Por Evandro Coggo

roberto parizoti cutAs controvérsias em relação às investigações do ex-presidente Lula ganharam ares de espetáculo midiático e despertaram intensos debates – e embates – nas ruas e na internet. Analiticamente, é possível resumir as três principais posições políticas que se configuram:

A primeira posição é a de defesa incondicional da inocência do ex-presidente. Essa posição se baseia na argumentação de que há um movimento mais agressivo – ou golpe – por parte de setores do legislativo, do judiciário, da grande mídia e da elite burguesa para colocar no chão a legitimidade de um governo de esquerda e, assim, tomar o poder. O princípio argumentativo que embasa tal posição é o de que os processos jurídicos não são neutros e obedecem, também, a diversos interesses políticos. Com efeito, tal posição é frequentemente defendida por partidários e simpáticos ao Partido dos Trabalhadores que acreditam na inocência de Lula ou por aqueles que consideram os avanços sociais recentes e temem a volta de governos reacionários e privatizantes. Porém, este argumento ignora que, de fato, ações ilícitas possam ter ocorrido.

A segunda posição é a de defesa incondicional do processo de investigação e julgamento. Porém, esta posição vem acompanhada de uma espécie de culpabilização prévia. Em outras palavras, diversos indivíduos ou grupos, a despeito do processo de julgamento, utilizam os fatos ou notícias para celebrar e generalizar uma possível derrocada de todo um governo corrupto petista. A base deste tipo de argumentação é motivada pela crença de que os processos judiciários são neutros e apenas cumprem seu papel de justiça. Não há possibilidade, segundo esta lógica, de interferência midiática ou de setores da elite política e econômica no processo. Ao que parece, este tipo de argumentação parece desconsiderar que, de fato, interesses políticos e ideológicos interferem em todos os processos políticos e econômicos da nossa sociedade. Com efeito, grupos oposicionistas, com destaque ao PSDB e seus simpatizantes, utilizam de uma espécie de ingenuidade intencional seletiva – pois querem fazer crer na neutralidade do processo investigativo mas sabem que esta neutralidade não existe – para atacar o PT e assim se beneficiar do processo.

A terceira posição escapa do embate entre as duas primeiras e se posiciona a favor do processo de julgamento, mas pondera a grande seletividade por parte da mídia e de diversos atores com poder político e econômico em atacar somente o PT e acobertar casos de corrupção de outros grupos políticos. Esta posição é embasada em dois pressupostos: os processos judiciários que estão investigando o ex-presidente, apesar de não serem neutros, apresentam bases legais e racionais; a mídia e os partidos oposicionistas são cínicos, ou seja, utilizam a grande exposição de um escândalo midiático para, além da tentativa de minar a legitimidade do PT e de seus líderes, acobertar as próprias entranhas podres que possuem. Esta opinião é frequentemente proferida por uma oposição mais à esquerda que considera que este movimento agressivo por parte dos grupos de oposição é um resultado lógico derivado das políticas de concessão e das alianças espúrias que o PT realizara em troca de governabilidade. Nesse sentido, o partido, ao aderir ao financiamento privado de campanha, por exemplo, estaria se entregando ao mesmo jogo sujo dos demais partidos. A grande crítica que esta posição sofre, por parte daqueles favoráveis ao PT, ao menos neste caso, é de que uma parte da esquerda estaria, ao não aderir as campanhas favoráveis a Lula, fortalecendo as práticas de oposição e as posições reacionárias.

Apesar das simplificações necessárias para que uma descrição e análise pudessem ser feitas em poucas linhas, acreditamos que o debate posto gira em torno destas posições mas que possuem especificidades e diferenças em cada tipo de posicionamento.

De fato, é inegável o excesso de exposição a casos de investigação em que os alvos são os membros do PT. Assim, é difícil defender a tese de que não há influências políticas, ao menos midiáticas, pois os processos de investigação que envolvem outros partidos são muito menos noticiados ou alardeados. Este fato poderia ter duas explicações: 1- o partido dos trabalhadores é muito mais corrupto do que os outros; 2- há grande seletividade, por parte da mídia, em focar em determinados casos em detrimento de outros. Ao que parece, a primeira hipótese, além de ingênua, é facilmente refutável.

Assim, parece razoável concluir que as críticas à corrupção do PT que tem como origem os grupos também corruptos (mídia, partidos de oposição – notadamente PSDB e coligados) são apenas esforços cínicos e hipócritas em busca de benefício próprio. É possível concluir, também, que os indivíduos, apesar de aparentemente neutros e apartidários, que culpabilizam apenas o PT e evidenciam demasiadamente os casos do partido e ignorando outros casos, são também são hipócritas, pois é preciso justificar a indignação seletiva quando se posiciona politicamente.

Por outro lado, o Partido dos Trabalhadores abandonou sua base ideológica em busca de governabilidade e aderiu a um sistema político, já bastante sujo, conduzido por uma elite política e econômica que parasitou e ainda parasita o país. Nesse processo, as concessões e as negociações parecem ter transformado o partido radicalmente. Assim, operando do mesmo modo que os outros partidos, o PT se distanciou da esquerda para se tornar centro. Com efeito, parece que o partido se acostumou a viver em um ninho de cobras quando, ele mesmo, se tornou uma cobra dentro do ninho.

Em conclusão, destacam-se dois pontos: o episódio demonstra o esgotamento de um sistema político decadente, onde os atores demonstram todo potencial de cinismo, hipocrisia e demagogia de que são capazes para tomar o poder ou se manter nele; é preciso radicalizar, de fato, as pospostas mais à esquerda do debate político se desejamos trocar as engrenagens e melhorar a vida dos cidadãos do país.