Há uma grande mudança no capitalismo que está sendo germinada nos nossos dias, neste início de século 21 e, diferente do controle de um Estado (ou país), ela não poderá sofrer bloqueios econômicos ou mesmo ser esmagada politicamente. Seus líderes não poderão ser assassinados porque as lideranças se diluem na produção econômica e não nos ícones políticos. E também, mais importante, porque essa transformação se desenvolve no cerne do próprio capitalismo. Essa grande mudança é a produção social da economia, é o espírito da coletividade na produção econômica. Mas antes de falar diretamente sobre isso, vamos tentar entender e relembrar um pouco esse processo histórico.
No pensamento dialético do marxismo, inspirado na dialética hegeliana, cada conceito possui em si o seu contrário, cada afirmação, a sua própria negação.
Dessa forma, o mundo está em constante transformação e assim como o feudalismo foi superado pelo capitalismo, o capitalismo deverá ser superado por outro modo de produção. Se todos os sistemas foram superados ao longo da história, por que o capitalismo também não seria? Ou seja, a negação do capitalismo está presente na própria constituição do capitalismo.
Claro que não dava para prever no século 19 como e quando seria o fim do capitalismo. Talvez ainda não seja possível; e isso inspira defensores das teorias sobre a permanência do capitalismo.
As primeiras tentativas de superação do capitalismo para um sistema mais justo e igualitário foram por meio das revoluções proletárias, especialmente na Rússia, 1917, e em outros países. Realmente, essas revoluções de trabalhadores que tomaram o poder provocaram grandes mudanças nos outros países capitalistas. Assustados com as revoluções dos trabalhadores, houve um processo de redistribuição da riqueza capitalista, que ficou conhecido com Estado de bem-estar social. Isso ocorre principalmente na Europa, que estava no centro nervoso das revoluções burguesas e proletárias.
Mas essa foi só uma parte da ofensiva contra as revoluções sociais. Enquanto cedia alguns anéis, o sistema capitalista se reorganizava política, econômica e socialmente, ressurgindo ainda mais forte nos EUA e em países da Europa, inclusive produzindo mais desigualdade com o implemento de paraísos fiscais.
Talvez o equívoco marxista foi ter acreditado (uma certa ansiedade histórica) que as revoluções sociais seriam o que determinaria o fim do capitalismo. Os países comunistas flertaram com o autoritarismo e acabaram se desfazendo em grande parte. Isso foi simbolizado pela queda do muro de Berlim. Talvez no século 19 não fosse possível prever um estágio intermediário, inimaginável na época mesmo para geniais pensadores. Talvez o capitalismo fosse nascente e precisasse se desenvolver por mais alguns séculos, como tem ocorrido até a atualidade. Além disso, é impossível prever, daí a complexidade dialética, como um sistema se transforma e muda em confronto com sua negação para evitar sua derrocada e prolongar sua existência.
Nas condições atuais, outros problemas podem determinar o fim do capitalismo e o principal determinante neste século 21 é a própria destruição do planeta, com aquecimento global e intensificações das tragédias climáticas e de saúde pública. Mas essa é uma consequência natural que afetaria o sistema social. Talvez o fim do capitalismo seja coincidente com o fim da humanidade, mas sobre isso os ambientalistas devem teorizar. O certo é que o capitalismo promove mudanças aceleradas no modo de vida das pessoas. O próprio surgimento da internet e das novas tecnologias de informação também alteraram o sistema capitalista no século 21.
Vamos ao que importa
O que nos interessa aqui é saber se há outras formas econômicas emergindo que alteram os modos de produção dentro desse capitalismo distante das fábricas do século 19, ainda que a exploração e o escravismo estejam presentes. A resposta deve ser sim e vale lembrar que para Marx não é a vontade dos homens que dá ao Estado a sua estrutura, mas sim a situação objetiva das relações econômicas e de propriedade.
Atualmente, pode-se dizer que há no mundo um amplo conjunto de iniciativas de produção, comércio, consumo, poupança e crédito, que se inspiram em ideias coletivas, igualitárias e democráticas. São associações, bancos comunitários, produção solidária, empresas sociais, associações locais de troca de mercadorias e serviços, inclusive com o uso de uma moeda social própria e tecnologia só presentes nos dias atuais. Recentemente, surgiram grupos de venda pela internet como “Esquerda compra de Esquerda” e até empresas em que o lucro é transformado em ações ambientais, sociais (empresas de propósitos), como a Ecosia e Wild Plastic ou mesmo empresas definidas como de esquerda, como o LeftBank.
Outra iniciativa foi o lançamento de títulos com a Financiamento Popular (Finapop), que surgiu de uma parceria entre economistas e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Recentemente, a iniciativa conseguiu fazer uma capitação de R$ 17,5 milhões para cooperativas agroecológicas de trabalhadores ligadas ao MST. Há vários anos também existe o Sistema de crédito Cresol, que está em várias unidades do Brasil, inclusive com unidade em Campinas por meio de parceria com o Sindicato dos Químicos Unificados, que trabalha com a Rede Livres. Há também o banco Palmas e-dinheiro e outras diferentes iniciativas.
Ainda que incipiente, todas essas atividades econômicas mostram que há um germe fermentando dentro dos modos de produção do capitalismo, sejam inciativas solidárias e de cooperativas, sejam iniciativas solitárias (empresas individuais para transformação social) ou empresas e coletivos com missões sociais (em defesa do meio ambiente, ações humanitárias ou outros).
São iniciativas diferentes que fervilham no bojo do capitalismo, mas que parecem ter uma identidade semelhante dentro dos modos de produção. Na realidade, essa transformação é o grande desafio do século 21 para a sociedade, especialmente para trabalhadores, ambientalistas, marxistas, humanistas, socialistas e democratas. Ou seja: a transformação do sistema em um processo dialético entre a política e a economia (link).
Durante os últimos dois séculos, a consciência de classe teve olhos focados na luta política partidária, na formação de líderes políticos para ações e transformações de dentro do Estado, mas talvez seja hora de fortalecer uma luta econômica, travada no interior dos modos de produção do sistema capitalista, fora do Estado, independente do Estado, mas que, ao mesmo tempo, seja capaz de dialogar e interferir no próprio Estado e na política.