(foto monica andrade – gov sp)

O governo de São Paulo, chefiado pelo extremista Tarcísio de Freitas (Republicanos), decidiu alterar drasticamente o uso de câmeras corporais acopladas a uniformes de policiais. O sistema atual, que prevê a gravação de imagens pelos dispositivos de maneira ininterrupta, será substituído por outro, cujas câmeras só começarão a fazer os registros após serem acionadas por agentes policiais. É uma espécie de ‘licença para matar pobre’, visto que pode eliminar toda prova contra possíveis ações ilegais da polícia e é usada basicamente contra população nas comunidades pobres. A medida pune os bons policiais porque beneficia a banda que age ilegalmente.

A agressiva decisão do governador de extrema direita acontece após uma série de mortes em operações na baixada santista no final do ano passado e início do ano em que a Secretaria de Segurança de São Paulo foi acusada e está sendo investigada por execuções sumárias de inocentes e suspeitos, além das mortes de inocentes durante as ações.

A decisão de Tarcísio ocorre também depois da revelação de que o Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, foi investigado por 16 homicídios ocorridos durante operações policiais das quais participou. Reportagem da revista Piauí  foi publicada no dia 03 de maio com base em dados a partir da certidão criminal de Derrite, apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante sua candidatura a deputado federal. Até hoje o governador não demitiu o secretário.

As câmeras que serão adotadas a partir do novo edital só começarão a realizar a gravação depois de serem acionados localmente (pelo próprio policial) ou remotamente (pelo Centro de Operações da Polícia Militar, o Copom), caso a central perceba que o agente na rua não cumpriu o protocolo para iniciar o registro das imagens.

Em entrevista ao Brasil de Fato, a pesquisadora Bianca Lombarde, integrante do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e doutoranda em Sociologia na mesma universidade, classifica a medida como um retrocesso, já que estudos mostram que a gravação ininterrupta é a forma mais eficaz de utilização da câmera.

“Isso traz uma série de malefícios em relação ao projeto das câmeras e, principalmente, pensando na análise de discurso do próprio governador, que cita como um ‘crescimento’ no projeto de câmeras, quando na verdade é um retrocesso”, pontua.

Em nota oficial, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) afirmou que o edital foi pensado a partir de experiências registradas em outros países, e que foi identificado que os equipamentos de gravação ininterrupta têm problemas de autonomia de bateria e maior custo para armazenamento das imagens.

Ainda segundo a SSP, o Copom “será obrigado a verificar se o equipamento foi acionado ou não pelo policial” ao despachar uma ocorrência ou ser notificada por uma equipe para, se for o caso, fazer o acionamento remoto. A Secretaria garante que policiais que não cumprirem o protocolo serão responsabilizados.

O edital publicado nesta semana prevê a devolução das câmeras atuais, que fazem a gravação ininterrupta, à empresa que venceu a licitação vigente. Elas deixarão de ser usadas assim que as novas câmeras, que demandam acionamento para início da gravação, chegarem ao estado.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 2019 e 2022 houve queda de 76% nos casos de mortes decorrentes de intervenção policial entre os integrantes de unidades que usaram câmeras nos uniformes no estado de São Paulo. Mesmo assim, Tarcísio de Freitas nunca escondeu a falta de apreço pelo sistema.

Ainda quando estava em campanha eleitoral, em 2022, ele prometeu que encerraria o projeto, lançado no ano anterior em meio a um momento de alta na violência policial. Dias após assumir o cargo, recuou e disse que manteria as câmeras.

Entre avanços e recuos, o governador e seu secretário de segurança foram acusados de patrocinar um “desmonte” do programa, nas palavras do advogado Gabriel Sampaio, diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos.

O tema foi parar no Judiciário. Em meio a denúncias de torturas e execuções sumárias durante a Operação Escudo, na Baixada Santista, a Conectas e a Defensoria Pública do estado acionaram o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) propondo a obrigatoriedade do uso dos equipamentos, mas o pedido foi negado. O debate foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF).

Já em 2024, o projeto passou por um corte orçamentário de pelo menos R$ 37 milhões em São Paulo. Em audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo, o secretário Guilherme Derrite voltou a deixar claro o posicionamento do governo sobre o tema, dizendo que o uso das câmeras “inibiu a atividade policial”.

Bianca Lombarde lembra que outros estados avançam no debate atualmente, e que São Paulo, com essa medida, vai na contramão. Para ela, a medida deixa dúvidas sobre o real objetivo do projeto, que é oneroso para o orçamento público.

“Como era um assunto custoso para ele [Tarcísio] politicamente, já que esse projeto tem aprovação popular grande, ele acabou voltando atrás. Aparentemente, existia, na verdade, um planejamento [por parte do governo]: ‘já que não vamos tirar as câmeras, vamos torná-las inúteis'”, avaliou. (Com informações do BdF)