Em textos anteriores, temos tentado mostrar que o caminho para a melhora das condições de vida da população excluída e de baixa renda no capitalismo contemporâneo depende da capacidade das lideranças de esquerda de saírem da exclusividade do cercadinho da democracia neoliberal e adentrar o controle dos modos de produção como forma de ação política e econômica.
Essa é uma batalha árdua em que o preconceito dentro da própria esquerda pode emergir, visto que toda a estrutura de micropoder está enraizada em uma estrutura determinada pelas democracias capitalistas contemporâneas, que beneficiam as lideranças com melhores condições econômicas e, principalmente, com as benesses e privilégios da classe política quando essa liderança alcança um lugar dentro da estrutura política do Estado, seja como vereador, deputado ou outro cargo. Muitas dessas lideranças, que continuam sérias e engajadas, são limitadas a esse cercadinho construído nas democracias contemporâneas. Essa é uma das inúmeras razões para extrapolar os limites das ações político-partidárias. Não seria possível atuar além desse espaço delimitado pelas democracias representativas? Claro que sim, e esse movimento tem avançado.
O que temos dito é que esse modelo representativo ora avança ora retrocede nas condições de vida da população, de acordo com o momento histórico. E os retrocessos acontecem justamente quando as forças econômicas decidem entrar como um bloco monolítico para retomar o total controle das democracias. O problema é que a esquerda, ligada aos interesses de melhores condições sociais e econômicas da população em geral, não detém forças econômicas, visto que emergiu identificada e no seio dos vendedores da mão de obra. Nas situações de crise, os direitos conquistados são rapidamente solapados, isso quando as elites não recorrem aos poderes das forças policiais e do fascismo.
As democracias capitalistas contemporâneas podem se tornar cômodas para as lideranças (seja política ou laboral) de esquerda não só pelos benefícios que elas proporcionam aos líderes, mas também porque não enfrenta a contradição aparentemente insuperável (veja link) do marxismo ou do próprio processo de produção das sociedades complexas.
Essa contradição insuperável, entre quem controla os modos de produção e quem vende a força de trabalho, só é superado no processo individual do artesão, que tem concomitantemente o controle dos modos de produção e da força de trabalho. Ora, mas essa é uma condição utópica de um microcosmo diante das massas populacionais. Mas assim também é vendida a figura jurídica da MEI (Microempreendedor Individual), que como trabalhador independente superaria essa contradição, quando na realidade o MEI se diferencia do artesão por se inserir (em grande parte) em uma engrenagem de produção de grande escala sem direitos trabalhistas. Mas há na MEI, embutida em seu interior, a miragem da superação da própria MEI, que é o controle dos modos de produção e a compra da força de trabalho de outros trabalhadores.
Nesses dois casos, a real superação da contradição entre controle dos modos de produção e a venda da força de trabalho só tem potencial de se realizar na individualidade, ou seja, no trabalho autônomo, o que não resolve e até piora a questão social. A grande questão (ou a grande diferença) para trabalhadores contemporâneos são as formas coletivas de organização e produção em sociedades com milhões de habitantes, de larga escala, de grandes corporações, etc.
Em síntese, a diferença entre artesão, microempreendedor e controle dos modos de produção está na capacidade da organização coletiva dos trabalhadores e da população marginalizada. Esse é o grande desafio que, de certa forma e lentamente, tem sido superado por algumas organizações. É claro que a organização econômica coletiva pode seduzir os líderes para a exploração em condições semelhantes à do capitalismo. E é aqui que entra a fundamental questão política dentro dos modos de produção (um ethos econômico), de forma a organizar os trabalhadores para ter o controle sobre os modos de produção, ainda que esse controle não se exerça pela gerência operacional da produção.
Ou os trabalhadores enfrentam esse desafio ou continuam submetidos à barbárie capitalista que provocará inúmeras tragédias socioambientais nas próximas décadas.