O conceito de consciência de classe, resultado de pesquisas sobre economia-política que revelou as contradições e a exploração de pessoas pelo capitalismo, contém complexidades que prejudicam a luta por melhores condições de vida. Depois de Marx, inúmeros intelectuais e revolucionários (de Lenin a Rosa de Luxemburgo, passando por muitos outros) já se debruçaram e mostraram sua complexidade e a instabilidade desse entendimento. O que nos motiva a pensar um tema tão espinhoso é compreender uma suposta contradição insuperável e inerente ao conceito.
Até hoje, a classe trabalhadora, levada pela prática cotidiana, se apropria desse conceito de maneira pura, sólida, de forma que nada pode deturpá-lo ou deformá-lo. E, por isso, seria redentora da classe. Esse talvez seja um equívoco importante na conquista de melhores condições de vida da população frente à exploração neoliberal capitalista contemporânea. Não é prudente depender de um conceito e tomá-lo como profissão de fé quando este conceito tem substrato dialético e contraditório.
Nesse sentido, a frase cunhada por Marx, “trabalhadores do mundo, uni-vos” (síntese da ideia de consciência de classe) deve ser entendida como uma proposição de forte potência e não como algo alcançável de forma plena. No entanto, é uma energia utópica contida no conceito que mobilizou lideranças e grupos contra a exploração do trabalho. Mas a ‘consciência de classe’ não deu conta de solucionar os problemas da exploração dos modos de produção e isso pode ser observado em quase duzentos anos de luta operária em vários países do mundo e também pelo intenso debate sobre o tema entre os intelectuais e trabalhadores.
Além das questões externas ao conceito, como a própria transformação e reinvenção do capitalismo com o desenvolvimento tecnológico, o que nos interessa aqui são as perturbações e impurezas internas ao conceito de consciência de classe, já indicado pelos pensadores, mas subjugado pelo pragmatismo político, o que não poderia ser diferente.
Para o conceito trazer ganhos para a população, é preciso a união da classe trabalhadora, seja na formação de partidos políticos, seja na luta por melhores condições de trabalho, seja em um movimento grevista, por exemplo. E aqui surgem as dificuldades.
Vamos chamar a primeira perturbação como ‘consciência da insegurança’ ou ‘consciência pelega’, a possiblidade de levar vantagem se aproximando de quem detém poder, ainda que tenha a noção de consciência de classe. Racionalmente, a ideia de consciência de classe deveria ser inabalável. Mas desde Freud, não se pode negar falhas e perturbações da consciência, a incompletude humana, sua natureza inacabada como dizia Paulo Freire. Num grande número de famílias, de histórias e vidas diversas, a consciência da insegurança ou pelega, perturba o movimento político e social. Ela vai ser menor ou maior dependendo do momento histórico, mas sempre haverá esse fator de desestabilidade dentro da luta de classes.
Uma outra perturbação, ligada também à insegurança, é a ‘consciência da ambição’, ou a negação da própria consciência de classe dentro da classe trabalhadora. Ou seja, como pedir uma consciência de classe se o indivíduo se identifica com o opositor dentro da luta de classes? Essa perturbação é inerente à ascensão burguesa, visto que ela trouxe em si (em potência) a possiblidade de o vendedor da mão de obra se tornar o proprietário dos modos de produção. O contrário, para a sorte dos trabalhadores, também pode acontecer, como ocorreu com Frederich Engels. Nesse caso, podemos chamar de consciência solidária e humanista. Essa situação difere da ordem pré-burguesa, quando a consciência na estratificação social do estamento era uma norma hereditária.
Com a multiplicidade e complexidade da sociedade moderna, essa consciência ambiciosa (ou mesmo a solidária) ganhou muito mais estímulos do que no século passado. As facilidades dos transportes, as facilidades das tecnologias, a rotatividade do trabalho e o estímulo ao ‘empreendedorismo’ contribuíram ainda para a perturbação na consciência de classe da contemporaneidade. O desejo, o egoísmo, a ambição, os fantasmas, a ilusão e os sonhos estão ali presentes interferindo no conceito estritamente racional de consciência de classe. Ou seja, a luta das lideranças para projetar a consciência de classe parece mais ingrata e difícil a cada dia. E isso pode estar gerando até uma certa desorientação das próprias lideranças dos trabalhadores.
Em resumo, essas perturbações e outras precisam ser levadas em conta no entendimento do conceito e podem fortalecer o próprio conceito de consciência de classe, de forma que as lutas políticas não fiquem dependentes da consciência de classe.
A inadvertência de lideranças com essas perturbações podem implicar em erros, equívocos ou fracassos nos conflitos para melhores condições de vida dos trabalhadores. Marx, aliás, “tinha perfeita consciência de que a compreensão e a defesa atuante dos interesses comuns de toda uma classe podem entrar em conflito com os interesses particulares de certos trabalhadores” (Bottomore). As lideranças conhecem bem essa situação.
Sem contar, e isso é mais importante, que há um processo constante de tentativa de destruir a ideia de consciência de classe, que se aproveita dessas perturbações (brechas) para desmobilizar trabalhadores e lideranças. Incentivos, privilégios e cooptação são as formas mais comuns.
A própria complexidade das relações de trabalho na contemporaneidade, que implica não só relação capital-trabalho, mas também as relações de dependência comercial ou parceria comercial, perturbam o conceito, mas esse tema específico fica para um próximo texto.
Essas perturbações do conceito de ‘consciência de classe’ servem para nos levar a falar em algo ainda mais problemático, visto que o conceito tem em si um paradoxo que se torna uma contradição aparentemente insuperável.
Essa contradição se dá porque, em uma sociedade complexa, sempre há de existir uma ‘classe’ ou um grupo de poder controlando os modos de produção e outro vendendo a força de trabalho. É nessa contradição aparentemente insuperável que a esquerda não se entende e os ultraliberais e de extrema-direita se aproveitam. Ou seja, o trabalhador sempre estará submetido ao dono do capital, ao burocrata do partido ou mesmo ao próprio trabalhador, que se torna o explorador do trabalhador.
É nessa contradição aparentemente insuperável que estudiosos e trabalhadores devem se deter, pensar, praticar e se arriscar. Em quase 200 anos de marxismo, há uma dificuldade em superar tal contradição. De um lado, há a incessante sedução e transformação das relações de trabalho do capitalismo e, do outro, há uma acomodação em ações via partidos políticos nas democracias capitalistas e uma paralisia ideológica das lideranças de trabalhadores em tentar superar essa contradição via economia dentro do próprio capitalismo, justamente por causa dos riscos e das críticas inerentes a ela. Há um temor dos trabalhadores em caminhar por uma espécie de campo minado, um campo minado não só pela direita, mas também pela esquerda. E, nesse sentido, alimentam a esperança de um processo revolucionário futuro.
Google tradutor – resumo
The concept of class consciousness, one of the most important in human history, the result of research on political economy that revealed the contradictions and exploitation of people by capitalism, may contain some disturbances that harm workers.
Often, the working class appropriates this concept in a pure, solid way, in a way that nothing can distort or deform it. And this is perhaps an important mistake in achieving better living conditions for the population in the face of neoliberal capitalist exploitation. It is not prudent to deify a concept and take it as a profession of faith, when this concept has the dialectical concept of history as its substrate.
In this sense, the phrase “workers of the world, unite” should be understood as a utopian idea, in the best sense, and not as a cake recipe that needs to be followed to the letter in order not to go wrong. It is this utopian energy that mobilized workers against labor exploitation. But the concept of class consciousness is not enough to solve the problems of exploitation of modes of production and this can be seen in almost two hundred years of workers’ struggle in several countries around the world.
In addition to issues external to the concept, such as the transformation and reinvention of capitalism with technological development, what interests us here are the disturbances and impurities internal to the concept of class consciousness.
For the concept to bring gains to the population, it is necessary to unite the working class, whether in the formation of political parties, or in the fight for better specific living conditions, or in a strike moment, for example. “Workers unite” is a fundamental slogan for the concept of class consciousness and this is where the impurities of the concept are contained.
Let’s call the first disturbance ‘insecurity consciousness’ or skinny consciousness. Since Freud, one cannot deny failures and disturbances of conscience, human incompleteness, its unfinished nature as Paulo Freire said. In a large number of families, with different histories and lives, the awareness of insecurity or squabbling disturbs the political and social movement. It will be smaller or larger depending on the historical moment, but there will always be this factor of instability within the class struggle.
Another disturbance, also linked to insecurity, is the ‘consciousness of ambition’, or the denial of class consciousness itself within the working class. In other words, how to ask a conscience to unite if it identifies itself with the opponent within the class struggle? With the multiplicity and complexity of modern society, this ambitious awareness gained much more stimulation than in the last century. The facilities of transport, the facilities of technologies, the rotation of work and the stimulus to ‘entrepreneurship’ contributed even more and with the disturbance in the contemporary class consciousness. Desire, selfishness, ambition and dreams are present there, interfering with a rational concept of class consciousness. In other words, the struggle of leaders to project class consciousness seems more ungrateful and difficult every day. And this may even be generating a certain disorientation on the part of the workers’ leaderships.
In summary, these are just some disturbances, there may be others, which need to be taken into account in understanding the concept and which can strengthen the very concepts of class consciousness. The negligence of leaders with these disturbances can lead to errors, mistakes or failures in conflicts for better living conditions for workers. The very complexity of contemporary labor relations, which imply not only the capital-labor relationship, but also commercial dependence or commercial partnership relationships, disturb the concept, but this specific topic is left for a future text.
The concept of ‘class consciousness’ also has a paradox in it that becomes an apparently insurmountable contradiction, since there is always a ‘class’ or a power group controlling the modes of production and another selling the power of work. It is in this seemingly insurmountable contradiction that the ultra-liberal and extreme right-wing discourses are sustained, that is, that if they are not the owner of capital, the party bureaucrat or the worker himself will be the worker’s exploiter. Something like what happened in the Soviet Union after the 1917 revolution and in communist-capitalist China.
It is this seemingly insurmountable contradiction that scholars and workers must stop, think, practice and risk. In almost 200 years of Marxism, there is a difficulty in overcoming such a contradiction. On the one hand, there is the incessant seduction and transformation of capitalism’s labor relations, and on the other, there is an accommodation in actions via political parties and an ideological paralysis of workers’ leaders in trying to overcome this contradiction within capitalism itself, precisely because of the risks and the criticism inherent to it. There is a fear of workers to walk through a kind of minefield, a minefield not only on the right, but also on the left.