando essa é uma instituição de ensino estatal. Relações de produção e divulgação de conhecimento, e da inserção dessas instituições de maneira orgânica, constituinte e transformadora aos, e dos, diferentes universos que compõe os cotidianos de poder e interesses que as tornam inseridas e não acima do mundo que se desenvolve a sua volta, em seu entorno.

Por isso, uma aula aberta é compreendida, possui a noção de ser um evento extraclasse, como algo fora do comum, em que a universidade manifesta publicamente o sentido de sua existência, sua importância e significado para a própria sociedade a qual se faz inserida para servir e ajudar a desenvolver-se intelectual, cultural e tecnologicamente. Fortalecendo-a cada vez mais a sua localidade enquanto exemplo de sociedade cidadã e democrática. O papel civilizatório de qualquer instituição educacional, principalmente de ensino superior e pública, deve se dar por essas prerrogativas. Sendo a “Universidade Estadual de Campinas” (UNICAMP), uma das mais renomadas do país, referência mundial em produções cientificas e contribuições intelectuais-políticas que se espalham e reverberam por todo o mundo. Por décadas esse têm sido o seu legado e a sua realidade. Mas, ao mesmo tempo, é uma instituição que carrega em si uma representação do melhor e do pior do Brasil, das suas contradições entre o tudo e o nada que dialogam constantemente entre si. Dos direitos, que deveriam ser universais, mas se tornam na prática privilégios. Sempre a servir os mesmos de sempre, que historicamente ocupam os cargos decisórios e de poder de nossa sociedade. O que nos revela, nos possibilita definirmos essa instituição como uma representação de nosso elitismo arcaico e conservador, racista e intolerante, que delimita esses espaços teoricamente públicos, como searas classistas e racistas que reproduz o sistema de apartamento, de exclusão sistêmica que sempre se fez presente as nossas vivências enquanto país construído por muitos para usufrutos de poucos.

Uma característica que se radicaliza, quando levamos em consideração que ela se dá na última cidade a alforriar sua população escravizada, centro político e econômico dos barões do café. Que se vangloriava dos traumas e torturas que empregava contra os escravizados rebeldes, daqueles que não sabiam “qual era o seu lugar”, aos “revoltosos” e “insolentes”. Que ousavam questionar ou confrontar a “ordem social” estabelecida. Essa mentalidade senhorial escravocrata e racista, perdura e se faz corrente na cidade de Campinas, e sempre se fez comum as relações de trabalho que acabaram por construir e desenvolver a excelência da universidade. Um corpo negro fundamental para a modernização e avanços constantes dessa comunidade, mas invisibilizado em sua importância e silenciado em suas experiências, necessidades e reivindicações.

Mas, na noite de 30 de novembro de 2022, essa ordem social que por tantas vezes parece imutável, foi abalada, atacada de frente, diretamente, em grande estilo! Desafiada em sua soberba, elitismo e paradigmas. Uma possível antevisão daquilo que virá a ser, do devir que se fará cada vez mais comum em seus cursos, nas suas faculdades, nas suas relações de convivência e de poder. A UNICAMP foi apresentada ao seu futuro! Foi obrigada a ver, ouvir e reconhecer a existência dos sujeitos históricos que a constroem e a modernizam, cotidianamente, e que não aceitam mais o apagamento de suas existências, historicidades e saberes. Os discentes cotistas, de maneira pública, manifestaram a excelência de suas existências – e das potências transformadoras que elas carregam e simbolizam – através da aula aberta aos Racionais MC’s2, na forma de uma grande homenagem aos chamados quatro pretos mais perigosos do Brasil, aos revolucionários românticos do rap nacional. Os reconhecendo como mestres que são de fato, enquanto senhores construtores de uma práxis pensante e original, de uma interpretação negra e popular, de se imaginar, questionar, compreender e sonhar o Brasil.

Formuladores de uma potência de país, de sociedade, que mesmo se dando fora dos bancos universitários, é tão válida e repleta de significados quanto qualquer outra formulação teórica-conceitual. Tendo a premissa de que esta se faz diretamente, sem mediação ou filtro, pelas pessoas que historicamente sempre se viram desprovidas de reconhecimento ante suas sapiências e perspectivas, que sempre tiveram suas vozes silenciadas e ignoradas. Como se não tivessem importância, como se não existissem para aqueles que se portam como os donos do poder que decidem os rumos e destinos de nossa sociedade, sem levar em consideração as querências e quereres de seu povo!

Por isso, a disciplina “Tópicos Especiais em Antropologia IV: Racionais MC’s no Pensamento Social Brasileiro“, ministrada por Jaqueline Lima Santos, dentro do curso de Ciências Sociais – em parceria com o Centro de Estudos de Migrações Internacionais (CEMI) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), e o Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Afro-Cebrap), com o apoio do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) – foi muito mais que uma aula comum referente a uma grade acadêmica! Pois além de seu pioneirismo nessa perspectiva de se compreender e analisar a produção de pensamentos sociais no Brasil fora dos cânones legitimadores de nossa intelectualidade formalista, o momento de culminância da disciplina se deu como ato simbólico que ao mesmo tempo homenageou os Racionais, mas que também ressignificou aquele próprio espaço enquanto única forma de saber e poder. Dessa forma, alargando os sentidos dos poderes e da própria estrutura que dão sentido a existência das universidades em uma sociedade como a brasileira.

E por essa perspectiva, por esse recorte prático-teórico, que a aula aberta dos Racionais MC’s representou momento em que o conceito de quilombagem intelectual de Clóvis Moura, se fez enquanto realidade, em sua máxima potência! Pois, este possuí enquanto premissa que a universidade, em especial a pública, só realizara o seu papel de geração de pensamento autônomo, crítico e modernizante da sociedade brasileira, quando voltada diretamente em atender as necessidades de se radicalizar e democratizar os conjuntos de relações sociais, econômicas e políticas do país. Para isso devendo levar em conta os saberes e reivindicações de suas camadas populares, para assim ser um espaço de saber e poder de todos e para todos. E que tal ato, representaria uma verdadeira revolução dentro da estrutura classista e racista da sociedade brasileira, que toma para si e apenas para si, a coisa pública como se fosse seu quinhão particular, para servir e proteger aos seus interesses privados e pessoais, em vez do interesse público que deve pautar o bem comum, radicalmente público, de uma nação! E que o rompimento dessa perspectiva burguesa racista, que se faz como lógica e se encorpa a partir de nossa modernização capitalista periférica e excludente, só se dará quando a juventude das populações socialmente mais carentes, em especial da população negra ocupar e tensionar os espaços hegemônicos de saber. Para assim, questionar o próprio sentido e a função histórica de segregação e apartamento que essa noção de hegemonia carrega, ao gerar, produzir e compartilhar perspectivas e conceitos que vão além dessa normativa e que representem vivências, experiências e saberes, que vão além da mesmice alienante e controladora promulgada-defendida por nossas – pretensas – elites. E que ao atingir essa nova práxis educacional, libertadora e radicalmente democrática, a universidade no Brasil estaria finalmente cumprindo o seu papel civilizatório primordial, ao finalmente aceitar e abraçar a sua função histórica, ao gerar em si a pluralidade e diversidade de credos, culturas, conhecimentos, histórias de vidas e povos que nos dão outros sentidos e nos caracterizam enquanto povo, enquanto brasileiros. Sem que isso significasse perda de qualidade ou de capacidade técnica produzida nas universidades, muito pelo contrário, pois assim daria vazão as infinitas fontes de saberes, as diferentes inspirações que se dão ao largo, ignoradas, por nossas elites, mas que representam o nosso melhor enquanto povo, as promessas daquilo que poderemos vir a ser, que comumente são classificadas enquanto “culturas populares”.

A aula aberta dos Racionais MC’s, foi a representação dessa teoria em realidade, em uma universidade – fundada nas terras do maior escravagista do Brasil, o famigerado Barão Geraldo de Resende – transformada enquanto um grande quilombo, vivo e libertário em sua dinâmica orgânica de aprendizado dialético. Em que todos ali inseridos, aprenderam e ensinaram ao mesmo tempo, em que todos ali presentes aprenderam mais e melhor sobre o Brasil que foi, o Brasil que é e – principalmente – o Brasil que poderá vir a ser! E toda essa potência criativa, todo esse conjunto de saber, se dando através do reconhecimento público que se fez louvar ao grupo de rap paulistano.

Desde as falas primeiras, pelos órgãos representantes da estrutura institucional da universidade reconhecendo o valor do evento, assim como da dívida histórica que não só aquela instituição possuí com o povo brasileiro e, em especial, com as suas populações negras, mas como a produção de saber no Brasil se dá de maneira tão apartada e distante aos interesses reais da sua população. E quão os Racionais são importantes para nos lembrar disso e de que forma a universidade, o chamado ensino superior, deve e pode aprender ao ouvir suas canções, ao ler e interpretar suas letras, não mais mantendo fechadas as suas portas, para o povo aos quais eles cantam e representam em suas composições. Dito de outra forma, foi reconhecido que os quatro pretos mais perigos do Brasil ensinaram a UNICAMP, que ela não pode ficar cega, surda e muda ante a realidade que a cerca! Que ali se fazia um compromisso firmado de que não se podia mais voltar, de que só há sentido e futuro para ela, caso não tenha medo de aceitar e abraçar o futuro que já se faz presente em seu cotidiano, através das lutas e resistências de seus funcionários e dos seus coletivos e entidades antirracistas, e de negritudes, que se dão ou atuam em seu espaço. Das pluralidades de saberes e conhecimentos constituídos pelos seus docentes e discentes negros, das novas vivências e historicidades trazidas a vida acadêmica-intelectual pelos cotistas que dão vida, alma e organicidade aos corredores de frio concreto dos prédios universitários da universidade de formato caracol. Não por coincidência, sempre fechada e centrada em si mesma…

É a premissa provocativa da quilombagem mouriana, de que todo quilombola em sua práxis intelectual, deve obrigar com que o opressor se reconheça como tal. Para que dessa forma, a realidade não se faça mais mascarar e que novas possibilidades, geradas pelas ações revoltosas e insurgentes dos oprimidos, dando caminho para a constituição de novas e mais justas realidades sociais. Por isso, compreendemos a aula aberta da UNICAMP, pela ótica de Clóvis Moura (1925-2003), enquanto resultado de todo um processo histórico, social e político de lutas, batalhas e reivindicações que ali se transformaram – e estão se transformando – em realidade, não é discurso de sereia sobre” oportunidade que foi dada” ou “favor, que se faz” para se enaltecer a benevolência de nossa falsa cordialidade social, do conceito do bom senhor que dá migalhas aos seus enquanto ato de bondade, para que tudo continue como sempre foi, e não ter que dividir o seu banquete com ninguém mais além dos seus! Elencando fato de que os Racionais sempre ensinaram ao seu público a não querer restos, e a sempre pensar no “nós” e nunca apenas no “eu”. De nunca ter vergonha ser quem são, de suas origens e raízes! A nunca deixar de pensar e compreender a totalidade em que estamos inseridos e contextualizados. E de que nada nessa vida se dá por acaso, nada… O que muito amplifica o alcance e os sentimentos expressados nas falas-testemunhos que foram realizadas pelos alunos da disciplina, a maioria de cotistas e negros, todos sujeitos historicamente marginalizados e discriminados, os periféricos de nossa história, sobreviventes do inferno chamado Brasil, com cada pessoa relatando quais os impactos e as importâncias, que a obra e a discursiva daqueles artistas, tiveram nas vidas. E eis que aqui se deu outra forma de aquilombamento, que é o reconhecimento aos mestres, enquanto processo que fortalece enquanto grupo e inspira ante aos desafios da vida que se fazem inerentes a todos que ousam encarnar o papel do mau cidadão no Brasil, daqueles que não aceitam o seu “não lugar” na hierarquia social brasileira!

Momento forte, de testemunhos potentes, em primeira pessoa. Uma gira redentora, de saberes e experiências, em que dores, traumas e medos foram partilhados, divididos e curados em uma grande catarse emocional e intelectual! Que os saberes ancestrais acabaram sendo repassados e renovados como referenciais que sempre nos guiam em nossa eterna diáspora. Em especial numa terra a qual construímos, demos forma, modernizamos, dinamizamos, mas que insiste em nos negar, em não nos aceitar, que parece sentir prazer em nos matar! Saberes esses representados e reimaginados através da arte-poética, estética e revolucionária dos Racionais MC’s, que num primeiro momento, mascarados para ouvidos de coração surdos, só cantam ódio e raiva, dores e sofrimento. Enquanto na verdade, são cantos de amor e superação, de persistência e acalantos, como que reafirmando aos desesperados e desvalidos, de que eles não estão sozinhos! De que eles são alguém, tem importâncias e significados. São belos e altivos, potenciais transformadores de suas próprias realidades, eles próprios referenciais, e inspiração para seus semelhantes, para seus familiares, para suas comunidades.

Numa sociedade em que a estrutura racista afeta e atinge diretamente as famílias negras, as desestruturando física e emocionalmente, através das políticas de extermínio e encarceramento da sua população masculina – que muito contribui para a ausência da figura paterna na vida da juventude negra – todos os relatos foram comuns em destacar como aqueles jovens tomaram a arte dos Racionais, como a sua voz paterna, de apoio e segurança. Do conforto, da orientação e do bem querer nos momentos mais duros das suas vidas! De como eles muito mais do que simples artistas, se tornaram mestres de fato, por suas trajetórias e compromissos assumidos de dar voz e representar aos seus. De não se curvar, nem mesmo de adular por míseros instantes, ante ao “Sistema”. E que por mais difícil que este caminho se provou, por mais árduo que tais escolhas se revelaram, eles tiveram sua caminhada celebrada e honrada por cada fala que ali foi posta! É UBUNTU na prática, “eu sou, porque nós somos/Nós somos, porque você é” … É a ancestralidade que nos fortalece e nos reorganiza enquanto grupo, enquanto resistências e potencial elemento de superação das estruturas sociais conservadoras e racistas da sociedade brasileira. Laços comunitários que se dão e se renovam enquanto noção de pertença, de família e irmandade. Tradição de resistência afro diaspórica que se faz contemporânea nos versos e atitudes dos homenageados da noite.

Esse reconhecimento público da maestria revolucionária da arte dos Racionais, pelo público ao qual eles escolheram retratar e cantar, debater e valorizar em seus discursos e entrevistas, numa instituição símbolo do elitismo e racismo estrutural do intelectualismo brasileiro, legitimando seus autores enquanto pensadores sociais orgânicos tão importantes e significativos quanto os cânones consagrados de nossa historiografia oficial é momento ímpar que, além de atestar a validade e a importância da adoção das políticas de cotas, nos aponta o quanto poderemos ser melhor enquanto sociedade ao aceitarmos as pluralidades que nos constroem e caracterizam, ao invés de sempre objetivarmos em dar validade ao nosso modelo-padrão social e racial eurocêntrico.

Na verdade, os versos dos Racionais sempre foram sobre isso, sempre cantaram o amor e a esperança num outro país, numa outra realidade que há de ser construída por estas terras… Por de trás de toda raiva, ódio e frustações que moveram por vezes várias de suas canções e atitudes, sempre havia o amor na esperança de que a luta valeria a pena. Como bons discípulos que são de Jorge Ben – o grande romântico revolucionário da música popular brasileira, que desde sempre cantou e enalteceu a experiência de ser negro em terras brasileiras, por vários aspectos e sentidos, mas nunca de maneira usual ou tradicional e que por isso foi taxado de alienado ou pueril em suas letras, “politicamente omissas” para grande parte de nossa crítica cultural e intelectualidade institucional – sempre tiveram um discurso por detrás do discurso aparente. Todas as canções e álbuns do grupo são formados por camadas e mais camadas de subjetividades e nuances, que não se revelam numa primeira vista ou em escutas rápidas, como o fato de que em todas as suas letras, nunca o “bandido”, nunca o “lado mal” vence! Ao mesmo tempo em que todas as opções de vida que eles cantam, que enveredam pelo chamado “mundo do crime”” se dão enquanto oriundas de todo um sistema social engendrado para jogar as populações negras e periféricas numa armadilha de morte, em que você terá diferentes caminhos para se desviar ou cair nas amarras que se apresentam. Mas que independente de sua escolha, que eles – Racionais – sempre estarão com eles, pois criminoso de verdade não é “o pretinho em que o caderno é um fuzil”3, mas o próprio Sistema, e contra esse, não há acordo e nem perdão!

Ao ter sua arte reconhecida e reverenciada, inclusive sendo indicados pelos estudantes que lhe homenagearam com a indicação de seus nomes para obtenção dos títulos de doutores honoris causa pela UNICAMP, os rappers não deixaram de reconhecer que são parte de um movimento muito maior e mais amplo que é o Hip-Hop, oriundos de uma geração que aprendeu, e teve as portas abertas, com os seus antecessores, tais como, Thaíde & DJ Hum, MC Sharylaine – presente ao evento e ovacionada pelo público – e Pepeu. Ao samba e ao candomblé. Aos pensadores negros como Sueli Carneiro e Clóvis Moura, enfatizando que o rap, assim como o Hip-Hop, nunca foram movimentos autocentrados e isolados, mas que sempre buscaram dialogar e aprender com as gerações anteriores. Ao ouvir e ler os saberes, as historicidades que se fizeram construir, em um diálogo geracional de constante aprender e ensinar, uma característica africana que acreditam ser importante manter viva! E de não ter medo de amadurecerem perante os olhos de todos, expondo suas crises, tensões, falhas e contradições nesse processo. Nunca se colocando acima de seus fãs, como seres superiores aos demais, mas sempre como seres humanos, falhos e mortais, tal qual aos seus semelhantes que ali os estavam celebrando. Sendo assim, fazendo questão de enfatizar o quanto também aprendem com as gerações mais novas, sempre as vendo, as ouvindo, buscando compreendê-las e entendê-las como são de fato, e não como acreditam que deveriam ser! Sempre a postos para dialogar e conviver com elas!

Uma noite mágica, em seu sentido mais literal e poético possível, em que se deram as contemporaneidades das potências do pensamento quilombola em ação. Teoria mouriana que se fez em prática, numa universidade que encontrou sua alma e sentido, ao abraçar e reconhecer a existência daqueles a quem sempre ignorou por completo, por vezes em total desprezo! A importância e representação, assim como suas consequências, do que ocorreu durante aquela aula aberta, ainda serão devidamente, e mais cuidadosamente, estudados! Mas que já nos permite dizer que embora muito longe do que pode e deve ser, mais como um alento do que pode vir a ser, já se fez enquanto evidência de que é possível tal objetivo, de que tal transformação/revolução já está em andamento, não tendo mais volta! A prática intelectual quilombola veio para ficar e desestruturar as normativas racistas da UNICAMP! Aquela noite foi a materialização desse simbolismo! Um feito simplesmente extraordinário! Em todos os sentidos, extraordinário! Ainda mais se paramos para pensar que, através dos Racionais, se fez ensinar para, pelo menos três gerações de marginalizados sociais, que nada é impossível, nem mesmo o impossível, quando se está ciente de quem você é de fato, e de que sozinho você nunca estará!

Nesse sentido, sempre havendo as canções, os ensinamentos e posturas destes eternos revolucionários românticos para lhe fazer companhia e a nos inspirar! Afinal de contas, não tem sido assim, nesses mais de trinta anos de carreira?

Por tudo isso que aqui se fez relatar e por tudo que ainda, se fara por acontecer! Salve, aos nossos pais, salve aos nossos irmãos mais velhos, salve aos nossos irmãos! Ontem, hoje e sempre! Salve aos nossos mestres! Salve, aos Racionais MC’s!

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Christian Ribeiro, sociólogo, mestre em Urbanismo, doutorando em Sociologia pelo IFCH-UNICAMP. Professor titular da SEDUC-SP, pesquisador das áreas de negritudes, movimentos negros e pensamento negro no Brasil

Referências:

1Muito mais que um artigo, essa missiva é uma declaração aberta de amor e gratidão a Pedro Paulo Soares Pereira (Mano Brow), Paulo Eduardo Salvador (Ice Blue), Adivaldo Pereira Alves (Edi Rock) Kléber Geraldo Lelis Simões (KL Jay). Estas linhas que aqui ganham forma e sentido são dedicadas aos “Racionais MC’s”. E de antemão, já manifesto que as emoções se farão presentes a cada palavra, pois estes quatro cavaleiros nos ensinam a muito tempo que não devemos ter vergonha de manifestar nosso amor e sentimentos, pelas pessoas que nos são queridas e inspiradoras!

2 Atividade que não contou com a presença do Edy Rock por questões particulares.

3 Referência aos versos “Pesadelo é um elogio/Pra quem vive na guerra, a paz nunca existiu/Num clima quente, a minha gente sua frio/Vi um pretinho, seu caderno era um fuzil! Um Fuzil!” de “Negro Drama” (faixa: 05, 2002)