Por Bruno Mariani Azevedo

luca boldrini CC - relógiosA Secretaria de Saúde de Campinas está implementando o controle de horário dos trabalhadores através de ponto eletrônico. É interessante ter um controle sobre esses horários. Mas quem é que controla? Um bom gerente (preocupado com qualidade, eficiência, eficácia, bem estar de trabalhadores e usuários) sabe que é necessário operar no sentido de ampliação dos graus da democracia institucional. Para isso qualquer coisa é ferramenta para colocar em discussão processos de trabalho, inclusive um aparato de controle. Por isso vale perguntar, quem controla? Temos a experiência que o ponto eletrônico pode ser uma ferramenta de empoderamento dos trabalhadores e da equipe sobre suas próprias jornadas de trabalho e a maneira como a cumprem, sempre tendo como foco a qualidade da atenção prestada ao usuário, mas sem esquecer das necessidades dos próprios trabalhadores.

Claro que não dá para fazer milagre, esse bom gerente precisa ter condições de trabalho também. A gestão do município precisa estar atenta e sensível a isso. Não parece ser o caso em Campinas. Junto com o ponto vem também uma normativa de padronização das maneiras de se cumprir a jornada de trabalho, em limitadas, no máximo, 4 opções. Esse tipo de normativa evidencia uma série de coisas:

A Secretaria de Saúde parece não acreditar que o gerente de serviço tenha capacidade de gerir a jornada de trabalho de sua equipe.

Tampouco crê que esse tipo de assunto (o que fácil supor que trata os demais da mesma maneira), de interesse de trabalhador tenha que ser discutido com os próprios trabalhadores. Não existe democracia institucional? Em algum momento passa pela cabeça desses gestores a necessidade de construir responsabilidade e autonomia no trabalho em saúde (para que cada trabalhador possa atender à necessidade do usuário e não de uma regra exterior à relação entre trabalhador e usuário)?

Também parece ser ignorado pela gestão central de que o trabalho em saúde demanda maleabilidade. Um Agente Comunitário de Saúde, por exemplo, sai de sua casa e no caminho atende, conversa, com uns 4 usuários. Isso não é trabalho? Então ele terá que correr para sua unidade, “bater ponto” e depois refazer todo seu caminho? Onde está eficiência e eficácia nisso?

O trabalho no mundo contemporâneo, cada vez mais, é imaterial, móvel, em uma velocidade de atualização impressionante. Não reconhecer isso e as necessidades que isso provoca, em especial na área de saúde, é acreditar que o trabalho em saúde é uma linha de montagem do começo do século passado! O trabalhador em saúde, para manter-se qualificado tecnicamente, para se atualizar, diversificar seu cardápio de ofertas clínicas, técnicas, precisam fazer cursos, precisam de períodos para estudo, ou seja, precisa de um cumprimento de carga horária maleável que lhe permita investir seu tempo em formações que não estão dentro de seu processo de trabalho. Afinal de contas, é preciso que se diga, a atual gestão municipal tem uma política que praticamente não prevê formação, educação permanente, atualização etc.

Por fim, fica-nos claro, que a gestão municipal está muito preocupada com controle e com regras e pouco preocupada com seu trabalhador, com a qualidade do cuidado ao usuário, muito menos com a permanente construção de maiores graus de democracia institucional. A restrição das maneiras de cumprimento de jornada de trabalho em nada agrega à qualidade do trabalho, à diminuição de horas-extras, tampouco não fazê-la seria impeditivo à implantação do ponto eletrônico. Serve apenas à desmoralização e ao desempoderamento de trabalhadores e de gerentes de serviços. (Bruno Mariani Azevedo- Especial para o Carta Campinas)