Por Ana Perugini

A notícia de que o presidente Michel Temer teria avalizado a compra do silêncio do deputado cassado e ex-presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, era a peça que faltava no quebra-cabeça do golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, rasgou a Constituição e colocou o nosso país em estado de recrudescimento da crise institucional. Assim caminhamos a passos largos para um estágio que pode colocar o povo brasileiro sob o signo do medo diante da pauta, que ameaça dar às práticas arbitrárias e autoritárias, o protagonismo do regime político-administrativo nacional.

Como a romper com uma premissa, exaustivamente repetida pelo ditado popular pelo qual há quem diga, em determinado momento da história, que um cenário não pode piorar. Infelizmente não é o nosso caso: a crise pode alcançar ares ainda mais dramáticos a julgar por algumas razões, em especial, a escancarada falta de respeito às necessidades do povo, uma marca do atual governo federal. Dificilmente progressos sociais e econômicos poderão ser alcançados nos próximos anos sem os investimentos em áreas prioritárias e essenciais da vida brasileira, de Norte a Sul, Leste a Oeste.

Se confirmadas as denúncias, Temer infringiu o artigo 85 da Constituição e cometeu crime de responsabilidade contra o livre exercício do Poder Judiciário e do Ministério Público. Deverá, nesse caso, ser investigado e julgado em um processo de impeachment. Entretanto, pela gravidade do quadro institucional, e pela deterioração da economia, que só faz avançar os índices de queda da qualidade de vida com prejuízos incalculáveis aos trabalhadores e trabalhadoras, para o bem do nosso país, nesse momento a renúncia seria o caminho menos danoso.

Há quem diga que o povo grego, no berço da civilização e da democracia, não tolerava estar submetido a um mandatário, estrangeiro ou não, que não fosse capaz de interpretar os anseios da nação, como também a intensidade do brilho dos olhos de quem ocupava as ruas e assembleias.

Essa é a essência do nosso povo: estar nas ruas, cabeça erguida, com o rosto iluminado pelos raios do sol, a pedir um governo que reúna legitimidade e sensibilidade para recolocar o Brasil no caminho das políticas públicas e inclusivas, que, a invocar o mais expressivo exemplo de cidadania, em uma única ação foi capaz de tirar o país do Mapa da Fome, das Nações Unidas, por mérito e determinação, de Estado, na gestão do presidente Lula. O povo, em nenhuma hipótese, pode ser criticado, temido e condenado. Ao contrário, deve ser visto como parceiro, bem cuidado e respeitado.

A notícia que nos é confirmada, desde o dia 5 de maio, pelo Relatório da Revisão Periódica Universal da Organização das Nações Unidas (ONU), revigora a força do povo como instrumento indispensável para os avanços de um governo democrático, como foi o Brasil estimulado com a ascensão de Lula, em 2003: dos 103 países que participaram da sabatina ao Brasil, 26 enfatizaram a importância da implementação do Plano Nacional de Educação (PNE), e outros 6 citaram a ampliação dos investimentos no ensino público na Administração Lula, bem ao contrário do que acontece no Governo Temer, que tem promovido sucessivos cortes em todas as áreas sociais, como saúde e educação, segurança e habitação, para beneficiar o que é gerido pelo mundo privado.

É aí que mora o golpe. Não podemos entregar o país ao bel-prazer do mundo privado. Diante de um país abalado pela corrupção e instituições enfraquecidas, precisamos nos submeter à soberania das urnas, porque atualmente somos reféns de um pacto que foi derrotado nas urnas, cuja base é formada por congressistas ultraconservadores, e que ataca as famílias brasileiras que mais precisam das ações e de políticas públicas.

Uma maioria que, lado a lado com Temer, faz valer a gestão do Estado mínimo, que degrada a vida do homem simples do campo e da cidade, reduz o espaço da produção agrícola familiar e sepulta os sonhos e esperança dos mais humildes, sem direito à moradia e à alimentação, invariavelmente relegado à pobreza, e pela voracidade do atual governo, ainda cada vez mais distante da aposentadoria. É a hora do basta! É hora de repactuarmos o futuro do nosso país. E só conseguiremos fazer isso com a chancela do povo e o exercício da democracia.

Em 1983, em meio à ditadura militar, o movimento popular “Diretas Já” ganhou as ruas e se transformou num marco da reabertura política do Brasil. Agora, com o golpe escancarado e uma crise institucional sem precedentes, graças o plano do atual governo, baseado em reformas que sangram os trabalhadores e trabalhadoras para atender aos interesses de grandes empresas e conglomerados, além do capital internacional, temos a oportunidade de fazer parte da história. E é com a força do povo nas ruas que vamos fazer emergir um novo Brasil, que seja capaz de partilhar suas riquezas entre todos os brasileiros.

Ainda que o Brasil esteja vivendo um clima de gestos suspeitos, com a instabilidade e imparcialidade das autoridades representativas das mais importantes instituições, a nenhum de nós é dado o direito de desprezar os ensinamentos do Marquês de Maricá: “Somos muito francos em confessar e condenar nossos pequenos defeitos, contanto que possamos salvar e deixar passar, sem reparo, os mais graves e menos defensáveis”.

O que vale dizer como lição de casa, inadiável e urgente: precisamos ir às ruas, já, contra a corrupção, pela renúncia de Temer e pela convocação de novas eleições diretas. Um novo golpe, dentro do golpe, jamais: é a hora do povo, para um governo do povo, pelo povo, com Diretas Já!

Ana Perugini
é deputada federal do Partido dos Trabalhadores pelo Estado de São Paulo