O presidente da Bolívia, Evo Morales, renunciou ao cargo, informou a rede britânica BBC.Um dos líderes da oposição na Bolívia, Luis Fernando Camacho, havia entregue esta tarde uma carta de renúncia para Evo assinar no palácio Quemado, em La Paz.

Camacho se ajoelhou diante da bandeira da Bolívia, com uma Bíblia aberta sobre o símbolo nacional.

Entrou e saiu do palácio sob forte proteção policial.

A “cerimônia” foi transmitida ao vivo nas redes sociais pelo diário El Deber, de Santa Cruz de la Sierra, tradicional centro de oposição ao presidente.

A classe política de Santa Cruz tem forte relacionamento econômico com o Brasil, especialmente com o agronegócio.

A cidade é a maior da Bolívia e reúne a elite empresarial. É centro da lavagem de dinheiro do tráfico de cocaína.

Momentos antes, no que pode ter sido uma ação coordenada, o comandante das Forças Armadas, William Kalliman, disse que a renúncia de Evo seria muito importante para “pacificar” a Bolívia.

Em seguida, o chefe da polícia fez o mesmo.

Algumas horas antes, numa base militar em El Alto, em entrevista à Telesur, Morales havia convocado novas eleições, depois que a Organização dos Estados Americanos (OEA) afirmou ter constatado indícios de fraude na reeleição em primeiro turno de Evo, para um quarto mandato.

Evo Morales está no poder desde 2006.

O chanceler brasileiro Ernesto Araújo, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e Camacho, em foto publicada nas redes sociais.

Camacho, o homem que foi ao palácio levar a carta renúncia, é presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz e um dos líderes da oposição, que vem provocando atos de violência desde que foram anunciados os resultados.

Uma das vítimas foi a irmã do presidente Morales, que teve a casa incendiada por opositores em Oruro.

Em maio deste ano, Camacho esteve em Brasília e obteve do chanceler brasileiro Ernesto Araújo apoio para denunciar Evo e seu vice Alvaro Garcia Linera junto à OEA pela suposta tentativa de se perpetuarem no poder.

Em sua última manifestação pública antes da entrevista à Telesur, em que convocou novas eleições, Evo agradeceu o apoio do senador Jose Mujica em um tweet:

Gracias hermano “Pepe” Mujica por expresar tu condena al plan golpista que usa la violencia para atentar contra el estado de derecho. Saludamos, valoramos y agradecemos tu apoyo.

O avião presidencial levando Evo Morales e comitiva saiu de La Paz à tarde em direção a Cochabamba, uma das bases políticas mais fortes do presidente.

Cochabamba fica entre Santa Cruz e La Paz, a sede formal do poder.

De lá, Evo anunciou sua renúncia.

“Grupos oligárquicos conspiraram contra a democracia. Foi um golpe de estado cívico e policial”, disse Morales.

Carlos Mesa, que disputou o segundo turno contra Evo Morales, não apareceu em público.

Ele rejeitou qualquer compromisso com o presidente desde o anúncio do resultado das eleições.

Mesa já presidiu a Bolívia.

Herdou o cargo de Carlos Sánchez de Lozada, em 17 de outubro de 2004.

Partidário da terapia do choque, Lozada, conhecido como Goni, foi eleito na Bolívia com ajuda de assessores de marketing que serviram a Bill Clinton, apesar de falar espanhol com forte sotaque.

Lozada foi derrubado depois de propor que a Bolívia exportasse seu gás natural em navios tanque através de um porto chileno, para servir ao mercado dos Estados Unidos.

O Chile tem uma disputa histórica com a Bolívia, de quem tomou a saída para o Pacífico.

Derrubado, Lozada foi viver no exílio em Washington.

Mesa ficou um ano e oito meses no poder, até ser apeado.

Nas eleições presidenciais seguintes, Evo Morales chegou ao poder.

O Brasil é o principal cliente do gás natural boliviano, que abastece diretamente boa parte do PIB paulista.

Em seus três mandatos, Evo estabilizou a economia boliviana e promoveu reformas que deram novo protagonismo aos indígenas, causando grande ressentimento na elite de Santa Cruz.

A Bolívia tem economia estável e crescimento acelerado.

A troca de regime deverá permitir negócios lucrativos aos empresários bolivianos ligados a Mesa e Camacho, num verdadeiro assalto ao poder.

A privatização do setor de óleo e gás certamente será prioritária.

Em episódio recente, o Brasil quase derrubou o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, ao exigir que ele fizesse concessões na venda da energia elétrica produzida em Itaipu.

O acordo secreto, negociado pelo governo Bolsonaro, daria prejuízo de U$ 200 milhões ao Tesouro paraguaio, mas tinha grande potencial de lucro privado.

De acordo com o colunista Elio Gaspari, o megawatt poderia ser comprado por R$ 24 da estatal paraguaia e revendido no Brasil a R$ 119.

O intermediário da empresa que passaria a vender energia do Paraguai no mercado brasileiro, a Léros, é Alexandre Giordano, primeiro suplente do Major Olímpio, líder do PSL no Senado e hoje rachado com o clã dos Bolsonaro.

O acordo foi cancelado depois que o Congresso paraguaio ameaçou derrubar Benítez.

( .Do Vi o Mundo. )