
A vereadora Mariana Conti (PSOL) protocolou na Câmara de Campinas um projeto de lei que proíbe qualquer homenagem pela Administração direta ou indireta do município a escravocratas e prevê a retirada de monumentos públicos de pessoas ou grupos que mantinham pessoas escravizadas ou defendiam a escravidão.
A proposta, segundo a vereadora, é uma reparação histórica e moral, fundamental para o reconhecimento de injustiças cometidas contra a população negra ao longo da história. “A escravidão no Brasil durou mais de 300 anos e foi responsável por uma das mais cruéis formas de exploração humana, em que milhões de africanos foram trazidos à força, sendo tratados como mercadoria, privados de sua liberdade, dignidade e direitos”, destaca.
O PL inclui ainda a proibição de dar a prédios públicos, ruas, avenidas, praças e rodovias municipais o nome de pessoas relacionadas à prática ou defesa da escravidão e a instalação de estátuas, bustos, obeliscos e memoriais.
“Os logradouros, prédios municipais e rodovias municipais que já gozam de homenagens a escravocratas ou a eventos históricos ligados a escravidão poderão ser renomeados pelo Executivo. Já os monumentos deverão ser retirados e armazenados nos museus municipais, onde serão identificados com informações referentes ao período escravista”, propõe Mariana no projeto.
Em defesa da proposta, a parlamentar cita a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), criada em 2014 para resgatar a história e responsabilidades da exploração do trabalho escravo, e que ressaltou a necessidade de reconhecer a escravidão como um crime contra a humanidade e do poder público rever ações exaltando esse período.
“A reparação moral é um direito. Devolver ao povo negro o seu valor humano e a dignidade que foram negados durante séculos de escravização e opressão”, afirma. “É o reconhecimento do sofrimento e da dor causados e suas consequências diretas e indiretas para as gerações subsequentes de negros”.
Escravidão na cidade
O Brasil foi o último país da América Latina e um dos últimos do mundo a abolir a escravidão, em 1888. De acordo com artigo da pesquisadora Joice Oliveira publicado no portal do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas (IHGG-Campinas), a cidade foi uma das que mais receberam escravizados para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar e posteriormente de café, mesmo depois da aprovação da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, que proibia o tráfico entre África e Brasil, dando força ao mercado humano interno.

“A população cativa saltou de 8.190 indivíduos registrada no censo de 1854 para 14.028 pessoas, a maior população cativa da província de São Paulo registrada na primeira matrícula nacional de escravos realizada em 1872”, escreveu. Esse número, ressalvou, citando o historiador Robert Slenes, pode ser ainda maior, já que o censo contabilizava principalmente escravizados em grandes propriedades.
O historiador Fernando Antônio Abrahão, também em artigo no IGGG-Campinas, afirma, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que, “em 1874, a população de Campinas formava-se de 31.397 habitantes, sendo 43,6% cativos; no Censo de 1886, apesar da proximidade com o fim da escravidão, 24,2% da população de 41.253 habitantes ainda viviam sob o regime de trabalho escravo”.
Exemplos de monumentos e homenagens a personalidades da cidade ligados ao escravagismo são muitos em Campinas. Um dos distritos de Campinas, Barão Geraldo, faz referência a Geraldo Ribeiro de Sousa Resende, dono da maior fazenda produtora de café do estado de São Paulo no século XIX e que usava a mão de obra escrava.

Em rede social, Mariana Conti destaca o busto de César Bierrenbach, também nome de rua na região central. “Pessoas escravizadas trabalhavam na fábrica de fundição da família Bierrenbach”, diz a legenda que acompanha a foto do monumento, instalado na Praça Bento Quirino, no Centro da cidade.
Para se tornar lei, o projeto precisa passar por comissões da Câmara, ser aprovado pelos vereadores em duas votações no plenário e sancionado pelo Executivo. A tramitação da proposta só terá início em fevereiro, após o recesso legislativo.