Patrimônio

.Por Padre Nilo Oliveira.

As “audições” da Comissão Especial de Estudos (CEE) dos Moradores de Rua promovida pelos vereadores Luiz Carlos Rossini (PV) e Marcos Bernadelli (PSDB), escutou na última segunda-feira (07/05) as entidades, os movimentos sociais, as igrejas, as organizações não governamentais e os voluntários que fazem distribuição de comida à população em situação de rua no município de Campinas. Escrevo “audições”, entre aspas, pois, a agenda programada pela Comissão, não ouviu ainda quem realmente se verá afetado pelos estudos dela: os moradores de rua.

Tenho acompanhado, com atenção, cada uma dessas reuniões. Nessa última, a 5º da Comissão Especial de Estudos, estive presente para também dizer o meu sermão. E disse. Disse, entre outras coisas, que a Casa da Cidadania, desde 2015, na Vila Industrial, muito embora seja referenciada pelo município como um dos serviços oferecidos pela Prefeitura no atendimento a moradores de rua, não tem oferecido aquilo para qual foi criada: CIDADANIA.

Ao sentar-se no meio-fio da rua, bem ao lado de um desses usuários invisíveis, bastam dez minutos para ouvir reclamações, tais como a falta de chuveiros, a intimidação dos seguranças, a burocracia, a comida azeda, etc. No entanto, ainda há quem indique que se deva centralizar a distribuição de comida na referida Casa. Esta é a lamentável indicação do Vereador Bernadelli.

Nessa reunião de segunda-feira também ouvi algo inusitado, para não dizer, equivocado: O uso errado da palavra “patrimônio” numa reunião com entidades que atuam junto de pessoas vulneradas pelo poder público. Naturalmente, quando algum valor material está em jogo numa determinada situação, ninguém duvida sobre a necessidade de uma ação, pois tudo é permitido para evitar a perda material. Acontece que, na reunião da Comissão de Estudos dos Moradores de Rua, apenas confirmei o que já deduzia: patrimônio material não são os moradores de rua, as pessoas, mas a praça, a igreja, a rua, etc. Talvez isso só confirme o que já se escutou da vice-presidente da Associação Comercial de Campinas (ACIC), Adriana Flosi, na própria Comissão: Os “moradores de ruas atrapalham o comércio”. Verdade seja dita que, tanto atrapalham, que o própria ACIC registrou em seu site que as vendas para a Páscoa cresceram 3,2% neste ano.

Enfim, para mim, a reunião da Comissão Especial de Estudos feita com as entidades, os movimentos sociais, as igrejas, as organizações não governamentais e os voluntários que fazem distribuição de comida à população em situação de rua em Campinas, evidencia que quem está mesmo preocupado com os moradores de rua – um dos muitos patrimônios invisíveis aos olhos da nossa cidade – é quem convive dia a dia com eles, quem sabe o nome, pega na mão sem asco e os quer como um cidadão entre outros cidadãos, em suma, quem tem real proximidade amorosa com eles. Não é quem, em nome de praça, igreja, rua e comércio quer tirar dos olhos quem nos incomoda, numa espécie de higienismo travestido de cidadania.

À título de sugestão, reitero, outra vez mais, o que propus na reunião de segunda-feira: Olhem a rua da perspectiva dos moradores de rua, escutem sua voz, perguntem seu nome, comam com eles, pois o pão dividido na rua tem gosto de amor.

Finalmente, se patrimônio for sinônimo de tesouro, a frase do Diácono Lourenço, no século III, continua muito atual: “O grande tesouro da Igreja são os pobres”.