Pirataria Inglesa

.Por Marcelo Ribeiro Uchôa.

Triste de uma sociedade internacional que se omite diante do ataque à soberania de uma nação e ao direito democrático de um povo de decidir pelo seu futuro. É o que vem acontecendo contra a Venezuela, há mais de duas décadas, desde que o ex-presidente Hugo Chávez chegou à liderança do país com proposta de voltar o olhar estatal às camadas mais pobres da população.

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Desde então, a nação sul-americana vem sendo alvo de boicotes comerciais, sanções internacionais, sabotagens de empresas, apropriações indevidas de indústrias, bloqueio de divisas, tentativas de invasão, atentados presidenciais, dentre uma gama infindável de iniciativas empreendidas para vulnerar sua estabilidade institucional interna.

A guerra econômica imposta contra a Venezuela ganhou mais um lamentável capítulo ontem, 02/07, com a decisão do Superior Tribunal de Justiça da Inglaterra de reiterar o reconhecimento do autoproclamado mandatário Juan Guaidó como presidente do país, o que, por consequência, lhe garante a prerrogativa de dar destinação às reservas venezuelanas em barras de ouro bloqueadas no Banco da Inglaterra [US$ 1 Bilhão], cujo acesso havia sido requerido pelo presidente eleito Nicolás Maduro para ajudar no custeio de gastos necessários ao enfrentamento da pandemia de Covid-19.

Em sua malfadada decisão a Corte britânica cerrou os olhos para dois fatos: o de que quem preside efetivamente o país é Nicolás Maduro; e o de que o preside porque, ao contrário de Guaidó, submeteu-se a eleições presidenciais, sendo democraticamente eleito.

Assim, considerando que Guaidó nada governa, Maduro mantém-se à frente das instituições executivas do país, na prática, o tribunal britânico impede a população de usufruir de 30 toneladas de ouro de seu erário, cerca de 2 bilhões de dólares, num momento em que como jamais antes precisa fazer uso de suas reservas econômicas.

Na reflexão sobre este imbróglio é relevante salientar que, em janeiro deste ano, a Assembleia Nacional da Venezuela empossou nova direção, conduzindo à presidência o deputado Luis Parra, que não obstante ser oposição ao governo de Nicolás Maduro, não reconhece a liderança de Juan Guaidó.

Ou seja, o direito de Guaidó à presidência da República é contestado pelas autoridades de seu próprio país, inclusive pela Casa Legislativa, a mesma que um ano antes lhe concedera lastro para reivindicar a faixa presidencial. Atualmente, Guaidó não lidera sequer a oposição a Maduro na Venezuela. No país, hoje, ele não passa de um impostor processado por múltiplos crimes.

Com efeito, a medida inglesa nada mais é do que pirataria moderna, expediente que a Coroa de Sua Majestade conhece muito bem, desde a época em que financiava mercenários para saquear galeões espanhóis repletos de ouro roubados da América Latina.

É importante que se registre que esta decisão foi tomada poucos dias depois do mundo inteiro ser surpreendido com a impactante revelação do ex-conselheiro de segurança nacional de Donald Trump, John Bolton, que para o presidente estadunidense a Venezuela era parte do território norte-americano. Três meses após o ex-militar venezuelano Cliver Alcalá confessar haver sido contratado por Guaidó, com endosso dos Estados Unidos, para assassinar o presidente Maduro. Dois meses depois das forças armadas venezuelanas, com apoio da população, frustrarem plano de invasão do país por sicários que buscavam derrubar Maduro, dentre os quais alguns estadunidenses já identificados como ex-integrantes da guarda presidencial de Trump.

Ou seja, justamente quando se torna mais do que evidente aquilo que já se sabia desde há muito, que a briga com a Venezuela não tem nada a ver com a existência ou não de uma ditadura bolivariana, mas, sim, com o domínio do petróleo e das riquezas do país.

Menos mal que o povo venezuelano e o governo legítimo de Nicolás Maduro seguem resistindo firmes. Com as pesquisas eleitorais presidenciais nos Estados Unidos mostrando números alvissareiros pode ser que a humanidade esteja vivendo o prenúncio da chegada de um novo tempo para as relações internacionais, um tempo em que os desmandos de hoje custarão caro para os que insistem em lhes patrocinar.

Marcelo Ribeiro Uchôa é professor Doutor de Direito Internacional Público. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) – Núcleo Ceará. Twitter: @MarceloUchoa_