(imagem – reprodução)

É comum ver e ouvir entre a população mais consciente politicamente expressões como “se o povo tivesse consciência de classe”, “o que falta é consciência de classe”, “o pobre de direita” etc. Apesar de ter sua função conscientizadora, essas frases carregam no fundo um idealismo negado pelo próprio marxismo. Elas expressam uma visão idílica do conceito de consciência de classe que na realidade é reproduzida e praticada pela esquerda que não consegue superar suas próprias contradições. Não se pretende aqui remontar discussões entre materialismo e idealismo, mas tentar entender um pouco do movimento fluido, instável e contraditório, diríamos dialético, entre as concepções materialistas e idealistas da consciência de classe no nosso cotidiano, na redes sociais, nos eventos festivos.

Quando a esquerda imagina ilusoriamente que um dia haveria um povo consciente socialmente dos interesses de sua classe sem alterar os modos de produção da realidade, ela está idealizando um paraíso (inclusive a partir do próprio materialismo histórico). A idealização é aventar a hipótese de que um dia imaginário todos os trabalhadores do mundo, não só entenderiam os conceitos de classe social, mas principalmente, aceitariam estar ao lado da sua própria condição social.

Mas a realidade é bem mais complexa e difícil. Estamos falando de um processo histórico (de longa duração), dialético e contraditório. Com isso, não basta só na tomada de consciência das relações do homem com a realidade, se nesse processo, as forças hegemônicas atuam de forma a reverter a própria consciência. E mais importante: todo esse processo complexo de consciência pode ser revertido em determinado momento da vida do indivíduo se a própria consciência não estiver amparada, arraigada e integrada a um processo não só consciente das condições de trabalho, mas também participativo da produção material da realidade.

Exemplificando apenas um simples aspecto: imaginamos um sujeito com consciência social e que toma atitudes a partir dessa consciência durante sua juventude. No entanto, devido a inúmeras questões que podem ocorrer na vida, durante digamos décadas, por exemplo, como desilusão afetiva, social, econômica, política, questões pessoais etc, ou o bombardeio por dominação simbólica e tantas outras transformações durante anos o podem fazer se distanciar da própria consciência social e de classe.

Esse é apenas um aspecto, de inúmeros processos do capitalismo e da própria história pessoal, que deixam o processo social inconstante e fluido, tornando de certa forma óbvio que a ideia de “consciência de classe” total e permanente, dentro do processo capitalista atual, não deixa de ser ilusória e enganadora. E esse movimento instável da consciência permite que partidos de opressores ganhem eleições com o voto dos próprios oprimidos.

É por isso que a ideia aqui presente da consciência de classe só pode ser forjada a partir de uma base material que permita ao trabalhador escapar do processo de alienação do trabalho. Não existe e não é possível uma consciência de classe pura, em que a população que continua num processo de trabalho alienante seja capaz de construir sua consciência dentro desse processo. Acreditar nessa capacidade ideal da consciência é o que se pode chamar de uma interpretação enganadora da riqueza filosófica marxista. Em última instância, não existe consciência de classe como gérmen transformador do processo social se não estiver engendrada na transformação material da produção.

Parece contraditório e intrigante, mas a consciência de classe adquirida por alguns trabalhadores dentro desse processo alienante só poderá ser ampliada para a massa trabalhadora invertendo a forma como ela se origina. E isso parece evidente dentro de um entendimento essencial do materialismo histórico e dialético.

Ou seja, a consciência de classe só pode ser construída, sem ilusões perdidas, a partir da transformação do processo de produção. Ou seja, o trabalhador precisa ser movido do processo de produção alienante e se inserir em um outro processo coletivo de produção material. Então, todo fundamento para o processo de consciência de classe não está na organização discursiva e simbólica das lideranças, por mais potência que possa ter, mas na construção material de um novo modo de produção de mercadorias e serviços coletivamente autônomo. Ainda que a organização discursiva e simbólica seja o gérmen dessa transformação.

Bom, aí é possível questionar, mas isso é quase impossível. Sim, mas é apenas quase impossível.

Um movimento social brasileiro criado há 40 anos tem jogado luz e materialidade sobre esse processo. Esse movimento social alterou a lógica da formação da consciência, que parte de uma base material da construção da própria existência. Esse movimento social, que se chama MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), só lançou candidatos ao poder legislativo 37 anos após a criação do movimento e formação de uma base de produção material em que o trabalhador está inserido. Atualmente, o MST se organiza em 185 cooperativas, 120 agroindústrias e 1900 associações ligadas a 400 mil famílias que estão inseridas em um outro processo econômico. A formação da consciência se dá na base material em que se está inserido. Em síntese, transforma-se o processo econômico para depois transformar a sociedade e não o contrário como age majoritariamente a esquerda urbana.

Aliás, o que a história nos ensina é que não há transformação exclusivamente pela consciência, mas pelas economia ou pelas armas. Veja essa história do jovem de esquerda que aderiu aos conservadores.