No meio dessa confusão toda da ascensão da extrema direita no Brasil e no mundo, movimento que parece um retrocesso de pelo menos um século, há um novo movimento surgindo no subsolo. É como se as placas tectônicas da esquerda estivessem se movimentando lentamente. Se a extrema direita deturpou Gramsci e invadiu o espaço da superestrutura, onde a esquerda tinha mais força, talvez seja a hora de invadir o espaço em que a extrema direita controla, ou seja, a infraestrutura. É possível que esteja ocorrendo no mundo um movimento de disputa dos modos de produção pela esquerda, independente do Estado, algo que deveria já ter ocorrido há tempo para melhorar as condições de vida da população. É certo que isso é um tabu para os esquerdistas, traz inúmeros problemas, mas as grandes mudanças históricas só ocorrem quebrando tabus. E já se tem até propostas de transformação da própria ideia de empresa.
Veja abaixo reportagem sobre o tema e links de posts debatendo essa questão:
Por Claudia Motta -RBA
Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai até Maomé. Incursões da esquerda no mercado financeiro, dominado pelo capitalismo essencialmente de direita, mostram que é possível fazer o sistema virar a favor da produção. E não da acumulação, como é via de regra.
Uma operação financeira promovida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) conseguiu captar mais de R$ 17,5 milhões em recursos que serão destinados ao financiamento da produção de alimentos agroecológicos, em áreas da reforma agrária. Mas não seria incoerência o combativo MST ingressar no mundo das finanças? “Incoerência é o contrário”, rebate o agricultor Daniel Mancio, do setor de Produção do MST no Espírito Santo.
“Os créditos, sejam para investimentos, para capital de giro ou custeio, são fundamentais como alavancas necessárias para esse processo de organização. Sem eles continuamos produzindo, mas transferindo valor para atravessadores e comerciantes. Perdemos nossos produtos que se dissipam sem nossa identidade e de nossas lutas”, afirma, explicando a atuação do grupo de esquerda nesse mercado. “O MST decidiu buscar, através de parcerias, condições melhores para financiamento da produção de alimentos saudáveis. Ao mesmo tempo, buscamos parcerias com pessoas que querem investir nesses projetos que são econômicos, mas que também devolvem politicamente um grande resultado: inclusão social, respeito à natureza. Pessoas que independentemente da quantidade que investem querem saber o que está sendo feito com seu dinheiro.”
Doação do lucro
A questão social também está na origem do LeftBank. O banco de esquerda, criado em dezembro do ano passado, tem entre seus idealizadores o ex-metalúrgico e ex-deputado federal do PT, Marco Maia. Nesse um ano já cresceu 1.000% ou 5% ao dia.
E pretende ir além, com a criação do Instituto LeftBank. “O instituto vai receber 20% do lucro do banco para investir, direcionar para ações sociais, organizações e movimentos diversos que trabalhem em projetos de transformação social. E está saindo do forno nos próximos dias.”
Transformação social
É essa atuação transformadora que o MST busca também no seu projeto. Os R$ 17,5 milhões captados em setembro pelo programa de Financiamento Popular da Agricultura Familiar, o Finapop, beneficiarão a produção de sete cooperativas e mais de 13 mil famílias assentadas.
“O MST é um movimento popular que tem uma base social muito grande. São cerca de 90 mil famílias acampadas e 450 mil assentadas que ao longo de quase 40 anos vêm conquistando terras e colocando essas terras para produzir não só alimentos para subsistência, mas dando função social a estas terras e produzindo alimentos saudáveis para a sociedade”, relata Daniel Mancio.
“Ao longo destes anos organizamos a produção, organizamos nossas cooperativas e muitos desafios superamos e muitos outros se manifestam a cada dia. Um destes é como dar passos na organização da produção numa perspectiva da agroecologia, da cooperação e mantendo a consciência de um projeto de transformação social necessário. Como agregar valor e fazer estes valores serem distribuídos e se manifestar na qualidade de vida das famílias que produzem? Estes desafios são reais e necessitam de respostas”, diz, defendendo a ação no mercado financeiro, independente do governo de plantão, seja ele de esquerda ou de direita. “A pauta com os governos sobre o papel das políticas públicas permanece e vamos manter e buscar isso como um direito nosso e um dever do estado. São questões que se relacionam, e não são diretamente excludentes.”
Geração de renda
Além de atuar no mercado financeiro, o banco de esquerda, conta Marco Maia, está avançando em outras iniciativas com o objetivo de atuar no sentido da transformação social. Lançado há um mês, o AmigosLeft pretende ajudar a criar renda para quem abraçar o projeto. O ex-deputado petista ressalta que a ideia surgiu com o agravamento da crise social “nesse período de pandemia, quando o desemprego disparou e a fome voltou a ser um problema muito grave no Brasil”.
Com a transparência e simplicidade nas operações, marcas que o banco de esquerda quer gravar, o facilitador ou facilitadora que quiser atuar no AmigosLeft poderá usar as redes sociais, aplicativos de mensagens, a conversa com amigos para difundir produtos e serviços do banco de esquerda. “E a cada venda feita, receberão uma comissão justa. Com isso, apoiamos a geração de renda extra. O tamanho do complemento dependerá do desempenho de cada facilitador, assim em alguns casos, poderá ser até a renda principal de uma família.”
O objetivo, revela Maia, é ter “o mais rápido possível” amigos e amigas Left em todas as regiões do país, “criando oportunidades imediatamente a grupos vulneráveis e minoritários”.
Reconhecimento
Essa marca da solidariedade é um diferencial do MST. Desde o início da pandemia, o movimento já doou mais de 5 mil toneladas de alimentos saudáveis e 1 milhão de marmitas aos necessitados. Agora, lançou uma campanha de cestas para o Natal que vai contar inclusive com a participação de famosos como Xuxa e Felipe Neto. O “outro lado” finalmente compreendeu o papel do MST e a importância da agricultura familiar sustentável?
Para Daniel Mancio, parte da sociedade conhece o MST, sua produção e compreende o papel que desempenha na sociedade. “Esse processo é histórico. A agricultura camponesa em geral cumpre um papel fundamental, e sem dúvidas em momentos como os que passamos isso se torna mais presente, mais claro. A solidariedade é uma virtude que inunda corações e apresenta um projeto de sociedade que acreditamos”, afirma.
“E junto com esta campanha de solidariedade, estamos plantando árvores e buscando ter isso enquanto a demonstração de nosso projeto de campo e de sociedade. Acreditamos que cada passo como esse vai acrescentando e trazendo a sociedade para refletir sobre qual modelo de sociedade queremos. E muitos querem uma sociedade onde possamos ter mais equidade, mais solidariedade, alimentos produzidos com respeito à vida.”
Para todos
A fronteira cruzada pelo MST e pelo LeftBank subverte a ordem imposta pelo mercado ao incluir, ampliar o acesso à alimentação saudável, a recursos para transformar a sociedade e chegar ao cada vez mais distante Brasil para todos.
Se essa alimentação saudável é mais cara e o caminho é longo, ele se faz ao caminhar. “A agroecologia é um processo em longa construção. Muito já foi realizado e há muito que realizar. O projeto do capital teve muito dinheiro, pesquisa, assistência, créditos para ser implementado e criar uma lógica que exclui o projeto da produção de alimentos saudáveis como modelo de agricultura”, defende o integrante do MST Daniel Mancio. “Essa produção à disposição de todos e todas só é possível com reforma agrária massiva, políticas públicas e apoio da sociedade. Temos nosso papel como agricultores e agricultoras, mas sabemos que sozinhos não daremos conta. Por isso, convocar a sociedade para refletir e construir esse caminho é fundamental.”
Com uma plataforma tecnológica de fácil acesso e operação, serviços com taxas populares, “bem mais em conta que o mercado tradicional”, Marco Maia acredita que o LetfBank também esteja fazendo a diferença nessa outra sociedade que a esquerda quer construir.
“Estamos trabalhando com muito afinco para lançar o mais breve possível uma linha de microcrédito para pequenos empreendedores. Eles podem ser do campo, da cidade, do MST ou de qualquer outra ação social”, compara. “A gente se preocupa com o fomento, o incentivo aos pequenos negócios e empreendimentos que enfrentam uma dificuldade enorme na hora de pedir um empréstimo, para ter acesso a crédito de forma fácil, justa e coerente com o tamanho do seu empreendimento. Queremos ajudar esses empreendedores que fazem a diferença social, geram emprego e renda nos locais onde estão.”
Para fazer parte
O sucesso da operação do MST no mercado financeiro deve render novos frutos. Os agenciadores da captação de recursos, o economista Eduardo Moreira e o executivo João Paulo Pacífico, CEO do Grupo Gaia, afirmam que existe a expectativa de novos investimentos. “Uma operação que teve 5 mil pessoas abrindo conta, interessadas em investir, e só 1.500 pessoas conseguiram investir. A corretora deve ter ficado sem conseguir atender todas as pessoas que pediram as contas”, disse Eduardo Moreira em entrevista ao MST. “Então, acredito que possa haver aí ao longo do próximo ano, ao longo dos próximos 12 meses, uma próxima operação dessa.”
Mercado de capitais e mudanças sociais. Que mundo financiar?
Já o LeftBank, que conta hoje com uma base de cerca de 12 mil clientes em todos os estados do Brasil, oferece via aplicativo produtos e serviços bancários, planos de assistência veicular, de telefonia móvel e seguros com preços competitivos e justos. O banco de esquerda é totalmente digital e quer atender os cerca 45 milhões de brasileiros desbancarizados, “negligenciados pelo sistema financeiro tradicional”. Grande parte, avalia o grupo, são pessoas físicas, pequenos empreendedores e autônomos das classes C e D. Um público que, segundo informa o LeftBank, movimenta parte significativa do PIB brasileiro: mais de R$ 800 bilhões por ano.
“O nosso objetivo é oferecer, a todos, sem distinção e com preços populares, produtos e serviços financeiros. Por isso montamos uma plataforma 100% online, ágil e eficiente”, afirma Marco Maia, avalizando. “Eu mesmo só opero com o Left. E não tenho dificuldade nenhuma. Ao contrário, é mais simples, rápido e as taxas são muito menores. Não tem assinatura de conta, o PIX pessoa física é gratuito, o TED é a metade do preço de outros bancos, por exemplo.”
Serviços do LeftBank
O banco de esquerda só não opera no mercado na área de empréstimos. “Mas vamos começar em breve, já estamos com o processo pronto”, diz Maia. Segundo ele, é possível receber aposentadoria via LeftBank e até mesmo processar a folha de pagamento de empresas e outras organizações que pagam salários, como estabelecimentos comerciais sindicatos e ONGs.
O grupo ainda conta com planos de telefonia celular (na modalidade MVNO – Mobile Virtual Network Operator) flexíveis, sem fidelidade, com WhatsApp ilimitado e Internet que acumula se não usada a partir de R$ 49,99 por mês. Oferece ainda alguns modelos de seguro para veículos. E também, em breve, o banco de esquerda ingressará na área de seguros de vida e de celular. (Da RBA)
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