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“50 desenhos para assassinar a magia” teve sua última apresentação em São Paulo

Expressivo, espasmódico, opiáceo, louco. Palavras que passaram pela minha cabeça enquanto assistia ontem a “50 desenhos para assassinar a magia”, espetáculo que é resultado do processo de formação artística do NUTAAN, núcleo ligado à companhia TaanTeatro. Inspirada na obra póstuma de Antonin Artaud, a montagem corresponde ao sentido de transgressão que o dramaturgo, poeta e ator francês imprimiu à sua vida e sua arte.

Dezessete atores em cena, num espetáculo de dança-teatro, sustentam a ideia de criar novos códigos estéticos, políticos, filosóficos, poéticos no lugar daquilo que o sistema propõe como uma espécie de “magia negra”, determinando atitudes a serem combatidas de forma artística. Muito impressionantes as expressões e desenhos de corpo do elenco, uma atriz chega a fazer uma espécie de decalque da obra “O Grito” de Edvard Munch. Foi a primeira vez que vi “O Grito” em carne e osso.

Apenas um dos muitos exemplos de “máscaras”, posturas e angústias que marcam tão bem a obra de Artaud, incursionando pelo seu trauma enquanto soldado da Primeira Grande Guerra e sua internação compulsória em hospício durante a Segunda Guerra. O ambiente manicomial está muito presente em gritos, contrações, espasmos, pulsações, revoltas que chegam ao ápice no apelo do “corpo sem órgãos”, tema de um dos textos de Artaud.

Delírios, glossolalias e fala desarticulada são bem aproveitados neste “combate poético”. Trata-se de uma amostra do Teatro da Crueldade, com os atores se misturando ao público como queria Artaud ao propor a ultrapassagem dessas fronteiras. O espaço da Oficina Cultural Oswald de Andrade, local de algumas apresentações, com as colunas embrulhadas em papéis com desenhos e escritos de Artaud funcionou bem como cenário. Sonoplastia dramática corresponde à tensão exigida para a encenação. Lembrei-me da passagem de Artaud, apresentando visceralmente os conceitos do Teatro da Crueldade na Sorbone, nos anos 30, quando a escritora Anais Nin foi a única a permanecer na plateia até o fim. O resto do público se levantou sem compreender aquele artista que urrava e babava em cena.

Mais de 50 anos depois, sua proposta continua viva, implodindo os limites da linguagem artística através do corpo-palavra, corpo-poético, corpo-insano, corpo-delírio, corpo-anticonvencional que abriga e expulsa os demônios da cultura. (Célia Musilli para Carta Campinas)

* “50 anos para assassinar a magia” foi apresentado no último domingo (28) no Centro Cultural São Paulo – CCSP, dentro da programação da Mostra de Fomento à dança, com entrada grátis. O espetáculo é dirigido por Wolfgang Pannek, com co-direção de Alda Abreu. A supervisão coreográfica é de Maura Baiocchi.