Por Patricia Faermann – GGN

Auditoria contratada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e a área técnica do Tribunal revelaram diversas irregularidades no programa Auxílio Brasil criado e implementado por Jair Bolsonaro. As apurações compararam a política de Bolsonaro com o antigo Bolsa Família, criado durante o primeiro governo de Lula, e concluíram a ineficácia do primeiro em comparação ao anterior.

(foto marcelo casal jr – ag brasil)l

Entre os graves problemas apontados pela auditoria, beneficiários únicos do programa de Bolsonaro receberam 3 vezes mais do os beneficiários com famílias de 4 ou mais integrantes e, inclusive, o dobro do que cada um dos beneficiários de uma família de 2, ou seja, de um casal.

A alta discrepância e desigualdade do benefício não ocorria no Bolsa Família e, tampouco, no Auxílio Brasil inicialmente aprovado no governo Bolsonaro, o da teoria, chamado pelos auditores como benefício “cesta raiz”.

Já o da prática, efetivamente implementado, gerou a desigualdade.

Para fazer esse cálculo, os investigadores utilizaram como base a lista de beneficiários do Auxílio Brasil de 2022, recalculando quanto seriam os montantes distribuídos se o Bolsa Família ainda estivesse vigente.

“Com a adoção do benefício extraordinário e, posteriormente, do benefício complementar, a equidade de recebimento de valores per capita entre as famílias beneficiárias do PAB reduziu-se comparada à do PBF [Bolsa Família] e à do próprio PAB antes desses benefícios. Esse novo desenho do programa prejudicou o cumprimento dos seus objetivos e gerou incentivos para que as famílias se cadastrem separadamente, comprometendo, também, a qualidade do CadÚnico”, apontam.

Na prática, a desigualdade na distribuição de recursos afeta as famílias grandes, mas principalmente as crianças e adolescentes destas famílias, que deveria ser o público prioritário do benefício, indicam.

“Fica evidente por ambas as figuras que o desenho de transferência de renda do PAB apenas com o benefício extraordinário, pago até agosto de 2022 e já aprovado para ser pago a partir de janeiro de 2023, privilegia as famílias unipessoais. (…) Cabe ressaltar que essas famílias unipessoais, por óbvio, não contém nenhuma criança ou adolescente, público prioritário do PAB, conforme art. 2º, § 1º, inciso III da Lei 14.284/2021”, informa o relatório do TCU.

A resposta para essas diferenças está no desenho do programa Auxílio Brasil, criado por Bolsonaro, que instituiu o pagamento de R$ 400 a todas as famílias, independente do número de integrantes. Se na proposta original uma mãe sem renda, com um filho adolescente e uma criança de 5 meses receberia R$ 335 por mês e uma pessoa sozinha receberia R$ 105, ou seja, equivalentes, o benefício extraordinário dado pelo governo Bolsonaro aumentou as quantias, mas sem considerar as diferenças.

Ambas as famílias – tanto a mãe com dois filhos quanto o indivíduo único – passaram a receber R$ 400. Em seguida, com o aumento do Auxílio Brasil, ambas receberam R$ 600.

Como consequência, foram direcionados “grandes valores orçamentários para o público não-prioritário do programa”, traz o relatório do TCU e, ainda, estimulou-se a falsificação das informações, com “declarações inverídicas sobre composição familiar”, para que cada parte da família recebesse o benefício, como aquelas formadas por adultos. Já as famílias com crianças e adolescentes sequer poderiam falsificar as informações para obter mais de um benefício, o que aumentou, ainda mais, essa discrepância.

Outro problema detectado pela auditoria é que o público beneficiário foi o abaixo da linha da extrema pobreza, ou seja, famílias que recebem R$ 210 por pessoa. As famílias pobres, que recebem um pouco acima de R$ 210, não foram contempladas. “Cria-se assim um sentimento de injustiça e um incentivo maior para que essas famílias acima da linha de pobreza subdeclarem suas rendas e ingressem no programa.”

O formato do programa, que estimulou a falsificação das informações e declarações, também acabou prejudicando o CadÚnico, com informações “cada vez mais descoladas da realidade da população brasileira em situação de pobreza”, aumentando, inveridicamente, o número de “famílias unipessoais”, como mostrado no gráfico. O Cadastro não é utilizado somente para o Auxílio Brasil, mas para diversas outras políticas de governo.

Diante disso, a equipe de fiscalização do Tribunal de Contas da União recomendou ao Ministério da Cidadania que substitua o desenho do programa Auxílio Brasil, nos moldes ao que era antes, do Bolsa Família.

Um segundo grande problema detectado pela auditoria foi o aumento do custo para a efetividade da redução da pobreza. A estimativa foi de que o Auxílio Brasil de R$ 400 mais R$ 200 gerou R$ 1,72 bilhão por mês para reduzir somente “1 ponto percentual do hiato pobreza” brasileira.

O benefício anterior, de R$ 400, gerava um impacto de R$ 1,58 bilhão para reduzir os mesmos 1 ponto percentual de pobreza. Ainda, no modelo do Bolsa Família, programa criado pelo primeiro governo Lula, foi calculado que para reduzir os mesmos 1 ponto percentual de pobreza seria necessário um gasto na ordem de R$ 1,43 bilhão. Ou seja, uma redução de quase 300 milhões.

A razão é a mesma sobre a disparidade na distribuição dos benefícios: famílias numerosas e com filhos adolescentes e crianças se viram afetadas e receberam menos quantias per capita do que as demais.

O último grave problema encontrado pela auditoria sobre o programa de transferência de renda de Jair Bolsonaro foi sobre a inclusão do público-alvo nos beneficiários efetivos, não condizendo com as informações registradas pelo IBGE, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), de 2021.

Os cálculos são de que, pelo menos, 17,62 milhões de famílias estariam elegíveis ao Auxílio Brasil em 2022, mas com os erros do Cadastro Único, mais de 21 milhões de famílias recebiam o benefício em outubro do ano passado.

Diante disso, o órgão técnico do TCU pediu que o Ministério da Cidadania investigue e sane as distorções da composição familiar registradas no CadÚnico, faça a atualização cadastral e realize estudos e investigações para identificar beneficiários indevidos do programa de transferência e aqueles que estão excluídos. (Do GGN)