Em São Paulo – A artista visual Ana Friedlander apresenta pela primeira vez na cidade de São Paulo, na Casa Contemporânea, exposição com 32 obras de arte entre colagens digitais, livros de artista, fotografias, videoarte e aquarelas. Como o próprio nome da mostra indica: “Memórias em Cartografias Expandidas”, a artista aborda, além das memórias, as migrações e o comportamento humano, questões que envolvem debates atuais como o nazismo, o fascismo e o racismo.

Obras de arte da artista Ana Friedlander (Imagem: @ineditofotosefilmes)

A curadoria da mostra é do Dr. Andrés I. M. Hernández, que acompanha sua pesquisa desde 2018. Friedlander iniciou sua carreira artística há cerca de dez anos, mas já conta com cinco exposições individuais e 20 coletivas no currículo. A mostra será aberta no dia 12 de março de 2022, sábado, às 11h, na Rua Capitão Macedo, 370 – Vila Mariana, em São Paulo.

A exposição chega à Casa Contemporânea com uma edição especial, um tanto diferente daquela apresentada na Rabeca Cultural em Campinas (SP), em 2021. Algumas das obras de arte foram substituídas por outras mais recentes que se adequaram ao novo espaço arquitetônico, explica o curador. Para a artista, a edição anterior a fez olhar para outras imagens de seu portfólio e fotografias de família, o que provocou a criação de outras obras.

Em seu texto curatorial, Hernández observa que “as memórias de Friedlander são construídas por meio de procedimentos que a artista executa como algoritmos estéticos para provocar, numa primeira leitura, discussões editadas sobre suas referências pessoais. No entanto, não há finitude nem a partir dos procedimentos de provocação nem na edição. Segundo o curador, outro aspecto que chama a atenção em suas obras é a evidência dos processos lógicos, relações geométricas, espacialidades, questões racionais típicas das ciências exatas, talvez sejam influências advindas da profissão de professora universitária de matemática, mas é justamente o que deixa claro a questão da interdisciplinaridade na arte.

A pesquisa artística de Friedlander encontra eco em temas devastadores para a humanidade: guerras, violência, racismo, governos ditatoriais, e que no atual momento ressurgem fomentando debates e manifestações por parte de estudiosos e da própria população. Suas obras de arte deixam transparecer sua preocupação e expõem as feridas resultantes das ações de seres humanos que deixaram rastros de sofrimento na História. E como que para expurgar isso, ela utiliza fotografias antigas de familiares, imagens feitas em expedições fotográficas ou ali ao lado de sua casa.

Obras de arte de Ana Friedlander (Imagem: @ineditofotosefilmes)

 A série de imagens de muros é composta por paredes desgastadas, destruídas pelo tempo. Friedlander diz que olha para os muros como se fossem uma pintura e no computador realiza pequenas intervenções, como ao saturar uma cor ou aumentar a textura ao máximo. O interessante é que tudo está interligado, e ela diz que somente durante o processo de curadoria se deu conta do significado de tantos muros dentre suas obras. “Engraçado é que eu nunca fiz uma associação consciente dos muros com a questão dos temas relacionados ao holocausto, à ditadura, agora é que me chamaram a atenção para isso”, explica a artista.

Quem atentou para a significação inserida nas imagens dos muros de Friedlander foi o pesquisador e crítico de arte Gabriel San Martin, que a convite do curador Hernández, divide a curadoria da exposição e produziu um texto sobre essa série. San Martin reside atualmente em São Paulo e é crítico de arte do jornal Correio Popular, de Campinas. “Primeiro conheci os textos críticos no jornal, depois nos conhecemos pessoalmente no Subsolo – Laboratório de Arte, que fica em Campinas. Ao convidá-lo, achei que seria uma boa oportunidade para ter um outro olhar sob a nova edição da exposição”, diz Hernández, que vem utilizando este tipo de curadoria, convidando outras pessoas, até mesmo de outras áreas como San Martin que vem da filosofia, com o intuito de expandir a troca de ideias sobre a arte contemporânea.

Como já foi dito, as obras de arte foram criadas a partir das memórias familiares, mas, segundo a artista, no meio da pesquisa, após ouvir uma das Mães da Praça de Maio – mulheres que tiveram seus filhos desaparecidos durante a ditadura militar argentina –, ela se deu conta que os dois assuntos se entrelaçavam e acabavam no mesmo ponto: o desaparecimento de pessoas. “Aquela mãe chorava pelo sumiço de sua filha na ditadura e falou também sobre o avô morto no holocausto”, conta ela. Todas essas recordações e mais as caixas repletas de fotografias feitas por seu pai passaram a alimentar seu processo criativo.

Entretanto, ao mesmo tempo que Friedlander apresenta obras contundentes pelos assuntos tratados, ela faz outras quase que para ter um respiro como fotografias de flores e de paisagens, que também estarão na exposição. “Essa ideia de trazer outros assuntos e imagens é do curador. Eu jamais pensaria em colocar obras tão diversificadas em um mesmo espaço, mas ele compõe a expografia com maestria. E justamente por me acompanhar há tantos anos”, afirma a artista.

De onde parte sua pesquisa

Para falar sobre a pesquisa artística de Ana Friedlander é preciso antes contextualizar sua história de vida. Judia, nascida na Hungria em 1947, pouco tempo após a 2ª. Guerra Mundial, passou sua infância envolta em memórias de seus avós, tio e tias paternos que estavam sempre rememorando fatos ligados ao holocausto e à guerra. Em seguida, veio a fase de emigração, quando, antes dos seus cinco anos de idade, os pais decidem morar na Argentina. Ali foi criada, se formou em matemática e se casou. Contudo, em um novo processo de emigração, provocado pela ditadura instalada no país, faz com que venha com o marido para o Brasil em 1976. Aqui, fez doutorado e foi professora no Departamento de Matemática Aplicada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) até sua aposentadoria em 2016.

Já adulta, em visitas à tia na Suíça, aquela que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz e perdeu as três filhas, as conversas de vez em quando retornavam àquele momento histórico. “Ela me contava também sobre sua irmã – minha outra tia – e seu filhinho que haviam desaparecido, mostrava fotografia dela e de suas filhas, dos meus avós”, revela Friedlander. Todas essas histórias iam se acumulando em sua memória. E um outro tema que também aparece na exposição é o da pandemia pelo Covid19, já que foi durante este período que ela criou essas obras. “Na verdade, a pesquisa traz à tona uma união de três momentos que identifico na História da humanidade e que culminam no fascismo”, coloca Friedlander.

Percurso nas artes

A carreira de Ana Friedlander nas artes visuais tem início por volta de 2012, quando decide fazer um curso de aquarela com a artista Vera Ferro. Logo em seguida, na busca de novas linguagens ela parte para a fotografia e passa a ter aulas com a fotógrafa Isabela Senatore. Assim, aos poucos sua pesquisa artística se expande para outros materiais, como a tinta acrílica, o guache e os programas de colagem digital. Às vezes utiliza somente um e em outras mistura todos. “Minha intenção inicial, era me ocupar de algo que sempre me atraiu, a aquarela, e depois fui descobrindo outros caminhos”, explica ela.

Parece que a cada dia Friedlander encontra algo diferente para introduzir em seu processo criativo, e hoje transita também pela videoarte e os livros de artista. Por ser a primeira vez que expõe em São Paulo, está se sentindo muito empolgada com a possibilidade de ser vista por um público novo. 

Seu currículo conta com duas exposições na Argentina, individuais em 2017 e 2019, no Estudio Jovita Bernhardt, em Buenos Aires, na Argentina; em 2020, participou de uma coletiva no Hartmann Art Office em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia. Mais informações sobre a pesquisa de Friedlander podem ser vistas em seu site: www.anafriedlander.com 

Exposição “Memórias em Cartografias Expandidas”

Data: 12 de março de 2022, sábado, das 11h às 17h

Local: Casa Contemporânea – Rua Capitão Macedo, 370 – Vila Mariana, São Paulo

Visitação: de terça a sexta-feira, das 14h às 17h e aos sábados das 11h às 17h até o dia 9 de abril de 2022.

Entrada gratuita e sem restrição de idade, observando os protocolos contra o Covid19

(Carta Campinas com informações de divulgação)