.Por Marcelo Sguassábia.
Cada tijolo conteria uma frase, cuja continuidade estaria no tijolo seguinte da fiada. Cada capítulo corresponderia a um cômodo da casa. As janelas e portas, com seus vãos abertos na alvenaria, seriam as divisões em parágrafos, os respiros de leitura ou reviravoltas da trama.
Deixaria instruções detalhadas, para quando chegasse a hora, sobre onde começar a escavação e resgatar com segurança o original, numa sequência lógica iniciada pelo prefácio – nos baldrames de alicerce, até chegar ao epílogo – no sótão. A remoção do reboco teria de ser feita com técnica e cuidado de arqueólogo, para que nenhuma palavra se perdesse e comprometesse o sentido da sentença. Sim, estava decidido. Escreveria o livro-casa. Ou construiria a casa-livro?
Uma obra meticulosamente pensada, de conteúdo e forma irrepreensíveis e atemporais, já que não permitiria uma edição revista e atualizada. Assim teria de ser, caso contrário nem começaria a empreitada.
Concluído o manuscrito em papel, na sua versão perfeita e definitiva, contrataria a produção cerâmica necessária. Teria de escrever sobre argila fresca, o que limitaria a produção a algumas dezenas de tijolos por dia. Trocaria a digitação no computador pelo trabalho artesanal na olaria.
O papel esfarelar e apodrecer, o notebook enguiçar, as nuvens de dados explodirem: tudo o que pudesse acontecer não atingiria a obra final e perfeita de sua vida, a salvo para sempre, a menos que houvesse demolição ou terremoto.
Começou. Mas em pouco tempo percebeu que o que julgava definitivo há três ou quatro dias, carecia na verdade de alguns reparos estilísticos, substituições de palavras, eliminações de advérbios e outros acertos. Isso implicava na destruição, a golpes de picareta, de metros e mais metros já rebocados e secos. E em pontos diversos da construção, dependendo do trecho que queria alterar. O cronograma da obra, previsto inicialmente para dois anos e meio, acabou se estendendo por dezessete anos e onze meses.
Quando, entretanto, chegou ao sótão, percebeu que o livro ainda estava inconclusivo. Por mais que aumentasse o tamanho desse último cômodo, mais o ponto final da trama se distanciava. Até que o sótão acabou por se tornar mais alto que a própria casa, criando um verdadeiro monstrengo arquitetônico. A solução seria erguer um “puxadinho”, que acomodasse os capítulos excedentes e não programados no projeto original. Concluído o “puxadinho”, ele partiu para uma edícula, depois para uma área de lazer com piscina, sauna, churrasqueira e forno para pizza. Um total de 1.348 metros quadrados de área construída, que armazenam em suas paredes um livro de 427 páginas. No momento, a obra aguarda liberação do “habite-se” na Prefeitura Municipal.