Derrotar as ideias cívico-militares em nome da democracia

.Por Paulo Bufalo.

No mês de setembro o presidente Bolsonaro (PSL) assinou decreto instituindo um tal Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, voltado às escolas públicas de nível fundamental e médio de cidades e estados que aderirem à proposta. Para atrair adesões, o governo anunciou uma indução através do aporte financeiro direto para escolas envolvidas.

(foto fernando frazão – agência brasil)

O programa prevê a presença de militares, contratados com dinheiro do orçamento da educação pública, para atuarem junto à gestão didático-pedagógica e administrativa das escolas, sem definir os limites para esta atuação.

Embora existam muitas dúvidas sobre o decreto e questionamentos de educadores ao programa como um todo, menos de um mês depois, o prefeito Jonas Donizette (PSB) e o governador Doria (PSDB) anunciaram a adesão da cidade de Campinas e do estado de São Paulo, respectivamente, sem qualquer discussão ou consulta pública.

Além do interesse no aporte financeiro das escolas, isto demonstra o alinhamento dos três níveis de governo no desprezo aos trabalhadores da educação e a participação popular, no desrespeito aos estudantes e na intenção em usarem recursos da educação, para finalidades alheias a ela.

Embora as áreas envolvidas na proposta sejam todas políticas públicas de responsabilidade do Estado brasileiro, suas finalidades são absolutamente distintas e assim estão previstas na Constituição Federal. Aliás, o programa foi apresentado como se os problemas das Forças Armadas e da Segurança Pública estivessem todos muito bem resolvidos no Brasil, ao ponto dos militares poderem se dedicar a outras áreas.

Bolsonaro e os adeptos da proposta conhecem os parâmetros da Constituição e a realidade brasileira, mas, não respeitam os princípios básicos da educação pública, gratuita, laica e de qualidade socialmente referenciada, pois, querem uma educação pública atrelada aos interesses do mercado e ao fundamentalismo religioso.

Ao militarizar as relações no interior das escolas os governos querem instalar uma guerra ideológica num território que acreditam ser hostil às suas ideias e projetos. Além disso, pretendem que, através de disciplina rígida e punições, feito um quartel, consigam conter insatisfações no interior das escolas com os efeitos perversos das reformas educacionais já em curso e os cortes de recursos impostos por estes governos.

Apesar da imprecisão do decreto no que diz respeito ao grau de interferência dos militares nas escolas, as ideias tacanhas destes governos, apontam que tudo é possível e, esta libertinagem do decreto, é absolutamente perigosa para a democracia, a autonomia da educação e a liberdade de cátedra dos professores.

Os representantes destes governos sequer falam sobre os reais problemas da educação pública como os baixos salários, a sobrecarga e a precarização do trabalho, os desvios de funções devido à falta de profissionais, os adoecimentos e mortes no trabalho, a burocratização do processo pedagógico, a confusão das carreiras, entre outros.

Ao contrário, enterraram as metas do Plano Nacional da Educação, anunciam mais cortes nos investimentos e tratam a educação pública como mais um de seus negócios. É o direito à educação sendo transformado numa mercadoria.

Ironicamente o decreto aponta uma suposta prioridade para escolas com maior “vulnerabilidade social” sem definir os critérios para esta caracterização e sem indicar qualquer indício de que o aporte financeiro nestas escolas será continuado e, sobretudo, se haverá recursos para políticas públicas sociais nas comunidades onde elas se encontram.

Na tentativa de legitimarem a proposta, os governos jogam com a insegurança da população, mas, não apresentam qualquer evidência da importância da presença de militares nas escolas, para a qualidade da educação.

Embora citem o desempenho das escolas militares, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB e no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, superior à média nacional do conjunto das escolas públicas, se comparadas com as escolas públicas com infra-estrutura e nível socioeconômico dos alunos semelhantes a elas, ficam abaixo ou, no máximo, apresentam desempenhos compatíveis.

É possível afirmar que, além do caráter ideológico das chamadas escolas cívico-militares de interesse da extrema-direita, elas não acrescentarão nada no que diz respeito à qualidade da educação pública.

Segue sendo de fundamental importância o enfrentamento às desigualdades sociais e o aumento de investimentos na educação pública em valores do Produto Interno Bruto, compatíveis com as melhorias necessárias nas condições de trabalho e ensino, na formação continuada dos profissionais, na infraestrutura das escolas e na garantia de acesso e permanência dos estudantes.

Estas condições podem garantir uma educação pública crítica, libertária e emancipadora por isto, não cabem no horizonte daqueles que detestam a democracia e seus princípios.

Paulo Bufalo é professor e ex-vereador de Campinas