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Em São Paulo – Até o dia 7 de abril de 2019 poderá ser vista no IMS (Instituto Moreira Salles) Paulista a mostra “Claudia Andujar – A luta Yanomami”.
A retrospectiva da obra de Claudia Andujar dedicada aos Yanomami, povo indígena ameaçado de extinção, ocupa dois andares do IMS Paulista com aproximadamente 300 imagens e uma instalação da fotógrafa e ativista, além de livros e documentos sobre a trajetória da tribo em busca de sobrevivência.
O conjunto traça um amplo panorama do longo trabalho de Andujar junto aos Yanomami, retomando aspectos pouco conhecidos da luta da fotógrafa pela demarcação de terras indígenas, militância que a levou a unir sua arte à política.
A seleção do material exposto é resultado da pesquisa de muitos anos realizada pelo curador Thyago Nogueira, coordenador da área de fotografia contemporânea do IMS, no acervo de mais de 40 mil imagens da artista.
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Claudia Andujar (1931) cresceu na Europa, na região da Transilvânia, de onde escapou para a Suíça durante a Segunda Guerra Mundial. Sua família paterna, de origem judaica, foi morta nos campos de concentração de Auschwitz e Dachau. Emigrou da Suíça para os Estados Unidos e depois, em 1955, para o Brasil. Aqui, começou a fotografar e construiu uma carreira bem-sucedida no jornalismo. Em 1971, aos 40 anos, registrou os Yanomami pela primeira vez para a revista Realidade. O encontro mudou a vida da fotógrafa, que voltou numerosas vezes ao território para documentar aquela cultura ainda relativamente isolada.
O primeiro andar do IMS Paulista apresenta a fase inicial da carreira de Andujar, com fotografias produzidas entre 1971 e 1977 na região do Catrimani, em Roraima. São registros das atividades diárias na floresta e na maloca, dos rituais xamânicos, dos indivíduos. O mergulho entre os Yanomami foi possível graças a uma bolsa da Fundação John Simon Guggenheim. Segundo o curador Thyago Nogueira, “os anos de dedicação profunda fizeram com que Andujar transformasse o interesse jornalístico e antropológico em uma interpretação radicalmente original da cultura, feita com imagens”.
Ainda nessa parte da exposição, é possível acompanhar as primeiras viagens de Andujar ao território Yanomami, sua aproximação com a nova cultura e o amadurecimento do trabalho, conforme passava mais tempo na floresta. Com a ajuda do missionário Carlo Zacquini, que vivia há muito entre os Yanomami, ela pode aprofundar-se na rotina, acompanhar viagens, festas e expedições de caça: “É claro que cortar um animal é algo sangrento, mas não sei, acho que já me acostumei com isso, não me choca mais e nem acho estranho. É o jeito que as coisas são. Para falar a verdade, estou há tanto tempo com os índios que não acho mais nada estranho. Sempre olho e tento entender. As coisas são do jeito que são”, descreve ela em um áudio gravado na época em plena mata e disponível na exposição.
Um dos conjuntos mais impactantes do período é o registro das festas reahu, as complexas cerimônias funerárias e de aliança intercomunitária, marcadas por ritos específicos e pela fartura de comida. Para produzir as fotos, tentando relacionar o que via com a dimensão mística presente nos rituais, Andujar desenvolveu experimentos fotográficos em São Paulo, com flashes, lamparinas e filmes infravermelhos, que depois aplicou na mata. As imagens traduzem o universo espiritual, dando forma concreta a um mundo abstrato. “Ao interpretar com imagens, e não palavras, como faziam a antropologia e o jornalismo, Andujar também oferecia uma nova camada de significados”, afirma Nogueira.
Entre 1974 e 1976, Andujar ainda produziu centenas de retratos dos Yanomami que conheceu, formando um conjunto de rostos de crianças, jovens e adultos emergindo de um fundo negro. O conjunto, presente na mostra em 48 retratos, revela fisionomias e elementos culturais, como a tanga feminina ou o cordão cintural dos rapazes. As fotos foram feitas utilizando apenas a luz natural que penetrava nas malocas, e cada sessão consumiu um filme inteiro, medida necessária para criar intimidade.
Depois de algum tempo, a aproximação com os Yanomami também levou a fotógrafa a propor que eles próprios representassem seu universo. Em 1974, com a ajuda de Zacquini, levou ao Catrimani papéis e canetas hidrográficas e deu início a um projeto de desenho, ampliado dois anos depois com uma bolsa da Fapesp. Cerca de 30 desenhos originais de mitos e cenas do cotidiano Yanomami serão apresentados na mostra. Em 1977, Andujar foi expulsa e impedida de voltar à área indígena pela Funai.
O segundo andar da exposição concentra-se no contato radical da civilização branca com a indígena, e na história de luta empreendida pela fotógrafa para proteger o povo que adotara como família. Entre os anos 1970 e 1980, o garimpo e os planos de desenvolvimento da Amazônia durante o governo militar introduziram um rastro de doenças, violência e poluição que aniquilou comunidades indígenas inteiras, despreparadas para enfrentá-lo.
Diante da tragédia, Andujar cria com o missionário Carlo Zacquini e o antropólogo Bruce Albert a Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY) em 1978. Durante 13 anos a CCPY travou uma batalha incansável pela demarcação contínua da terra indígena, vista como a única maneira de garantir a sobrevivência dos Yanomami e de seu ecossistema. Contra forças econômicas poderosas, finalmente, em 1992, a terra foi homologada às vésperas da conferência-geral da ONU sobre o clima (Rio-92), tornando-se um dos mais bem-sucedidos exemplos de luta política.
Durante a campanha, Andujar mobilizou organizações nacionais e estrangeiras, levantou fundos, escreveu manifestos e correu o mundo para denunciar o descalabro. Sua fotografia passou a instrumentalizar a mobilização política. Também desenvolveu programas de saúde e educação, com os quais percorreu toda a extensão da terra indígena.
Em uma de suas séries mais conhecidas, fotografou Yanomami de várias regiões para identificar os cadastros de saúde e vacinação. As fotos numeradas se transformaram na série Marcados, exibidas na 27ª Bienal de Arte de São Paulo e no exterior. A retrospectiva no IMS Paulista apresenta novos conjuntos dessa série, com uma contextualização sobre os lugares onde os retratos foram feitos.
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Esses retratos numerados evocam momentos sombrios da história do século XX, como o Holocausto, associado à trajetória da própria artista. “Criamos uma nova identidade para eles, sem dúvida, um sistema alheio à sua cultura. São as circunstâncias desse trabalho que pretendo mostrar por meio destas imagens feitas na época. Não se trata de justificar a marca colocada em seu peito, mas de explicitar que ela se refere a um terreno sensível, ambíguo, que pode suscitar constrangimento e dor”, afirma a fotógrafa.
Outro destaque da mostra é uma nova versão da instalação Genocídio do Yanomami: morte do Brasil (1989/ 2018), manifesto audiovisual em 16 telas. A obra foi exibida pela primeira vez em 1989 como reação aos decretos assinados pelo então presidente da República, José Sarney, que demarcavam a terra indígena em 19 “ilhas” isoladas. Feita com fotos do arquivo de Andujar, refotografadas com luzes e filtros, a projeção conduz o espectador por um mundo em harmonia, paulatinamente destruído pelo progresso da civilização branca. A compositora Marlui Miranda criou a trilha sonora que combina música instrumental americana, japonesa e cantos Yanomami. A instalação apresenta uma retrospectiva do trabalho de Andujar, incluindo fotos tiradas entre 1972 e 1984.
A mostra no IMS Paulista reúne também livros, documentos e um mapa detalhado do território Yanomami no Brasil. A exposição retoma a trajetória da ativista e sua luta constante pela proteção de povos que, ainda hoje, permanecem em risco. Uma das maiores artistas vivas, Andujar rompeu os limites entre arte e política para não abrir mão de seu compromisso ético com a vida. “Estou ligada ao índio, à terra, à luta primária. Tudo isso me comove profundamente. Tudo parece essencial. Talvez sempre procurei a resposta à razão da vida nessa essencialidade. E fui levada para lá, na mata amazônica, por isso. Foi instintivo. À procura de me encontrar”, afirma a artista.
Mais informações no SITE do IMS Paulista. (Carta Campinas com informações de divulgação)