.Por Surya Guimaraens.

As eleições se aproximam e com isso uma prática muito comum se torna mais frequente, a violência política de gênero, numa tentativa de fazer com que mulheres desistam de ocupar os espaços na política ou se colocarem para o pleito. Afinal, o que é violência política de gênero? Por que tão pouco se fala sobre esse assunto?

(foto romerito pontes – ccl )

A Convenção Internacional para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, OEA, 1994) define a violência contra a mulher como “Qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto privada”.

A violência política de gênero é definida por violência de cunho físico, psicológico e sexual que tenha o intuito de cercear e até mesmo impedir as mulheres de se colocarem para o pleito ou de participarem da vida política partidária. A violência acontece por vários motivos: uma disputa por poder; a crença de que a mulher está restrita à vida privada; aos afazeres domésticos e do cuidado, portanto, não teriam a legitimidade ou o direito de ocupar um espaço na política. Muitas mulheres têm sua vida pessoal exposta, sofrem violência sexual, assédios psicológicos e ameaças de todos os tipos. A violência é um dos fatores que causa a baixa participação das mulheres na política.

Na história recente alguns casos de violência política de gênero vieram a público, como o caso da Deputada Maria do Rosário que foi agredida verbalmente pelo deputado Jair Messias Bolsonaro em 2014, que disse que não a estupraria por ser feia, uma grave agressão não só a deputada em exercício mas a todas as mulheres. Estupro é uma violência grave, que deve ser punida e não banalizada.

A deputada Erica Malunguinho, mulher negra e trans, também sofreu agressões verbais e ameaças de violência física, proferidas pelo deputado Douglas Garcia em 2019, que a ameaçou de tirá-la a tapas do banheiro. Outro caso recente foi o assassinato da vereadora Marielle Franco em 2018, mulher negra e lésbica, que não foi um caso isolado, ela foi calada, como tantas outras que ousaram transformar a política no nosso país, que tiveram coragem de denunciar toda a sujeira praticada pelos que se mantém no poder perpetuamente.

A violência também pode se dar de forma mais sutil, quando não é aceita a presença de crianças em espaços políticos, impedindo muitas vezes a participação da mãe ou ao se atacar uma mulher pela sua aparência física sem questionar suas ideias, como ocorreu com a candidata à presidência Marina Silva, que era criticada por seu coque e timbre de voz.

Essa violência ocorre cotidianamente em todas as esferas políticas. Como observado neste relato de uma postulante a uma candidatura municipal: “Estava na reunião do partido em que minha candidatura estava sendo debatida pelo coletivo, assim que meu nome foi pronunciado por quase todos os membros do grupo demonstrando apoio por larga margem, um homem começou a apontar o dedo em minha direção e dizer que eu não sabia onde estava me metendo, se mantivesse minha candidatura eu levaria tiro na cara, minha família seria perseguida e meu marido perderia o emprego. Dias depois, esse mesmo homem pediu uma conversa comigo, mas o pedido veio por meio de uma pessoa em quem eu confiava e que garantia que nada me aconteceria, que era um pedido de desculpas e que ele estaria junto, pedi então que fosse em uma praça de alimentação de uma galeria. No dia da reunião fui, liguei o gravador do meu celular e deixei na bolsa por segurança, e aconteceu o que eu já esperava, as ameaças continuaram e me mantive forte e determinada a não desistir da candidatura, e isso o irritou de tal forma que ele batia forte na mesa como se eu fosse aquela mesa, a única coisa que pensava naquele momento era que se tivesse medo teria que desistir da política, porque jamais teria condições de seguir adiante. Na época eu não tinha o entendimento que tinha sofrido uma violência, achava que aquilo era a política e o jogo de poder e que seu eu queria estar naquele mundo e queria mudar as coisas tinha que ter coragem e continuar”. Isso ocorreu há alguns anos, mas pode estar ocorrendo agora com muitas mulheres na iminência de uma eleição.

É tão pouco falado sobre a violência política de gênero, que na maioria das vezes não existe o entendimento de que isso é de fato uma violência e não existe meios de se proteger. Por isso, a percepção da violência acaba não sendo clara para a mulher no momento em que ocorre, como o relato expõe.

No Brasil, não tem lei que criminalize especificamente essas práticas. Existe um projeto de lei, que está à espera para entrar na pauta, e prevê pena de três a oito anos de reclusão para quem cometer violência política “através de pressão, perseguição, assédio, ameaça, agressão, seja física ou psicológica, contra mulheres candidatas, eleitas, nomeadas ou no exercício de cargo público”. Países como a Bolívia e México foram os primeiros a criar leis que criminalizam a violência política de gênero, isso porque também são dos poucos países da América Latina que conseguiram uma participação das mulheres na política quase que paritária.

Para conseguirmos transformar essa realidade precisamos incentivar a aprovação de leis que criminalizam essa prática e ajudar a difundir o assunto de toda forma que pudermos para que outras mulheres entendam que isso é uma violência e que não acontece só com uma, acontece com muitas e com muito mais frequência do que se pode imaginar. É importante ter a compreensão de que as mulheres correspondem a 52% da população e não podem podem ser silenciadas.