(foto: carlos bassan/prefeitura de campinas)
A ameaça às pesquisas desenvolvidas pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) diante da intenção do governo estadual de vender parte da Fazenda Santa Elisa, onde são realizadas, será debatida amanhã (30) na Câmara de Campinas. O debate é uma iniciativa da Comissão de Ciência e Tecnologia da Casa e será realizado a partir as 14h no plenário do Legislativo campineiro.
Segundo o presidente da comissão, Gustavo Petta (PCdoB), foram convidados representantes dos governos estadual e municipal, a diretoria do IAC e de entidades ligadas à defesa da ciência e de cientistas. “O IAC é um patrimônio de Campinas e também do Brasil. Vender essa área pode colocar em risco pesquisas de décadas sobre o café do nosso país, nosso maior produto”, afirma o vereador.
A possibilidade de venda tem mobilizado a comunidade científica e instituições ligadas à agricultura. A Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) ressalta a importância da Santa Elisa para o desenvolvimento da cultura do café não só no Brasil, mas internacionalmente.
De acordo com a APqC, a fazenda abriga 5 mil tipos de plantas de café, vários deles únicos ou em risco de extinção. Esse é considerado o maior banco genético do Brasil e um dos principais do mundo. A partir dessas amostras são realizadas pesquisas que tornam o café mais resistente a pragas e outros danos, e que possa ser plantado em condições climáticas desfavoráveis, como em regiões de muita seca.
Patrimônio nacional
As variedades de grãos desenvolvidas a partir desse banco representam 90% do café produzido no Brasil. “Esta fazenda experimental é um patrimônio incomensurável do Estado de São Paulo, que precisa ser defendida”, afirma Helena Dutra Lutgens, doutora em Ecologia e Recursos Naturais e presidente da APqC, em nota divulgada em reportagem do G1 e reproduzida no site da associação. Ela participará do debate na Câmara.
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), Tirso de Salles Meirelles, destaca ainda o alcance mundial das pesquisas realizadas pelo instituto. “O café da Colômbia, que é uma referência no mercado internacional, é fruto das pesquisas do IAC. O Instituto faz um trabalho grandioso, que precisa ser preservado”, diz no portal da entidade.
Em meados deste mês, a Faesp encaminhou um ofício ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pedindo a preservação da Santa Elisa como área de pesquisa do IAC. De acordo com a entidade, a venda teria impacto no desenvolvimento, na competitividade e sustentabilidade do café brasileiro, e decisões como essa devem considerar questões sociais, econômicas e ambientais, e não apenas financeiras.
Negacionismo desastroso
A Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Campinas (ADunicamp) também divulgou uma nota de repúdio e chamando a comunidade universitária a se manifestar. “Com a venda do IAC, Tarcísio nega a ciência, nega a economia, e – pasmem! – nega a relação entre ambas; nega também a histórica de um Estado e de um País cuja identidade se constitui em grande parte a partir da cultura do café”, diz a nota.
Em artigo publicado no site da entidade, a professora da Unicamp Regina Célia da Silva, criticou a medida: “O negacionismo do governador em relação à ciência e à emergência climática é desastroso. Inclusive para a economia. Será que seus apoiadores de primeira hora têm noção disso? Tarcísio irá saquear o mais importante centro de pesquisa do café do País”.
Diretora da ADunicamp e representante da entidade no Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema) de Campinas, Regina Célia destaca a importância histórica e atual da área para a pesquisa científica e também para o ambiente. “Constitui uma reserva preciosa que por si só deveria permanecer intocada para salvaguardar minimamente a qualidade do ar em uma cidade devastada pela especulação imobiliária, que avança sob as bênçãos da prefeitura sobre áreas de proteção”, afirma no artigo.
Impacto ambiental
“Em situação de emergência climática, um governo negacionista se desfaz de uma área verde para favorecer interesses privados; dá sinal verde para ‘passar a boiada’ em uma ação que terá um impacto devastador sobre o microclima de Campinas e consequentemente sobre a saúde e a segurança ambiental da sua população”, acrescenta.
A Fazenda Santa Elisa, de acordo com informações do instituto, foi incorporada ao IAC em 23 de fevereiro de 1898 para abrigar campos experimentais. Compreende 693 hectares, divididos em três áreas: agrícola (55%), usada para pesquisas e melhoria de sementes; urbanizada (10%), com sete centros de pesquisa e unidades de infraestrutura rodeados por bosques, gramados e coleções raras de plantas nativas e exóticas, e ambiental (35%), com matas, cerrados, várzeas, nascentes, córregos e represas. Segundo o IAC, o Ribeirão Quilombo, afluente do rio Piracicaba, nasce nessa área ambiental.