Helô adora o Zezão

.Por Zé Ribeiro da TV.

Vejo as redes sociais como assisto a TV, com muita atenção. Outro dia numa rede social tive de observar duas pessoas que concordavam em tudo mas que nunca seriam amigos na vida real. No entanto, na rede social o Zezão caminhoneiro e a Helô herdeira e milionária estão juntos lado a lado, defendendo a pátria dos comunistas.

(foto rene asmussen – pxl)

O Zezão caminhoneiro tem seus motivos. Ele é proprietário de um caminhão semi-novo, financiado a longo prazo e que as prestações cabem no bolso porque deu uma boa entrada com suas economias. Zezão também tem casa própria, passou dos 40 anos e sonha com um Brasil livre de doutrinadores comunistas. Seus dois filhos estudam em escolas públicas.

Zezão trabalha de 14 a 16 horas por dia. Não reclama porque não é vagabundo. Sente muitas dores de ficar dias e noites na boleia, mas para isso existem os anti-inflamatórios. Consome sempre que aperta. Passa semanas sem ver a mulher e os filhos, rodando pelo Brasil. Zezão ama a família, Deus e a Pátria. Mas as vezes a mulher e os filhos perturbam. Então gosta da estrada para descansar da amada família. Além disso, se ficar parado perde a casa e o caminhão e terá de morar na rua. Certa vez quebrou o pé ao descer da boleia sem cuidado e quase foi à falência.

Zezão e Helô estavam lá na postagem juntos xingando Paulo Freire de comunista, analfabeto, vagabundo, plagiador, doutrinador. Um falava e o outro completava. Zezão, que não conseguiu terminar o primeiro grau porque achava chata a escola, xingou do celular, enquanto descansava na rede ao lado do seu truck, lá pelas bandas de Goiás. Zezão está aguardando carga para voltar para casa.

Já Helô estava sem fazer nada. Na verdade, estava viajando e mandou as mensagens, que fizeram Zezão dar risada e gostar muito, de uma cadeira de sol. Helô digitava e olhava as montanhas suíças, do terraço de uma janela do hotel na estação de esqui. Não que ela faça esqui, mas adora viajar com o marido. Marido só para os íntimos, na realidade ela é ‘oficialmente’ solteira e recebe uma boa pensão do falecido pai militar. Ela já tem mais de 65 anos e não se arrisca na neve. Mas aproveita o hotel, os restaurantes, os spas climatizados e os shoppings ao redor. De lá, Helô segue pra Itália, já que ama Veneza. Depois, vai para Bruxelas, onde quer ver umas joias em uma loja que já é freguesa. Até conhece a gerente.

Helô e Zezão estão juntos nessa luta contra os comunistas e em defesa da propriedade privada, nem que tenham que ofender, difamar, mentir, matar ou roubar. Zezão no interior de Goiás admira seu caminhão, larga o celular quando não tem carga e passa uma cera para dar o brilho. Ele não gosta de caminhão sujo. Já Helô sai da rede social e vai para o aplicativo da conta que tem em paraíso fiscal. Ali, ela vê sua tranquilidade e teme pelo comunistas. São tantos números que ela às vezes se confunde. Pensa que por mais que ela gaste em um dia, no outro tem mais dinheiro na conta. Ela gosta desse paradoxo provocado pela rentabilidade diária.

No Whatsapp, Zezão e Helô estão em grupos separados, mas na rede social são amigos e sempre estão juntos atacando os posts da mídia comunista. Um se diverte com o outro. Zezão também tem suas boas tiradas. Helô sempre dá amei ou uma belo kkkk. Outro dia os dois atacaram o SUS, coisa da esquerda. Os dois pagam plano de saúde. Zezão paga um plano de R$ 25,00 por mês que tem que complementar quando usa, mas pelo menos não é o SUS, diz orgulhoso. Às vezes paga multa porque esquece do vencimento. Já Helô tem um seguro saúde de R$ 3.300,00 por mês sem contrapartida e não tem o problema de multa porque é débito automático. Fora do país tem seguro saúde extra.

Os dois estão no mesmo barco da política, um de caminhão e o outro de avião. Na vida real talvez nunca se conhecessem, mas na internet estão juntos numa batalha que dá sentido às suas vidas. Helô adora o Zezão. É por isso que a ficção às vezes é mais real do que a própria vida.