Por Guilherme Boneto

O ex-presidente Lula, em entrevista coletiva após o depoimento na Polícia Federal
O ex-presidente Lula, em entrevista coletiva após o depoimento na Polícia Federal

O que aconteceu ontem em São Bernardo do Campo me parece sintomático: estamos vivendo um momento político de extrema tensão. De um lado, uma oposição irresponsável, com vários de seus membros dispostos a tocar fogo num circo que esperam reassumir. De outro, um governo enfraquecido por suas próprias atitudes e terrivelmente mal avaliado. Aqui embaixo, longe dos jardins suntuosos de Brasília, temos uma população de saco bem cheio.

O governo da presidenta Dilma Rousseff é indefensável em quase tudo o que faz. Trata-se de uma gestão muito ruim. Porém eu jamais defenderei o impeachment, porque acredito na democracia e acho que, uma vez eleita, ela só deverá sair do cargo que ocupa se cometer um crime comprovado, o que não é o caso, ou quando seu mandato terminar. Mas nem por isso eu iria a público concordar com o que faz a presidenta. A Dilma que ocupa a cadeira maior do poder executivo nacional definitivamente não é a mesma Dilma que eu votei em 2014, muito menos aquela na qual eu votei em 2010. Também não defenderei o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por acreditar que ele, ao forçar a mão para lançar uma candidata inexperiente na arte da política, tem grande parcela de responsabilidade nesta crise de resultados imprevisíveis.

Mas o que aconteceu ontem é injustificável sob uma série de aspectos.

Não conheço os ritos da Polícia Federal. O que chamam de “condução coercitiva”, contudo, me parece um recurso reservado a pessoas que se recusam a colaborar com as investigações, o que, ao que tudo indica, não é o caso do ex-presidente Lula. Bateram na porta de sua casa às seis horas da manhã e o levaram de São Bernardo do Campo, onde fica seu apartamento, à sede da Polícia Federal no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, onde ele depôs até a hora do almoço. Todos os passos foram devidamente cercados pela imprensa; houve cobertura especial por várias horas. Nesta madrugada de sábado, fiquei surpreso ao constatar pela televisão de uma lanchonete que um jornal tinha três correspondentes ao vivo de diferentes pontos de Brasília, já depois da uma hora da manhã.

Não sou ninguém para questionar a forma como um juiz conduz a sua investigação, não sou advogado ou jurista e não me atrevo a meter o bedelho em algo dessa natureza. Mas é surpreendente que políticos de direita não recebam, ainda, o mesmo tratamento por parte do poder judiciário. Há suspeitas gravíssimas contra membros de partidos de oposição, e ao contrário do que acontece com o PT, as investigações não parecem caminhar. Atente bem: não estou defendendo os petistas condenados pela Justiça, e não pretendo fazê-lo. Acho que seria interessante, porém, um tratamento igualitário a todos que tenham cometido crimes contra a coisa pública. Ademais, a condução de um ex-presidente da República, tirado de sua casa nas primeiras horas da manhã para depor como se fosse um criminoso da pior categoria, é muito preocupante para mim. Me parece uma peça publicitária de grande genialidade e pouquíssima sutileza. Houve quem vibrasse, mas eu só consegui ficar muito preocupado com o rumo que estamos tomando.

Será isso parte de um processo de criminalização da esquerda? Guardadas as reservas que nós, progressistas, temos com os quatro sucessivos governos do PT, e são muitas, não podemos negar que Luiz Inácio Lula da Silva é o maior líder político de esquerda do Brasil hoje, diria até mesmo da América Latina. Seus méritos são indiscutíveis enquanto governou este país tão castigado. Mas seus erros ou possíveis erros, ampliados muitas vezes por uma cobertura midiática flagrantemente tendenciosa e uma parte do judiciário que parece disposta a punir apenas políticos de situação, podem minar por anos a credibilidade de qualquer partido progressista no Brasil. É possível conviver com um PT fragilizado, mas não com a esquerda na mesma situação. Quando a esquerda se enfraquece, a população perde a vez e a voz.

Por fim, podemos concluir que o PT não tinha o direito de errar como errou, e especialmente, de nos tirar a esperança de continuar num caminho de progresso e inclusão social. Ao ser desmoralizado e humilhado em público por conta de suas próprias omissões, o partido nos desmoraliza a todos. Se for necessário ir às ruas, nós iremos? Para defender a quem? Estamos chegando a um ponto muito crítico. Me preocupo com a possibilidade iminente de conflitos físicos nas ruas – há o risco de uma venezuelização nas nossas cidades, e isso não é necessário nem tampouco condiz com a grandeza do Brasil. Quem for às ruas deve se lembrar disso com clareza e ter comedimento, de ambos os lados. É preciso também defender a democracia acima de tudo, e não permitir que sejam cometidas injustiças contra ninguém. Quando a fé na política se perde, sobra espaço para aventureiros extremistas que já existem no Brasil, e  nos fim das contas, o que mais dói é ver que as pessoas não se importam com essa possibilidade assustadora.

Sintomas de tempos difíceis para os brasileiros? A conferir.