(foto the new york public library – upl)

.Por Ricardo Corrêa.

  Seu silêncio não vai proteger você (Audre Lorde)

Todas as violências são minimizadas com opiniões na televisão, nas redes sociais, no jornalismo, nas palestras e seminários, e de maneira sutil e disfarçada (em alguns casos os racistas se empolgam e explicitam o ódio que sentem) os alienados são convencidos de que as vítimas do racismo são responsáveis pelo próprio destino. Em virtude disso, notamos que os discursos racistas têm feito com que a maioria da sociedade acredite, somente, que o racismo é opressão direta e individual, ou seja, ocorre através de xingamentos e agressões físicas. Mas, na realidade, o racismo insere-se em um sistema de relações de poder que envolve a conformação da subjetividade e políticas institucionais/públicas, sempre objetivando a marginalização social do grupo historicamente oprimido e a acumulação de privilégios que beneficia as classes dominantes.

Se traçarmos um paralelo com anos atrás, os discursos racistas que moldavam o imaginário social carregam novos elementos. O mito da democracia racial, por exemplo, está sendo pouco utilizado pelos racistas. Hoje é impossível esconder as tensões e disparidades entre negros e brancos. O historiador Petrônio Rodrigues (2005) explica “o mito da democracia racial era uma distorção do padrão das relações raciais no Brasil, construído ideologicamente por uma elite considerada branca, intencional ou involuntariamente, para maquiar a opressiva realidade da desigualdade entre negros e brancos”.

O abismo da desigualdade racial escancarou as diferenças econômicas, políticas, sociais, e como os mecanismos tecnológicos permitiram a massificação de notícias e informações sobre a sociedade, as classes dominantes criaram novos malabarismos teóricos. Atualmente acusam-nos de identitários (os racistas se apropriaram do debate que ocorre nos setores da esquerda), de vitimistas, de praticarmos racismo reverso; e com um recorte enviesado, oferecem exemplos da dinâmica racial que acontece em outros países, desde que esteja na contramão da abordagem conceitual dos movimentos negros brasileiros. Até  a existência de um projeto de supremacia negra os racistas dizem existir no Brasil. A bem da verdade, eles não têm limites na defesa dos próprios interesses; usam e abusam de argumentos falaciosos, distorcidos. Dentre eles, destaco o uso de experiências e conceitos originados em outros países. Essa é uma armadilha que nós podemos cair, ainda que tenhamos motivações diferentes dos racistas. Nenhuma elaboração intelectual, ou prática concreta, que não dialogue diretamente com o Brasil poderá nos assessorar; lições são importantes, óbvio, mas com os devidos recortes.

Desde a formação da sociedade brasileira, o racismo adquiriu formas muito peculiares e o dinamismo político e cultural cristalizou um elenco de complexidades que não se compara a outros contextos, portanto, a solução dos problemas que enfrentamos precisa vir de dentro, como bem ensinou Milton Santos (2016) “é necessário buscar, analisar, a condição do negro dentro da formação social brasileira. Porque a política não se faz no mundo, não é no mundo que dita as regras da política que se faz em cada país”.

O fato é que uma parte dos que seguem na contramão do processo civilizatório, reproduzindo discursos contra nosso povo, possui ausência de compreensão sociológica mais aprofundada acerca da realidade social. Mas sabemos, também, que a maioria está preocupada com a manutenção dos privilégios dos que têm a brancura como marcador social; todavia, independente da razão e objetivo, devemos enfrentá-los a todo custo.

A luta da população negra e indígena é pela dignidade humana, portanto, inexiste argumento plausível para a omissão das pessoas. Independente do marcador social, o sentimento de humanidade é que deve prevalecer. O capitalismo está alargando as mazelas e produzindo um mundo inabitável. Ao olharmos para as crises ao redor do mundo constatamos que os pertencentes aos estratos econômicos inferiores são os mais afetados. Nesse sentido, um enorme contingente de pessoas brancas engana-se ao achar que o racismo não tem a ver com elas, o sociólogo Clóvis Moura (1988) esclarece “o caso do negro tem especificidades, particularidades e um nível de problemática muito mais profundo do que o do trabalhador branco. Mas, por outro lado, está a ele ligado porque não se poderá resolver o problema do negro, a sua discriminação, o preconceito contra ele, finalmente, o racismo brasileiro, sem atentarmos para o fato de que esse racismo não é epifenomênico, porém tem causas econômicas, sociais, históricas e ideológicas que alimenta o seu dinamismo atual”.

De qualquer maneira, sigamos buscando a eliminação da lógica excludente presente no sistema político, jurídico, econômico e social. E sejamos conscientes de que para alcançarmos esse propósito urge enfrentarmos os discursos  em todos os meios de comunicação. E, quem sabe, chegará o tempo em que as ideias racistas serão memórias de um passado que ninguém queira mais se lembrar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLOG COMBATE RACISMO AMBIENTAL. Como é ser negro no Brasil. Disponível em: <https://racismoambiental.net.br/2016/03/05/como-e-ser-negro-no-brasil-texto-inedito-por-milton-santos/>. Acesso em: 10 fev. 22.

DOMINGUES, P. O mito da democracia racial e a mestiçagem no Brasil (1889 – 1930). Diálogos Latinoamericanos, Dinamarca, v. 10, n° 10, p. 117-132, 2005.

LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. Trad. Stephanie Borges. 1. ed. 1 reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.

MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988. Série Fundamentos.

SANTOS, Milton. Cidadanias mutiladas. In: LERNER, Julio (Ed.). O preconceito. São Paulo: IMESP, 1996/1997, p. 133-144.