Por Pedro Carvalho Diniz

babySem sombra de dúvidas, a microcefalia é um dos assuntos mais comentados da atualidade. Comunidade científica, profissionais de saúde, imprensa e população fazem hipóteses que vão do científico ao medo sem, no entanto, terem embasamentos suficientes para confirmar qualquer teoria.

Suspeito número 1, o Zika vírus

A imprensa leiga vem, ao lado de alguns setores da comunidade científica, associando, de forma irresponsável e precipitada, o aumento dos casos de microcefalia à epidemia da “nova” doença, Zika. Capa da revista ÉPOCA® de 08 de fevereiro de 2016 contém uma “chamada” que relaciona o vírus à doença.

Até o momento, uma possível associação entre o vírus e a microcefalia, parece a melhor e mais palpável teoria. Em boletim do Ministério da Saúde de 12 de fevereiro de 2016, haviam sido confirmados 462 casos de microcefalia e/ou outras alterações do sistema nervoso central, sendo 41 deles tendo “relação com o vírus Zika”. O boletim não especifica, no entanto, como se deu a comprovação dessa relação.

Até a data de 30 de janeiro deste ano, o indício mais sólido dessa relação foi a detecção do material genético do vírus Zika no líquido amniótico (líquido no qual o feto se desenvolve) de mulheres que deram à luz a crianças com microcefalia bem como em tecidos neurológicos de crianças acometidas por essa condição em 17 casos. No entanto, isso não pode nos seduzir e nos levar a conclusões precipitadas. Precisamos, ainda, de mais dados para confirmar essa hipótese. Temos, então, dois motivos que podem explicar a tendência à sedução por essa teoria, um de cunho mais científico e outro nem tanto.

O primeiro motivo é a detecção mencionada acima. Apesar de ser um bom ponto de partida, esses dados ainda são insuficientes para se confirmar a associação entre a Zika e a microcefalia de forma definitiva.

Pensando estatisticamente, temos os 17 casos já citados, total de 462 casos comprovados. A porcentagem de detecção do material em casos confirmados é, portanto, de 3,67%. Número este, provavelmente, insuficiente para confirmar a associação. Parece ser o melhor indício até agora e é um fato que deve chamar a atenção dos pesquisadores e autoridades. Contudo, ainda não deve ser propagado como verdade e, muito menos, irrefutável. Não deve, ainda, ser motivo de extremismos por parte de autoridades e de pânico para população.

Ainda que o material viral tenha sido encontrado em mães de bebês (e nos próprios bebês), ainda fica a lacuna de saber se realmente foi o vírus que causou essa condição. Para melhor compreensão é preciso ter em mente, dois conceitos estatísticos: associação e coexistência. Por exemplo: o tabagismo está comprovadamente associado ao câncer de pulmão. Neste caso, há uma associação de causa e efeito, quem fuma e fumantes que fumam mais que outros tem maior risco de desenvolver câncer de pulmão. Por outro lado, uma pessoa pode ser fumante e sofrer, muito tempo antes de começar a fumar, de asma. Neste caso, a asma e o uso do cigarro existem simultaneamente (coexistência), mas não há uma associação entre eles. Para que possamos ter mais dados que confirmem a associação, duas coisas precisam acontecer: a detecção do material genético em um número muito maior de casos para que cheguemos ao princípio de plausibilidade extrema ou, com maior rigor, uma análise comparativa: coletar amostras de mais mulheres cujos filhos nasceram com microcefalia, e de mulheres cujos filhos nasceram saudáveis. Comparando-as, poderíamos, ou não, solidificar a associação entre presença do vírus e microcefalia e ausência do vírus e nascimento saudável.

Para facilitar a compreensão do leitor: suponhamos que milhares de amostras sejam colhidas e sejam detectados indícios do vírus em muitas mulheres cujos filhos nasceram saudáveis. Então o vírus estaria presente tanto na criança acometida quanto na criança saudável. Se, por outro lado, as amostras sejam negativas mesmo nas mulheres cujos filhos nasceram doentes, então estacionaríamos nos 17 casos e esse número é muito baixo num universo de centenas.

O segundo motivo é menos científico e racional e envolve tanto cientistas e profissionais da saúde quanto setores leigos da sociedade. Esse motivo é o medo do desconhecido. A Zika é uma doença “nova”, pelo menos no Brasil, e pouco se sabe ainda sobre seus sintomas e consequências. Assim, diante do novo, do desconhecido, qualquer esboço de explicação nos parece confortável. Temos mais controle e menos medo daquilo que podemos explicar. Além disso, é sabido que, diante de uma epidemia, há uma tendência de profissionais de saúde e leigos a diagnosticar uma determinada doença com mais frequência do que em uma situação “normal”. O aumento de casos de microcefalia pode se dever simplesmente porque agora estamos todos atentos. Antes, diante de uma medida alterada do perímetro da cabeça de um feto pelo ultrassom, a conduta médica poderia ser a tranquilização dos pais e a observação da gestação. Hoje, com maior probabilidade, seria motivo para alertar toda a família e notificar o caso.

Quando uma hipótese nos parece confortável, ficamos inconscientemente, tendenciosos a aceitá-la. A isso, chamamos, cientificamente, viés de confirmação, e pode explicar o por quê dos próximos suspeitos.

Suspeito número 2, as vacinas

Muito vem se especulando sobre a associação de vacinas e microcefalia. Isso é alardeado por grupos e indivíduos que criticam a vacinação pelas mais diversas razões. Na busca de um motivo para incriminar as vacinas, a microcefalia é bem apelativa. Não há qualquer evidência que comprove a associação entre vacinação e a microcefalia. Quem difunde essa teoria, à luz dos conhecimentos atuais, comete um ato irresponsável por embutir nas pessoas o medo de uma das ações que mais interferiram na saúde da humanidade. E isso pode causar sérios problemas de saúde pública e individual, bem como o ressurgimento de doenças há muito desaparecidas.

Suspeito número 3, o veneno pyriproxyfeno

Um dos mais recentes suspeitos para a ocorrência da microcefalia é, ironicamente, a substância usada para combater o Aedes aegypti, mosquito transmissor do vírus Zika. Um relatório recente, supostamente elaborado por pesquisadores argentinos e largamente difundido nas redes sociais, sugeriu uma possível associação entre esse agente químico e a microcefalia. Para ativistas e defensores de um menor uso de pesticidas, larvicidas, para controle de pragas na saúde pública e na alimentação, essa hipótese caiu como uma luva. Contudo, em nota recente a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) desmentiu a associação leia aqui. Fato interessante é que em Pernambuco, estado com mais casos confirmados até agora, o pyriproxyfeno não é utilizado como agente larvicida de combate ao Aedes. Assim, não há nenhum fato que associe tal substância à microcefalia e veicular a informação é precipitado e irresponsável.

Por fim, após uma análise mais criteriosa dos fatos, concluímos que há muito a se investigar e ainda restam mais dúvidas que respostas. No entanto, algumas coisas são certas:

1) A microcefalia é uma condição grave e todo esforço para redução de sua ocorrência e para aliviar o sofrimento de crianças, gestantes, pais e familiares deve ser feito.

2) Não há motivo para pânico. Não há motivo para se propagar à sociedade que vivemos uma época de explosão de casos de microcefalia, independentemente de sua causa. Dados do DATASUS/2013 (dados disponíveis) indicam cercam de 2.900.000 nascidos vivos. Considerando que esse número de nascidos vivos vem se mantendo estável e os 462 casos confirmados de microcefalia até 12 de fevereiro de 2016 podemos projetar que a incidência de microcefalia (surgimento de novos casos) gira em torno de 0,016%. Ou seja, precisamos ficar atentos, mas não apavorados.

3) O combate ao Aedes devem ser o foco de ações das autoridades e profissionais da saúde em parceria com a população. Não só para se combater o Zika, mas também a dengue e a chikungunya, doenças que possuem o mesmo vetor.

4) Sob a densa poeira da microcefalia, outras doenças materno-infantis como sífilis congênita, toxoplasmose, infecção pelo HIV, violência materna e obstétrica continuam a ocorrer em níveis alarmantes. É injusto e perigoso esquecê-los.

Àqueles e àquelas que estão sob suspeita ou já tiveram casos confirmados em suas famílias, a nossa mais profunda empatia e solidariedade. (Do Saúde Popular)

* Pedro Carvalho Diniz é especialista em Clínica Médica atuante no sertão pernambucano e integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares