ebc-luis-roberto-barrosoO ministro do Supremo Tribunal Federa, Luís Roberto Barroso (foto), proferiu um voto histórico na terça-feira, 29, quando a primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que praticar aborto nos três primeiros meses da gestação não é crime. O ministro reconheceu que a criminalização do aborto atinge de maneira desproporcional as mulheres.

O voto de Barroso foi resumido em reportagem da revista Carta Capital: “Para Barroso, a criminalização do procedimento é incompatível com a autonomia da mulher, com seus direitos sexuais e reprodutivos, com a integridade física e psíquica da gestante e com o princípio da igualdade de gênero. O ministro afirmou, ainda, que os efeitos da criminalização do aborto atingem de maneira desproporcional as mulheres pobres.

Barroso ressaltou que não se trata de defender a disseminação do procedimento, mas de atuar para que seja “raro e seguro”. “O pressuposto do argumento aqui apresentado é que a mulher que se encontre diante desta decisão trágica – ninguém em sã consciência suporá que se faça um aborto por prazer ou diletantismo – não precisa que o Estado torne a sua vida ainda pior, processando-a criminalmente”, disse o ministro.

Veja os principais pontos do voto do ministro:

Autonomia da mulher

“Como pode o Estado – isto é, um delegado de polícia, um promotor de justiça ou um juiz de direito – impor a uma mulher, nas semanas iniciais da gestação, que a leve a termo, como se tratasse de um útero a serviço da sociedade, e não de uma pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade de ser, pensar e viver a própria vida?”

Integridade física e psíquica

“A integridade física é abalada porque é o corpo da mulher que sofrerá as transformações, riscos e consequências da gestação. Aquilo que pode ser uma bênção quando se cuide de uma gravidez desejada, transmuda-se em tormento quando indesejada.”

“A integridade psíquica, por sua vez, é afetada pela assunção de uma obrigação para toda a vida, exigindo renúncia, dedicação e comprometimento profundo com outro ser. Também aqui, o que seria uma bênção se decorresse de vontade própria, pode se transformar em provação quando decorra de uma imposição heterônoma. Ter um filho por determinação do direito penal constitui grave violação à integridade física e psíquica de uma mulher.”

Igualdade de gênero

“A histórica posição de subordinação das mulheres em relação aos homens institucionalizou a desigualdade socioeconômica entre os gêneros e promoveu visões excludentes, discriminatórias e estereotipadas da identidade feminina e do seu papel social. Há, por exemplo, uma visão idealizada em torno da experiência da maternidade, que, na prática, pode constituir um fardo para algumas mulheres.”

“Na medida em que é a mulher que suporta o ônus integral da gravidez, e que o homem não engravida, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não.”

Direitos sexuais e reprodutivos

“O direito das mulheres a uma vida sexual ativa e prazerosa, como se reconhece à condição masculina, ainda é objeto de tabus, discriminações e preconceitos. Parte dessas disfunções é fundamentada historicamente no papel que a natureza reservou às mulheres no processo reprodutivo. Mas justamente porque à mulher cabe o ônus da gravidez, sua vontade e seus direitos devem ser protegidos com maior intensidade.”

Discriminação social

“Por meio da criminalização, o Estado retira da mulher a possibilidade de submissão a um procedimento médico seguro. Não raro, mulheres pobres precisam recorrer a clínicas clandestinas sem qualquer infraestrutura médica ou a procedimentos precários e primitivos, que lhes oferecem elevados riscos de lesões, mutilações e óbito.”

Início da vida

“De um lado, [há] os que sustentam que existe vida desde a concepção, desde que o espermatozoide fecundou o óvulo, dando origem à multiplicação das células. De outro lado, estão os que sustentam que antes da formação do sistema nervoso central e da presença de rudimentos de consciência – o que geralmente se dá após o terceiro mês da gestação – não é possível ainda falar-se em vida em sentido pleno.”

“Não há solução jurídica para esta controvérsia. Ela dependerá sempre de uma escolha religiosa ou filosófica de cada um a respeito da vida. Porém, exista ou não vida a ser protegida, o que é fora de dúvida é que não há qualquer possibilidade de o embrião subsistir fora do útero materno nesta fase de sua formação. Ou seja: ele dependerá integralmente do corpo da mãe.” (veja texto integral)