.Por Ricardo Alexandre Corrêa.

“Digo-lhes hoje, meus amigos, que, apesar das dificuldades e frustrações do momento, eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano” (MLK)

William Edward Burghardt Dubois

No dia 28 de agosto de 1963, o jovem pastor afro-americano Martin Luther King Jr. (MLK) liderou a importante Marcha de Washington, que culminou, depois de um ano, na aprovação das Leis dos Direitos Civis. Nessa marcha, MLK proferiu o célebre discurso Eu tenho um sonho. Hoje é difícil falar de MLK sem associá-lo ao discurso, que foi marcado por palavras que dialogaram com os anseios dos afro-americanos, servindo de inspiração para todos que lutam contra o racismo para além das fronteiras estadunidenses.

Na noite anterior, em Gana, faleceu o historiador e sociólogo − William Edward Burghardt Dubois − um dos maiores intelectuais e ativista afro-americano na luta pela emancipação política da população negra. Esses momentos nos sugerem certo simbolismo: a despedida daquele que foi uma importante liderança política durante a primeira metade do século 20, e a entrada triunfal de um jovem que no ano seguinte recebeu o prêmio Nobel da Paz.

Du Bois nasceu em 23 de fevereiro de 1868, Massachusetts, EUA; três anos depois do fim da Guerra da Secessão. Não chegou a sentir as dores do regime escravista, mas esteve sujeito ao racismo que continuava entranhado na sociedade. Ao superar algumas dificuldades, conseguiu estudar na Fisk University, na Friedrich Wilhelm Universitat e Harvard, sendo que nesta última foi o primeiro negro a obter o título de PHD.

Du Bois é considerado o pai do Pan-Africanismo; em sua militância, organizou com outras lideranças o Niágara Movement – percussor da NAACP (sigla em inglês para Associação Nacional para o Avanço dos Negros), e o primeiro Pan-African Congress, realizado em Paris, no ano de 1919. Du Bois foi um intelectual refinado, radical e combativo que não hesitava nos seus posicionamentos políticos em favor da comunidade afro-americana.

Escreveu várias obras, atuou como jornalista e trabalhou como professor universitário na Atlanta University em 1897. Fundou a revista The Crisis da NAACP, e também criou o grupo teatral no Harlem – Krigwa Players – que tratava sobre a cultura negra. Posicionou-se em favor do sufrágio feminino, criticou o racismo nas forças armadas – acarretando em advertência do Departamento de Justiça que ameaçava processá-lo caso continuasse as críticas -, condenou a intervenção americana no Haiti e a exploração econômica na Libéria.

A trajetória de Du Bois atraiu uma massa de seguidores, mas, também, críticos dentro da comunidade afro-americana. Booker T. Washington, outra importante figura que lutava em favor da população negra, foi o mais emblemático. Ambos os líderes tinham o mesmo objetivo, mas a estratégia para o alcance era diferente. Nesse sentido, o professor David G. Du Bois1 acredita que Booker T. Washington ao defender a prosperidade material, respeitabilidade social e instrução industrial – fatores que convergem com as ideias capitalistas – se dava por ter nascido escravo; W. E. B. Du Bois, nascido livre, foi conformado a buscar os direitos civis pleno e a igualdade educacional entre brancos e negros. Essas questões são importantes para refletirmos acerca da ótica construída de acordo com a vivência de cada sujeito.

Dentre as diversas obras publicadas por Du Bois, a coleção de ensaios “As Almas da Gente Negra”, em 1903, o tornou conhecido nacionalmente. Nesta obra o autor trouxe pontos que se tornaram o seu marco crítico ao longo da vida. Num desses ensaios “Sobre Nossas Lutas Espirituais” fomos contemplados com uma metáfora que dizia que os negros eram separados do mundo dos brancos por um “véu” donde a sombra era a discriminação que atingia somente os negros; outra reflexão, dizia respeito à consciência dupla dos sujeitos: o ser negro e o ser americano, sendo que a luta estava na fusão dessas duas individualidades – duas almas -, uma vez que o reconhecimento de si era partindo do olhar dos homens brancos.

“É uma sensação estranha, essa consciência dupla, essa sensação de estar sempre a se olhar com os olhos dos outros, de medir sua própria alma pela medida de um mundo que continua a mirá-lo com divertido desprezo e piedade”

As reflexões de Du Bois atravessaram o mundo servindo para que outros negros se apropriassem delas, e continuassem a construir críticas e estratégias visando à eliminação do “véu”, tencionando os direitos historicamente negados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DU BOIS, W.E.B. As Almas da Gente Negra. Tradução de Heloisa Toller Gomes. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999.
KING JUNIOR, Martin Luther. Eu tenho um sonho. 1963. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/desejos/sonhos/dream.htm>. Acesso em: 25. Ago 2018