.Por Paulo Bufalo.

A realidade que nos cerca não poderia ser mais difícil, desafiadora e complexa. Enquanto escrevo esse artigo, milhões de brasileiros enfrentam os efeitos da negligência dos governos no tratamento da pandemia e sofrem com a morte, as incertezas e as angústias das perdas dos seus.

(foto leopoldo silva – fp )

É um período de grande tristeza e incertezas. A pandemia de Covid-19, que atingiu o mundo no primeiro semestre deste ano já ceifou centenas de milhares de vidas. No Brasil, as vítimas fatais do coronavírus já passam de 60 mil, com mais de um milhão de infectados pela doença e ainda tendência de alta acelerada.

Em Campinas os números também são assustadores: superamos a marca de oito mil infectados e mais de 300 mortes, sendo que houve um forte crescimento de casos no mês de junho, como efeito da irresponsabilidade de Doria e Jonas Donizette com suas aberturas dos negócios em plena ascensão de contaminações e mortes.

Ainda não são conhecidos totalmente a origem do vírus que levou a humanidade a essa tragédia, mas não restam muitas dúvidas que as causas principais estão no avanço do agronegócio que destrói os biomas e as florestas e em seu lugar expande a monocultura e os venenos, destruindo as barreiras naturais que nos protegem. A busca pelo lucro rápido e fácil ignora os limites do planeta e expõe nossa fragilidade enquanto espécie.

Assim, neste ano de 2020 a humanidade viu seu estilo de vida estabelecido nos últimos dois séculos – consumo desenfreado, uso inconsequente dos recursos naturais, cidades superpopulosas, desigualdade social com acumulação inaceitável de riqueza por uma minoria e milhões de seres humanos jogados na pobreza extrema – colocados em xeque.

Neste cenário, o enfrentamento à pandemia de Covid-19 ocorre de maneiras diferentes em diversos países e regiões. No Brasil, a opção do governo de Jair Bolsonaro foi o da negação da gravidade da doença e completa falta de uma política nacional de saúde na coordenação, alocação de investimentos e mobilização da população para enfrentar e combater a doença. Ao contrário, suas ações irresponsáveis contribuem para o agravamento da situação, levando a situação de catástrofe atual. O Ministério da Saúde encontra-se sem um ministro efetivo desde meados de maio e se transformou em um cabide de empregos a militares sem a menor experiência em saúde pública.

O Sistema Único de Saúde, sem dúvida a maior conquista do povo brasileiro inscrito na Constituição de 1988 e que tem sido o último recurso para milhões de brasileiros em busca de tratamento de saúde, tem evitado uma tragédia maior na pandemia, mas corre sério risco de desmonte diante da incompetência e falta de compromisso do atual governo, bem como a falta de financiamento crônica, agora institucionalizada diante da criminosa Emenda Constitucional 95, que determinou o congelamento dos investimentos públicos por 20 anos.

Diante da falta de responsabilidade do governo federal coube aos governos locais desenvolver as políticas de contenção da pandemia. Mesmo com ações descoordenadas, em alguns lugares houve, no início da pandemia, relativo sucesso na imposição de isolamento social, única medida eficaz de evitar a propagação acelerado do corona vírus, mas, diante da pressão dos mercados e em consequência da falta de apoio financeiro para que as pessoas pudessem se recolher em suas casas, esse isolamento ficou restrito a algo em torno de 40% da população, muito abaixo dos 70% recomendados pelos pesquisadores da área da saúde.

Neste quadro, já em meados do mês de maio foi criado o que passou a ser chamado de “novo normal” ou “abertura responsável”, que na verdade não passaram de eufemismos para a reabertura do comércio, ainda que algumas restrições, no momento em que a doença ainda avançava pelo país. O resultado foi matemático. Dias depois explodiram os casos de pessoas infectadas e de mortes, com lotação dos leitos hospitalares disponíveis. Foi o que aconteceu em Campinas.

Importante lembrar que não vivíamos uma situação fácil antes da pandemia. Em março deste ano, o desemprego atingia algo em torno de 12 milhões de pessoas e o país caminhava para uma recessão. O crescimento do PIB em 2019 foi de 1,1%. A pandemia, portanto, veio agravar um cenário já bastante difícil.

A realização das eleições municipais deste ano, adiadas para novembro, nos colocam a oportunidade de trazer ao debate quais serão as opções políticas para os próximos anos para reverter o atual quadro de destruições. Além do caráter de disputa nacional, de reafirmação da democracia como uma conquista da qual o povo brasileiro não vai abrir mão, há a necessidade da construção de projetos políticos locais, articulados em redes de municípios, capazes de responder aos desafios que enfrentamos.

Além do combate a pandemia, há a necessidade de fortalecer o SUS como política garantidora da vida e da saúde especialmente das populações mais vulneráveis. Enfrentar os crônicos problemas de deslocamento e inverter a lógica do transporte como mercadoria para direito social. Investimento em moradia de qualidade, educação básica, saneamento, cultura, meio ambiente. Enfim o direito a cidade.

A construção de tal projeto, com inclusão de milhares de pessoas a partir de políticas locais não será obra da lógica privatista. Trata-se de uma construção com ampla participação popular e unidade dos setores progressistas da sociedade. A construção desse projeto, obviamente, não se dará sem a resistência daqueles que sempre se apropriaram dos recursos públicos para a manutenção dos privilégios de poucos.

Portanto é desafio dos setores progressistas – movimentos sociais, sindicatos, partidos de esquerda, trabalhadores e trabalhadoras trazerem para si a responsabilidade de construir políticas em defesa da vida, em caibam todos, todas e todes. Isso passa por disputar as eleições, mas requer, além de possíveis e necessárias alianças eleitorais, generosidade, companheirismo e unidade nas ações.

Como constava na campanha do saudoso companheiro prefeito Toninho há duas décadas, reafirmamos a “Coragem de Mudar!” reivindicando para a atual conjuntura a “Coragem de Ousar!” na unidade e na luta.

Paulo Bufalo é professor e ex-vereador de Campinas