.Por Christian Ribeiro.

Após a fala na semana passada, do presidente eleito Lula criticando o chamado teto de gastos ser utilizado para a não implementação e realização de políticas públicas de combate à fome e miséria. De um enfraquecimento do papel do Estado, enquanto fomentador e promulgador dessas diretrizes sociais, uma grande parte da grande imprensa brasileira voltou a exercer um papel que exerceu com gosto nas duas últimas décadas, o de porta-voz “não” oficial do chamado “Mercado. Com títulos chamativos e provocativos sempre partindo da premissa de enfatizar que o “Mercado” estava nervoso após a fala do presidente, que isso era mau para o país e que o novo governo deveria sinalizar com uma resposta, até mesmo um pedido de desculpa, por ter gerado tanta tensão aos rumos políticos e sociais.

(foto billy cedeno – pbl)

E para acalmar a reação negativa das “forças financeiras” que reagiram com o aumento do dólar e a queda da bolsa de valores. Uma situação de polvorosa que se espalhou por todos os órgãos de comunicação do Brasil, com jornalistas e analistas econômicos definindo e promulgando como deveria ser não só os discursos de Lula ou membros do futuro governo petista, mas como deveria ser a sua linha de gestão econômica, “sem aventuras” ou “gastos desenfreados”, que colocassem em risco o “nosso” equilíbrio fiscal”. Que o processo de recuperação econômica do país não poderia ser atrapalhado por falas ou posturas irresponsáveis, que jogassem o Brasil numa aventura de irresponsabilidade total e que a busca por justiça social não poderia abrir margem para tal desventura.

Quase nenhuma opinião em contrário se fez ouvir, com as exceções de Flávia Oliveira, Octávio Guedes, Reynaldo Azevedo e Jânio de Freitas, somente um mesmo mantra de adoração ao “Deus-Mercado”, como se esse houvesse sofrido uma agressão descomunal e precisasse de todo o carinho e suporte do mundo para se recuperar o mais rápido possível, e não mais ser vítima de uma afronta como essa. Além de destacar que o futuro governo Lula deveria emitir sinais de agrado em direção ao “Mercado”, para deixá-lo mais calmo e tranquilo, assumindo compromisso firmado de ser uma gestão de rigorosa práxis econômica, sem espaços para gastos indevidos ou supérfluos nas áreas sociais.

Em outras palavras, a mídia brasileira, envergonhada da incompetência econômica do desgoverno bolsonarista, até então calada em relação a agenda neoliberal que sempre defendeu ferrenhamente, inclusive em meio ao processo de cassação da presidenta Dilma Roussef, justificando toda a ocorrência do mesmo pelo fato que Michel Temer seria mais apto a seguir uma agenda pró mercado e de desmonte do aparato estatal nacional, como também de incentivar e celebrar a vitória de Jair Bolsonaro como o primeiro governo neoliberal brasileiro. Após o discurso de Lula, em que este enfatiza o seu compromisso em, novamente liderar um governo, que visa acabar com a fome no país e a volta dos investimentos nas áreas sociais em vez de se preocupar “pura e simplesmente” em não romper os limites fiscais, levou a imprensa de volta a vociferar velhas inverdades como de que “não há salvação” fora do equilíbrio fiscal, de que nada pode ser mais importante do que a “saúde do superavit nacional” no caixa governamental ao final do ano, para satisfazer uma relação financeira que não afete os alicerces dos dividendos e ganhos que o “Mercado” fornece aos seus e a aqueles que defendem e divulgam os seus interesses.

Fora a premissa estapafúrdia de que é o bem do “Mercado” que realmente pode representar o bem para todas as pessoas, para a sociedade como um todo. Através de uma discursiva ilusória de que a felicidade do “Mercado” é o padrão de qualidade social ao qual todos devem se moldar e acatar, sem questionar como essa realidade se faz constituir, reproduzir e perpetuar. O que justifica que toda ação, pensamento ou fala em contrário deva ser duramente combatida, para seu total descrédito e apagamento. O que nos explica e nos situa o porquê de tamanha histeria com a fala do Lula, sendo que nada do que ali exposto é surpresa para quem acompanha minimamente a sua trajetória política tanto quanto líder sindical e partidário, quanto de sua trajetória presidencial. E nada do que ele falou, não havia já sido dito, publicamente, durante toda a campanha presidencial de 2022. Ou seja, na verdade, essa grita representou uma tomada de posição de retomada da nossa imprensa de seu papel de defensora dos ideários e interesses neoliberais, pró mercado, para o Brasil, novamente sem máscaras ou compromisso ético algum. Mas em total sintonia e acordo com a política de privilégios e vantagens que nossas elites econômicas e políticas tanto se agarram em devoção e lucro!

Não havendo outra explicação para tal postura desmedida em sua potência e repetição, sendo reproduzida incessantemente por quase uma semana, em todas as formas de mídia, com as mesmas manchetes e pautas, as mesmas argumentações rasas e sem conteúdo, mas com o destaque de que o “Mercado está nervoso, e isso é ruim, pelo fato do Mercado estar nervoso”… Um círculo narrativo para demarcar a defesa dos interesses do “Mercado” como se fossem os interesses realmente importantes e fundamentais, para o crescimento econômico do país e destruição de renda mais justa e equilibrada para o país. Como se por si só, a lógica rentista especulativa neoliberal fosse resolver todos os males e infortúnios do Brasil.

Mas, se isso é verdade, se isso é fato? Tal realidade não ocorreu no governo Bolsonaro por qual motivo? Poderão alguns alegar, que a pandemia COVID-19 atrapalhou o crescimento da economia do país… Mas os números econômicos já eram horríveis antes da explosão epidêmica! Sem deixarmos de destacar que diferentes países, de padrões econômicos diversos, da China “comunista”, aos Estados Unidos capitalista, implementaram políticas de forte atuação estatal para garantia de renda e bem-estar de sua população, além de com isso, garantindo uma base de segurança social para uma retomada sólida e contínua da economia. A gestão econômica e social do atual desgoverno brasileiro foi falha, por vezes omissa e criminosa, nesse sentido! E não me lembro de o “Mercado” ter ficado nervoso?

A gestão bolsonarista ultrapassou os limites do teto de gastos inúmeras vezes, sempre por interesses eleitoreiros ou para dar sustentabilidade política ao governo. Rompendo todo e qualquer planejamento econômico ou “responsabilidade fiscal” estabelecida, e não lembro de o “Mercado” ter ficado nervoso? O famigerado “Orçamento Secreto”, uma das maiores violações administrativas já realizadas na história do Executivo nacional, através de tratativas nada republicanas, escancaradas, do famoso “toma lá, dá cá”, que retirou, mutilou, orçamentos das áreas da saúde, educação, habitação, cultura, cidadania e direitos humanos, dentre outras ligadas as temáticas e aos direitos sociais, em prol do alocamento de, entre, R$16,5 bilhões de reais a R$19,00 bilhões de reais. Com o único motivo de garantir apoio para reeleição do mandato de Bolsonaro. Sem nenhuma, mas nem a mínima, preocupação em respeitar o orçamento fiscal até então estabelecido, e muito menos com os impactos negativos, em meio a uma pandemia que não acabou e aumento dos índices de miséria e fome, que atingem em espacial as acamadas mais pobres e humildes da sociedade brasileira. A população brasileira, quando consegue, está se alimentando de restos de lixo e ossos! E, o “Mercado”? Não manifestou nem um som de reprovação a isso? Não ficou nem um pouco nervoso?

O senhor “Deus-Mercado”, estava onde quando das mais de 700 mil mortes, oficiais e diretas, que se deram no país pela condução medíocre, canalha, bolsonarista durante a vigência da COVID-19 entre nós? Houve alguma manifestação de repúdio ou de alguma contrariedade a esta fatalidade de dor e mortes ao qual, ainda estamos jogados a própria sorte? O “Mercado” emitiu alguma forma de indignação? O “Mercado” ficou nervoso? Pois, é! Pois, é… Não nos esqueçamos que é o mesmo “Mercado” que se colocava nervoso e se opunha ferozmente contra o término do regime escravocrata no Brasil, é o mesmo “Mercado” nervoso que era contrário à promulgação e implementação das leis trabalhistas pelo governo Vargas e que, incentivou a realização do golpe civil-militar de 1964 e foi contra o processo de redemocratização da sociedade brasileira efetivado em 1985. Além de ser ator político que durante os anos de gestão presidencial petistas, diariamente, gerava discursos alarmistas contra a política econômica desenvolvimentista e de inclusão social daqueles governos, porque estas colocariam o país à beira de um abismo social. Sendo que foram estas gestões que promoveram o pagamento da dividia externa nacional; a política de pleno emprego; a retirada do Brasil do “Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas”; e maior aumento da geração e poder de renda de todas as camadas sociais, em especial das populações mais pobres. E, é a esse “Deus-Mercado” nervoso, tão “preciso e imparcial” em suas análises sociais e tomadas de posições históricas, que a grande imprensa volta a dar eco? Pelo que eu saiba, quem ainda responde aos destinos do país é o atual governo! E quase toda mídia, em defesa do emocionalmente desestabilizado “Mercado”, cobra postura de sensatez e liderança responsável de quem ainda irá assumir? Como se este fosse culpado pelo abandono político, econômico, social e cultural que o Brasil se encontra? Faça-me o favor!

Mas, para enfatizar esse tratamento, no mínimo hipócrita, que órgãos da imprensa destinaram ao nervosismo de seu “Deus”, perante a discursiva lulista, lanço uma provocação! Que mania editorial coletiva é essa de se tratar o “Mercado” como se fosse um ser amorfo? Sem identificação ou face? Sempre um discurso como se estivessem falando de um ser habitante em uma outra esfera, acima dos padrões humanos e superior aos desejos, relações e vontades dos marginálias comuns. Será que não sabem que comercialmente o “Deus-Mercado” no Brasil possuí como endereço comercial a sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) na Avenida Paulista? Ledo engano, é um prédio de arquitetura nada difícil de ser encontrada. Mas qualquer coisa, se houver dificuldade nesse sentido, fica a dica de que ele sempre aparece, totalmente iluminado, de fundo nos programas noturnos ao vivo da Globonews. Se preferirem encontrá-lo em horário mais descontraído, como nos horários de refeições ou de compras, os restaurantes e lojas dos Jardins, e da Rua Oscar Freire, são locais em que os muitos dos discípulos que dão rosto, forma e ideário ao mercado nacional se encontram, dialogam e conversam pessoalmente, dando um ar de menos formalidade – informalidade jamais – a esse ser que guia a tantos em seus destinos civilizatórios. Devotos implacáveis, defensores ferrenhos da “responsabilidade fiscal e do respeito ao teto de gastos”, mas se calam e são coniventes com as desgraças sociais, o desespero e a desesperança que os dogmas de seu Deus de morte acarretam.

São aqueles que surtam ante qualquer outra perspectiva de que esta devoção não seja tão levada a ferro e fogo! Que não admitem haver um espaço de possibilidades outras, de ao menos uma esperança de que o mínimo de dignidade humana se faça presente, enquanto constantes e atuantes aos cotidianos dos economicamente menos favorecidos! Tais situações são tomadas como verdadeiras blasfêmias! Heresias imperdoáveis, que devem ser exorcizadas pelo bem comum da nação. Em defesa de um projeto de nação modernizante que aqui deve vir a ser instalado! Mas que nação é essa defendida por estes adoradores de Moloch? Que bem comum é esse, que se cala perante a morte dos desprivilegiados e amaldiçoa aos que tentam promulgar justiça, igualdade e fraternidade? Que modernidade é essa, que busca se constituir e desenvolver em cima de pilhas de mortos e mais mortos?

O “Mercado”, através do chamado Partido da Imprensa Golpista (PIG), sempre cobra uma autocrítica do Partido dos Trabalhadores (PT) e de Lula, em relação as suas gestões presidenciais e as, pontuais, situações de corrupção que se nelas se deram. Nem vou entrar nas questões políticas que tais reivindicações, quase sempre torpes e enviesadas, trazem embutidas, mas acredito que essa mesma exigência deveria ser também exercida pelo próprio “Mercado” e sua fiel escudeira, a grande imprensa, por sua omissão silenciosa durante os anos de desgoverno Bolsonaro, e de sua política econômica de exclusão e morte, ao qual foram no mínimo coniventes, quando não parceiros, nessa tragédia que tanto mal nos trouxe. Se defender comida e condições de vida digna para todos, deixa o mercado fora de ordem, o azar é dele e de seus seguidores-adoradores! E nos revela, quão sombrios são as razões que regem suas escolhas e decisões.

Quer saber de uma coisa? Se o “Mercado” está nervoso? Está tudo ótimo! Eu quero é mais…

O nervosismo dele é sinal de que algo de diferente está por vir, e se essa possibilidade já o desespera, não deixa de ser um bom sinal! E diante de tudo aquilo pelo que – ainda – passamos, não deixa de ser ao menos uma esperança que surge a nos inspirar para dias melhores que hão de pintar em nosso horizonte! O que não deixa de ser um alívio para os nossos corações e almas!

O “Mercado” está nervoso?! E, daí? Quem, realmente liga e se importa com isso?

Azar o dele…