Por Ana Paula Guidolin

Economista, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) e secretária Municipal de Planejamento na gestão de Fernando Haddad (PT), Leda Maria Paulani (foto) afirma que um dos grandes erros da esquerda em sua história foi ter menosprezado a importância da democracia, em especial em um país subdesenvolvido como o Brasil, no qual a elite carrega um caráter senhorial, como bem dizia Florestan Fernandes.

“No Brasil temos como tarefa primeira garantir que a democracia não seja completamente destruída (e está sendo). Quando não há democracia, quem mais sofre são as pessoas de esquerda e a população em geral. As elites se ajeitam com governos ditatoriais, eles sempre souberam se entender”, afirma.

Resultado desse pouco cuidado com o aprofundamento da democracia, segundo Leda, é a situação atual, em que as transformações importantes feitas pelos governos do PT no padrão social e na distribuição de renda não se mostraram sustentáveis. Faltou “o maior enfrentamento do capital”, das “exigências tirânicas da riqueza financeira”, enfatiza. “Eu sempre dizia, ao primeiro vento contrário que soprar isso pode desmoronar”.

No início de junho ela foi uma das convidadas para o 22º. Encontro Nacional de Economia Política (Enep), na Unicamp, promovido pela Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), a qual já presidiu, e falou sobre o papel dos movimentos sociais brasileiros, alguns deles respeitados no mundo inteiro, como o MST, no enfrentamento do neoliberalismo. Segundo ela, a pressão desses movimentos ajuda a enraizar os valores democráticos e põe em xeque os limites da democracia representativa.

Veja alguns trechos da entrevista:

Neoliberalismo

Quando houve a crise de 2008 eu recebi muitos telefonemas de jornalistas me questionando se o neoliberalismo havia acabado. Eu disse que enquanto a riqueza financeira for mais alta que a riqueza real, o neoliberalismo permanece como discurso dominante. O discurso neoliberal tem uma prática associada, que é a prática, numa palavra, da redução de Estado. Além da desregulamentação e diminuição de intervenção estatal, esse processo passa por privatizações e cortes de gastos sociais. Reduzir o tamanho do Estado implica reduzir direitos trabalhistas.

Democracia

Eu particularmente acho que um dos grandes erros da esquerda em sua história foi ter menosprezado a importância da democracia. No Brasil temos como tarefa primeira garantir que a democracia não seja completamente destruída (e está sendo).

Falo isso e outros também, como o professor André Singer, e às vezes criticam a ideia como “pequeno burguesa”, mas tem que tomar cuidado. Quando não há democracia quem mais sofre são as pessoas de esquerda e a população em geral. As elites se ajeitam com governos ditatoriais, eles sempre souberam se entender. Nós que não temos essa cultura, pelo menos não aqui no Brasil. Em outros momentos da história quando a esquerda esteve no poder e desprezou isso, depois pagou muito caro. A história cobra seu preço. Depois que fosse garantida a democracia no país, viriam os ensinamentos do passado.

PT

O período de governo do PT mostrou que as transformações a serem feitas no país têm que ser sustentáveis ao longo do tempo. O que se obteve, que não foi desprezível, foi uma mudança grande no padrão social e na distribuição de renda, mas não foi sustentável. Eu sempre dizia, ao primeiro vento contrário que soprar isso pode desmoronar.
(…)
Não se enfrentaram as exigências tirânicas da riqueza financeira. Como o Brasil crescia, os governos do PT, preocupados com a desigualdade, conseguiram ao mesmo tempo sem afetar essa estrutura macro que estava por trás, com interesses do grande capital, também promover a ascensão dos de baixo. Isso causou a revolta da classe média que ficou espremida, se vendo mais perto dos pobres que dos ricos. Essa situação toda dependia de uma conjuntura internacional favorável que nem sempre existiria.

Golpe

O processo de impeachment pela sua flagrante ilegalidade deveria ser barrado no STF e não foi. Tudo foi muito diferente do caso do presidente Collor, lá não havia dúvidas, a legislação previa o impeachment, o vice entrou no lugar, acabou o mandato e outro presidente foi eleito, era outra situação. O caso da presidenta Dilma deixou claro que foi uma armação empurrada por vários interesses. Pela sua fragilidade política com um governo ruim e com o aprofundamento da crise, quem defendia esses interesses percebeu espaço para dar o golpe e tirar o PT do governo federal, o que era tentado desde 2005 e não se conseguiu pela via eleitoral. (Texto integral no Brasil Debate)