O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, nesta quarta-feira (28), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5529, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra dispositivo da Lei de Patentes (Lei 9.279/1996) que causa prejuízo para a população, para os governos e para a indústria nacional de medicamentos.

(imagem national cancer institute – ul)

A decisão do STF afeta diretamente o preço e a disponibilidade de fármacos – inclusive daqueles utilizados no tratamento de sintomas de pacientes vítimas da covid-19. É o caso do anticoagulante Rivaroxabana, recomendado pela OMS para tratar sintomas do novo coronavírus, que está escasso no mercado. Com a derrubada da ampliação da exclusividade de produção, pelo menos oito novos laboratórios, já autorizados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), poderiam oferecer o medicamento entre 15 e 90 dias – diminuindo drasticamente o preço e garantindo a possibilidade de falta de estoques para hospitais.

O anti-inflamatório Tocilizumabe, eficaz para casos graves de Covi-19, também poderia ser produzido, pois a sua fórmula já é de domínio público desde 2017 em vários países. Porém, com a extensão das patentes em desacordo com normas mundiais dos medicamentos, seu uso é restrito no Brasil até 2023.

O atual monopólio desses medicamentos é possível graças ao parágrafo único do Artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI) – que permite a extensão do prazo de patentes por até 10 anos, contrariando a Constituição Federal e práticas internacionais. “Este trecho da LPI é o que chamo de jabuticaba: só existe no Brasil e ninguém sabe como chegou aqui. Existem acordos internacionais para que a vigência das patentes seja de até 20 anos, mas o Brasil ainda permite este absurdo”, afirma o médico sanitarista Gonzalo Vecina, ex-diretor da Anvisa e porta-voz do Movimento Medicamento Acessível.

Em manifestação encaminhada ao STF, o Ministério da Saúde se posicionou a favor do fim da extensão de patentes e declarou que a decisão impacta diretamente na sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS). O documento concorda com a posição do ministro do Supremo e relator da ADI, Dias Toffoli – que já concedeu liminar suspendendo os efeitos da atual legislação. Porém, a suspensão é válida apenas para as requeridas após a concessão da liminar.

Apesar da posição do Ministério da Saúde e dos prejuízos que causa ao SUS, o advogado-geral da União do governo Bolsonaro, André Mendonça, atuou contra o próprio governo, a população e a indústria nacional. A inconstitucionalidade beneficia o país com a segurança jurídica da não extrapolação das patentes, beneficia o governo com redução significativa de gastos do SUS e beneficiaria a indústria e o emprego. Pelo contrário, Mendonça disse que não há, na norma, violação a postulados constitucionais. Na sua avaliação afinada com o lobby interessado no prolongamento das patentes, a revogação do dispositivo “causaria insegurança jurídica”, caso seja adotada com efeitos retroativos, e afetaria de forma prejudicial diversos setores tecnológicos, como os de telecomunicações, mecânica, micro e pequenas empresas, empreendedores individuais e universidades. A afirmação sobre ser prejudicial a micro e pequenas empresas é fantasioso diante dos reais interesses. São megacorporações mundiais que estão interessadas na medida.

Na ação, a PGR argumenta que o parágrafo único do artigo 40 da norma, ao invés de promover condução célere e eficiente dos processos administrativos, admite e, de certa forma, estimula o prolongamento exacerbado do exame de pedido de patente.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, no julgamento, sustentou que a possibilidade de a patente vigorar por prazo indeterminado viola o artigo 5º, inciso XXIX, da Constituição Federal, segundo o qual a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização. Segundo ele, a Constituição não define o tempo de exclusividade, mas impõe que seja estabelecido tempo certo, definido e previsível, sob pena de prejudicar a inovação tecnológica e o desenvolvimento socioeconômico, em flagrante prejuízo ao mercado nacional.

Ao se manifestar pela quebra imediata de patentes de produtos farmacêuticos e materiais de saúde que violam os prazos das patentes, especialmente os eficazes no enfrentamento da pandemia, Aras afirmou que o direito à razoável duração do processo é da própria sociedade.

O lobby contra a quebra de patentes chegou a publicar material disfarçado nos principais jornais ao custo de R$ 1,5 milhão para manter os privilégios que prejudicam a população nas regras das patentes, conforme mostrou o Intercept (Iink). Isso mostra como a grande mídia pode se beneficiar financeira mente ao prejudicar a própria população do país.

Os interessados que defenderam a improcedência da ação e manter os privilégios prolongados das pantentes mostram argumentos subjetivos e pouco críveis. A Associação das Empresas de Biotecnologia na Agricultura e Agroindústria, Liliane Roriz de Almeida, afirmou que declarar a regra inconstitucional é importar insegurança jurídica para os sistemas de patentes. Pelo contrário, a regra atual é que dá insegurança jurídica.

No mesmo sentido, a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), representada por Luiz Henrique do Amaral, afirmou que a inconstitucionalidade afetaria a economia brasileira, pois atingiria a indústria e o desenvolvimento do país. Outra argumentação totalmente invertida. Pelo contrário, a melhoraria a competitividade e o ambiente da indústria no Brasil.

Para o advogado da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Gustavo Morais, não há desabastecimento de nenhum medicamento contra a Covid-19 em razão do artigo questionado. Essa é outra informação que não procede, segundo o Movimento Medicamento Acessível.

Victor Santos Rufino, da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), destacou que existe um universo de patentes e um microssistema estável que funciona muito bem no país. Em sua opinião, não há justificativa para dizer que a lei é inconstitucional. Outra argumentação totalmente sem fundamentação jurídica e apenas ideológica.

Em nome da Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial, o advogado Marcelo Martins afirmou que não é razoável esperar até 11 anos para a conclusão de um processo administrativo que envolve tecnologia de ponta. A seu ver, a ação deve ser julgada totalmente improcedente. Esse argumento, assim como outros também expostos na quarta-feria nada tem a ver com a constitucionalidade.

No polo contrário, o advogado Allan Rossi, em nome da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, defendeu a inconstitucionalidade da norma, em nome de um “sistema mais justo, equitativo e transparente”.

A Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina), representada pelo advogado Pedro Barbosa, sustentou que as patentes, no Brasil, têm a data postergada de forma natural, e uma das consequências disso é não se saber quando o concorrente poderá ingressar no mercado. Ele pediu, também, a inconstitucionalidade integral do dispositivo questionado.

Em nome do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual (IBPI), o advogado Felipe Santa Cruz afirmou que a extensão do prazo de patentes é indevida e causa impacto ao Sistema Único de Saúde (SUS), que tem 20% de suas despesas com a compra de medicamentos.

Em nome do Grupo FarmaBrasil e da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (PróGenéricos), Marcus Vinícius Furtado Coelho ressaltou que afastar a extensão patentária com prazo incerto é um dever constitucional, além de uma exigência ética e inafastável, principalmente no período de pandemia. (Com informações do STF e divulgação)