Felipe Cabral – BdF

Em setembro deste ano, dois homens, um deles armado, abordaram o radialista Jerry de Oliveira no bairro Vila Boa Vista, em Campinas, no interior de São Paulo, e o ameaçaram de morte. Segundo o comunicador popular da Rádio Noroeste, os autores das ameaças foram claros no recado: “você não vai falar mal do Bolsonaro, porque se falar, eu vou te matar”.

(foto rede social – reprodução)

Ainda de acordo com a vítima, a intimidação foi reforçada dias depois através de um vídeo publicado em grupos de redes sociais por um dos homens. No vídeo, além de reiterar as ameaças, o homem identificado como Lourival Bento proferiu acusações e ofensas à Jerry devido sua atuação como militante de movimentos sociais e comunicador comunitário da região.

O caso foi registrado junto à Polícia Civil do Estado de São Paulo e denunciado às comissões de direitos humanos da Câmara dos Deputados e do Senado. Porém, segundo a vítima, os autores dos crimes seguem em liberdade.

Com mais de 30 anos dedicados à defesa dos Direitos Humanos e da democratização da comunicação no Brasil, Jerry conta que tem recebido apoio dos moradores da comunidade, de organizações de todo país e do mundo. Mas faz questão de alertar:

“O meu caso não é isolado. Ele é mais um exemplo de todos os casos que a gente vê no dia a dia das rádios comunitárias do país”, diz o radialista.

Ameaças

As ameaças contra Jerry Oliveira ocorreram no dia 9 de setembro, quando o comunicador percorria as ruas do bairro com um carro de som convocando os moradores para uma manifestação contra o fechamento do período noturno de aulas de uma escola estadual da região. Segundo Oliveira, foi nesse momento que Lourival Bento o abordou questionando quem estava “por detrás do ato” e fez as primeiras ameaças.

Ainda de acordo com o comunicador, minutos depois, o carro de som foi fechado por um Audi branco, de onde desceu um homem armado que teria reforçado as ameaças e avisado: “Aqui ninguém mais vai falar mal do Bolsonaro”.

Além das abordagens violentas, Jerry também relata que nos dias seguintes Lourival teria publicado em grupos de aplicativos de mensagem um vídeo em que assume a tentativa de intimidação e passa a insultar o comunicador.

“No vídeo ele fala abertamente que eu fugi da emboscada. Ele assume que fez emboscada. E mais do que isso, o que é muito mais sério, ele começa a soltar ódio. Ódio sobre a minha condição de saúde, porque eu tive um AVC; ódio em relação à minha militância no MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], que eu tive uma época; ódio pelo fato de eu ser militante partidário do Partido dos Trabalhadores; ódio em relação a forma como eu me visto; uma série de questões graves que vão além da ameaça. Questões de preconceito, de ódio, de desvalorização dos direitos humanos” lembra.

O caso foi registrado junto à Polícia Civil e tem sido acompanhado pelo 8º Distrito Policial. Oliveira explica que chegou a recorrer à Ouvidoria da corporação para mediar a questão:

“Quando nós formulamos o Boletim de Ocorrência, a gente percebeu que a delegacia iria tratar a questão de forma burocrática e que a coisa andaria se eu quisesse uma representação dali a seis meses. Nós dissemos que não, que a gente gostaria de representar agora. Porque não era uma situação apenas de calúnia e difamação. Era um crime que havia sido cometido em relação aos direitos humanos e uma ameaça real a minha segurança e a minha integridade física” disse o comunicador à Pulsar Brasil.

Oliveira destaca que as violações cometidas contra ele são as mesmas que têm sido atribuídas a grupos ligados ao governo Bolsonaro. Na opinião do radialista, “trata-se de uma reprodução dos crimes de ódio agora na periferia” e, portanto, deveriam suscitar respostas das autoridades públicas semelhantes às dadas, por exemplo, ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ).

“O nosso objetivo é a prisão deles. Para que sirva de exemplo para que outras pessoas não cometam as mesmas atitudes e sirva também para que o movimento possa resistir”, conclui.

Rádios Comunitárias

Ao longo de pouco mais de um mês, o caso de Jerry tem repercurtido em diversas esferas. Além de ser denunciado às comissões de direitos humanos da Câmara e do Senado, o caso também motivou uma moção da Câmara Municipal dos Vereadores de Campinas, em que parlamentares do PSOL, PT e PCdoB apelam ao Governo de São Paulo “que investigue ameaças e garanta a integridade física e a vida do comunicador popular”. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) também emitiram notas de apoio ao comunicador.

Em relação a sua segurança, o radialista faz questão de deixar claro: “a comunidade está com a gente e tem prestado solidariedade”. Jerry diz ainda que tem recebido apoio de diversas organizações nacionais e internacionais e acrescenta que em momento algum, desde as ameaças a Rádio Noroeste, veículo em que atua desde 1992, saiu do ar.

Embora lamente a situação, o fundador da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) e ex-coordenador do Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC) tem aproveitado a repercussão do caso para expor um grave problema enfrentado pelas rádios comunitárias do país: a vulnerabilidade dos comunicadores populares e comunitários.

“Veja só, quantos comunicadores estão ameaçados no Brasil? Eu conheço uns 20. Eles são ameaçados por bolsonaristas, são ameaçados por dizer a verdade em relação à má gestão pública, são impedidos de divulgar informações relativas à política local porque há uma pressão sobre o comunicador. Então o comunicador comunitário já é censurado na sua origem. Nós estamos aproveitando o fato de Campinas ser um centro urbano importante para que vejam que nós, comunicadores comunitários, somos muito mais ameaçados e corremos muito mais risco que outros jornalistas”, pontua.

Oliveira repara que existe no Brasil uma espécie de diferenciação dos comunicadores que atuam em veículos comunitários e os que trabalham na imprensa comercial. Para ele, a falta de apoio e estrutura e a invisibilidade enfrentada por muitos comunicadores de rádios comunitárias os tornam muito mais vulneráveis à ameaças e ataques. O radialista recorda, inclusive, de rádios da região Norte que chegaram a ser incendiadas.

“Nós tivemos um caso, por exemplo, no Pará, onde o único veículo de transporte que a pessoa tinha para fugir era um barco. E aí a rádio foi incendiada e o cara não tinha nem lugar para fugir. Teve uma outra rádio que foi incendiada com as pessoas dentro, que as pessoas tiveram que sair pelo alçapão”, recorda.

Para concluir, o radialista lembra que os direitos à vida e à comunicação são universais e, portanto, devem ser garantidos a toda pessoa, sem qualquer distinção.

“O direito à proteção é para todos, seja algum jornalista da Globo ou seja um comunicador de rádio comunitária. Eu não me considero um comunicador só de rádio comunitária. Eu me considero um jornalista. E eu tenho o direito de exercer a minha profissão sem nenhuma amarra”, ressalta.

Investigação

A Pulsar Brasil procurou a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) para um posicionamento. De acordo com o órgão, “o suspeito e outro envolvido foram identificados e intimados para prestarem esclarecimentos na delegacia”. A SSP também informou que os laudos relativos às imagens e aos áudios apresentados à Polícia Civil estão em elaboração e que a investigação segue em curso. (Do Brasil de Fato)