O antirracismo abstrato dos brancos

.Por Ricardo Alexandre Corrêa.

Não acredito no que você diz, porque vejo o que você faz. (James Baldwin)

João Alberto foi espancado até a morte quando fazia compras no supermercado, em Porto Alegre. As primas Emily e Rebecca morreram baleadas no portão de casa, em Duque de Caxias. Alex Junior, acusado de furto, foi espancado dentro do supermercado e sobreviveu, em Várzea de Palma. Edson Júnior e Jorge Luiz foram mortos após abordagem policial, o caso aconteceu no Rio de Janeiro.

Emily e Rebecca (reprodução)

Todas as vítimas são pessoas negras, e é importante observarmos que essas violências ocorreram em curto espaço de tempo, menos de um mês, demonstrando que ao gritarmos Vidas Negras Importam a sociedade continua nos ignorando; os números do Atlas da Violência 2020 reforçam: o homicídio de negros aumentou 11,5 %, em dez anos.

Lembro-me da entrevista do escritor afro-americano − James Baldwin − que tem uma passagem tocante. Ele disse que o ódio é um estado constante das pessoas negras conscientes das suas condições na América. De fato, acredito que não exista outro sentimento que atravesse os negros quando descobrem que a sociedade tem como estatuto a eliminação de suas vidas, e que o racismo estrutural encontra no Estado o abrigo da impunidade e perpetuação, espalhando-se como uma metástase no corpo social.

Esse racismo, ao mesmo tempo em que desumaniza, favorece os brancos e constrói uma dependência emocional e material. E como disse a escritora Reni Eddo-Lodge “o privilégio é a ausência das consequências do racismo. Ausência de discriminação estrutural, a ausência de sua raça sendo vista como um problema em primeiro lugar”.

Ainda assim, o combate ao racismo reclama o papel ativo dessas pessoas, é necessário o uso dos privilégios para favorecerem politicamente os negros. Esse é o primeiro passo em busca de um antirracismo não abstrato, a construção de caminhos em direção a destruição do estatuto das tragédias, transformando a sociedade em um ambiente que inclua os negros como cidadãos. O sistema está estruturado para a exploração dos negros, afastando-nos das melhores oportunidades, independente da capacidade intelectual e esforços que mobilizamos.

Não estamos nas administrações e posições de liderança das empresas para impor igualdade em cargos e salários. Os negros não estão nas casas dos brancos para educar suas famílias a não serem racistas. Muito menos em números significativos no Judiciário, Executivo e Legislativo para construção de políticas antirracistas. Não temos canais de televisão para a desconstrução dos estigmas e estereótipos negativos. Está tudo nas mãos dos brancos! Eles que assumam as responsabilidades e parem com os discursos morais como se resolvesse problemas estruturais. O antirracismo dos brancos deve operar no campo concreto.

Por fim, quanto a nós, negros, continuaremos lutando contra o genocídio e todas as particularidades do racismo estrutural, sem perder de vista os ensinamentos de Abdias do Nascimento, político e pan-africanista, “a comunidade negra tem que ser fiel a si mesma, fiel a seus antepassados, fiel à história de nossas lutas, e não deixar-se emprenhar pelo ouvido ao ficar escutando mensagens derrotistas, que se prestam a tirar a força, a energia e o ímpeto que o negro tem para lutar pelos seus direitos.”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PORTAL THE ATHLETIC: Thompson: ‘To be in a rage almost all the time’

Disponível em: <https://theathletic.com/1841111/2020/05/28/thompson-to-be-in-a-rage-almost-all-the-time/> . Acesso em: 15 dez. 2020

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Atlas da Violência 2020. Brasilia: IPEA, 2020. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/200826_ri_atlas_da_violencia.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2020

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