Em São Paulo – Até o dia 26 de janeiro, pode ser vista no MAC USP, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, a exposição “Ecos Mecânicos: A máquina de escrever e a prática artística”.

A exposição explora a história deste instrumento que, até a década de 80 do século XX, está presente em grande parte das residências, e sua utilização no campo do fazer artístico. Historicamente, a mostra revela o papel de um inovador brasileiro de meados do século XIX, o padre João Francisco de Azevedo, mas além disso, pontua os passos da trajetória deste objeto e explorando seus usos, com base em exemplares e documentos da coleção do Museu Paulista (MP) e do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) – instituições ligadas à Universidade de São Paulo.

No núcleo artístico, a mostra investiga o emprego da máquina de escrever por artistas de várias matrizes e idades, a partir de obras que empregaram a datilografia e sua potência, ao longo de quase um século, a partir primordialmente do acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. A lista de obras inclui trabalhos seminais da poesia concreta e de artistas das décadas de 1970 em diante, até os mais contemporâneos, de diversas nacionalidades.

Catalisando essas energias, o Setor Educativo do museu organizou, com a curadora, docente e pesquisadora do MAC USP, Profa. Cristina Freire, programa de ativação da mostra, oferecendo ao público, em especial aos mais jovens, a possibilidade de datilografar.

Como anota a curadora,

“a máquina de escrever evoca um passado próximo. Seu anacronismo tátil e mecânico destoa do mundo digital onde se tornou uma curiosidade. Como uma espécie de tipografia padrão, a máquina de escrever funcionou, até há algumas décadas, como uma prensa portátil e acessível capaz de associar a escrita, a fala e a publicação. A sonoridade característica das teclas torna a máquina de escrever um instrumento musical percussivo.

Sua arqueologia no Brasil revela um inventor desconhecido, o padre João Francisco de Azevedo (1814-1880), que ousou criar uma máquina de escrever no século XIX, no contexto de uma sociedade colonial e escravocrata. Há estudos que sustentam que seu projeto foi entregue a agentes estrangeiros e atesta um exemplo precoce (e mal conhecido) de extrativismo intelectual no Brasil.

Como dispositivo de escrita mecânica, a máquina de escrever situa-se entre polos antagônicos: a burocracia e a arte. No Brasil, a burocracia é parte da vida cotidiana. Preencher formulários, provar que uma pessoa é ela mesma envolve muitos registros e extensa papelada. Como dispositivo moderno, a máquina de escrever pode ser considerada uma tecnologia de liberação, pois favoreceu a emancipação feminina com a profissionalização da secretária e a formação técnica da datilógrafa, apoiada em escolas, cursos e manuais. As listas de palavras totalmente desarticuladas que vemos nos antigos manuais de datilografia fazem lembrar da poesia dadá.

Nas correspondências entre poetas, a máquina de escrever foi protagonista. As cartas datilografadas têm muitas vezes como tema a própria máquina. “Nossos instrumentos de escrita estão trabalhando em nosso pensamento”, escreveu o filósofo Nietzsche ao adquirir sua máquina de escrever. Nas primeiras décadas do século XX, Mário de Andrade chama de Manuela, em homenagem a Manuel Bandeira, sua máquina Remington. Nas páginas da Revista de Antropofagia, lê-se em letras mecânicas o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, entre outros manifestos e poemas.

Os poetas concretos, desde meados dos anos 1950, tiveram com a máquina de escrever uma parceira de plano e projeto, distante do artesanal. O espaçamento padrão e o branco da página funcionaram como elementos gráficos-estruturais. Com máquinas de escrever muitos artistas contemporâneos realizaram trabalhos em processos intermedia, resultando em poesia visual, incluindo cartas-poemas, poemas concretos, datiloscritos; datiloarte.

Publicações marginais circularam como envios postais e associaram-se aos meios de reprodução mais fácil naquele momento como o papel carbono, o mimeógrafo e o xerox. Muitos trabalhos chegaram de diversas partes do mundo para participar das exposições no MAC USP. Poemas visuais, publicações, manifestos, programas de ações e performances, descritivos de situações, ambientes e ações-partituras, fotografias com textos, etc.

Há uma significativa diferença no uso da máquina de escrever pelos artistas antes e depois da nossa era digital. No princípio, até meados da década de 1980, os artistas valeram-se dos recursos da máquina como dispositivo de escrita mecânica na construção da imagem-letra-palavra.

Hoje, o desuso da máquina de escrever, que oscila entre a inutilidade prática e o eclipse total, é índice do desparecimento programado de todas as coisas. Sua obsolescência sugere a possibilidade da emergência de novos sentidos poéticos e políticos, que tensionam esse vão indefinido entre o futuro e passado”.

A entrada é gratuita. (Carta Campinas com informações de divulgação)

MAC USP
Av. Pedro Álvares Cabral, 1301 – São Paulo-SP, Brasil
Horário de funcionamento:
Terça a domingo das 10 às 21 horas
Segundas: fechado