Em passagem por Campinas, o australiano Peter Singer afirmou que o atual modelo de alimentação pode causar impacto negativo no mundo. Além disso, refletiu sobre os direitos dos animais, as mudanças climáticas e a pobreza global.

Quando as pessoas vão ao supermercado e compram um quilo de carne ou fazem um churrasco, poucas pensam que ali, no prato, está um pedaço de outro ser, que também sente dores e sofre. Com o intuito de refletir esse e outros pontos morais sobre o assunto, o filósofo australiano Peter Singer esteve presente anteontem, dia 30, em Campinas, no Café Filosófico do Instituto CPFL Cultura.

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Filósofo Peter Singer

Provocador, polêmico e considerado um dos mais importantes intelectuais contemporâneos, ele atenta que é preciso repensar a maneira como o ser humano se alimenta atualmente. O enorme impacto na saúde das pessoas, no meio ambiente, na vida dos animais e das populações mais pobres são os principais motivos.

Diferente de outros filósofos, Singer não busca apenas definir o que nos diferencia dos outros animais, mas, sim, ressaltar aquilo que nos une e nos aproxima. Segundo o intelectual, a indústria pecuária de grande escala tem, ainda hoje, métodos horríveis, que visam apenas o lucro. “Tratam os animais como coisas, como se fosse uma fábrica de plástico ou algo do gênero. Isso é totalmente injustificável”, diz. “As galinhas são colocadas em jaulas, não podem nem esticar as asas. O mesmo acontece com os porcos, que não têm espaço sequer para se virarem”.

Peter também critica o que chama de “especismo”: a discriminação de certos seres baseada apenas no fato de estes pertencerem a uma dada espécie. Ou seja, a crença de que o homem tem mais privilégios com relação a outros animais, o que da o direito de explorá-los. Para ele, o Brasil, assim como a China, está atrasado em relação aos direitos dos animais. Uma maneira de alterar esta realidade seria as pessoas debaterem mais o tema e exigirem dos políticos a criação de leis que defendam o bem-estar animal, situação que já acontece com mais frequência na Europa.
Aos 67 anos, o professor da Universidade de Princeton (Nova Jersey, Estados Unidos) – que não foge do debate de assuntos polêmicos como eutanásia, aborto, aquecimento global, pobreza e desenvolvimento sustentável- tem mais de 30 livros publicados e tornou-se mundialmente conhecido com Libertação Animal, de 1975. A obra, que reflete a relação do homem com os animais e critica os maus-tratos impostos pelos produtores de alimentos, se tornou referência para movimentos de proteção aos animais, aos quais deu base filosófica e contornos políticos.

Mas, se amamos alguns animais –como gatos e cachorros- por que comemos outros? De acordo com o filósofo, para tentar solucionar esse problema moral, é preciso que as pessoas se sensibilizem e se coloquem no lugar deles. “O fato de haver um sofrimento, uma dor, tem que ser forte o bastante para sensibilizar esse tipo de pessoa. Conscientizar-se com isso pode contribuir para a criação de um elo com aquele animal já morto”

Meio ambiente e populações mais pobres correm perigo
Peter afirma que um dos principais desafios da humanidade, no século XXI, é encontrar uma maneira de lidar com as mudanças climáticas, que podem gerar grandes problemas ambientais e sociais. Segundo o professor, é preciso diminuir o consumo de carne, uma vez que os grandes rebanhos contribuem para o aquecimento global de modo mais intenso do que os transportes.

Além disso, Singer destaca que a cadeia alimentar industrial dos animais é questionável. “O Brasil é um grande produtor e exportador de soja, porém vende para ser transformada em ração e não para a alimentação das pessoas. Nenhum animal alimentado com soja contém mais da metade dos nutrientes do grão puro”, diz o filósofo, que provoca. “Se quiséssemos ser eficientes, nós mesmos comeríamos (os grãos)”. Atualmente, o Brasil é o maior exportador de carne bovina no mundo, ficando na frente de países como os Estados Unidos e Austrália. Ainda segundo o Ministério da Agricultura, o país é o quarto produtor e exportador de carne suína, enquanto que na avicultura já é o terceiro produtor mundial. O Agronegócio brasileiro se destaca, também, em outros setores, como os grãos.

Apesar de pouco contribuir para as mudanças no meio ambiente e o crescimento do aquecimento global, os grandes afetados serão os mais pobres. As catástrofes, como enchentes, e todas as alterações no clima, atingirão, de forma mais consistente, os produtores e as famílias mais simples. “É muito provável que teremos milhares de refugiados climáticos no próximo século e para onde eles vão? No momento, as nações do mundo todo não estão tão abertas para aceitarem refugiados. Por isso, se alimentarmos com diversos alimentos que provocam o aquecimento global, então, estaremos colaborando para esta situação”. O filósofo criticou, também, as negociações e a especulação de preços que as grandes corporações realizam no comércio dos alimentos.

Fast foods e a preguiça de cozinhar
Vegetariano há mais de 40 anos, Singer acredita que é possível diminuir o consumo de carne e substituí-la, ainda que gradualmente, por outros alimentos de grande valor nutricional. Porém, destaca a alteração dos hábitos das pessoas mais pobres. “Em algumas sociedades, como nos Estados Unidos, as pessoas com menos dinheiro se esqueceram de como se cozinha e, apesar de mais caras, alimentam-se com comidas processadas. Talvez, precisamos de programas educacionais que promovam uma vida mais saudável, com dietas mais simples, baratas e nutritivas”. Já em relação aos alimentos transgênicos, para ele, ainda é uma questão aberta. Uma vez que ainda não tivemos problemas ambientais ou evidências claras que podem afetar a saúde das pessoas. Exemplo de um intelectual engajado, Peter Singer se despediu de Campinas deixando claro que o ato de comer também é uma decisão ética e moral. (Julio Mangussi, da Rede CartaCampinas)