No quarto ponto da análise de Renato Souza, que estudou o programa Future-se para participar de um debate no próprio MEC (Ministério da Educação), ele mostra como o programa promove a corrupção, facilitando que entes privados se apropriem do bem público, a partir do interesse ideológico ou particular do governante. A ilegalidade do programa está expressa em seus próprios artigos. Veja ao final do texto links dos outros pontos do programa.

O Future-se corrompe o “principio da separação” das democracias modernas

.Por Renato Souza.

(foto marcelo camargo – ag brasil)

Um dos alicerces basilares das democracias liberais modernas é o “princípio da separação”: separação entre público e privado, e entre Estado e governo. Sem ele, a alternância de governos, premissa das democracias representativas, não seria possível ou viável.

Se os interesses privado se apropriassem do setor público, e os governos se apropriassem do Estado, a cada eleição teríamos o Estado como instrumento de cooptação política ou de benefícios privados, levando ora ao caos nas políticas públicas, ora ao absolutismo que obstruiria o jogo democrático, quando os governos utilizam estruturas do Estado para impor sua ideologia e se perpetuarem no poder.

Este princípio é que sustenta o regime administrativo (burocrático) do setor público, como as licitações, chamamentos públicos, concursos públicos, estabilidade dos servidores públicos, e a autonomia de instituições de Estado em relação aos governos.

A ideia é que as relações entre Estado e governos e entre setor público e setor privado sejam baseadas na impessoalidade, e é isso que dá legitimidade, estabilidade, equilíbrio e transparência às relações entre agentes de Estado, governantes e cidadãos.

Pois o Future-se possibilita subverter este princípio. Inicialmente, já no Art.3, o Projeto prevê que “os contratos de gestão poderão ser celebrados com organizações sociais já qualificadas pelo Ministério da Educação ou por outros ministérios, sem a necessidade de chamamento público…”. O chamamento público é a modalidade de contratação para OSs, correspondente às licitações para empresas privadas.

Da mesma forma, os fundos de investimento para aplicação dos recursos das IFES/OSs também serão contratados mediante “procedimentos simplificados”, a serem definidos posteriormente.

E no Art. 7 da Minuta, o Projeto afirma que “como forma de dar cumprimento ao contrato de gestão, a União e/ou as IFES poderão fomentar a organização social por meio de repasse de recursos orçamentários e permissão de uso de bens públicos”. Se juntarmos este artigo com o Art. 4, que diz que caberá às OSs realizar a processo de gestão dos recursos das IFEs, supõe-se que, com estes repasses, as organizações gestoras poderão dispor de recursos públicos para serem usados segundo padrões privados de alocação, sem necessariamente cumprir o regime jurídico da administração pública de que falamos anteriormente, baseado no princípio da separação.

Além disso, como está previsto que as OSs terão como prerrogativa apoiar o Ensino, poderá ser possível contratar professores pela CLT e sem concurso público, como é exigido desde a Constituição de 1988.

Ou seja, na prática, rompe-se a impessoalidade e a necessidade de comprovar competência técnica nas contratações das IFEs, que é o que caracterizam e legitimam o acesso a cargos públicos e ao uso de recursos públicos, dando maior poder pessoal ao Governo e aos dirigentes das OSs.

Ora, num Governo em que o Presidente da República tem dado as costas para a vontade das comunidades acadêmicas expressas nas eleições para Reitor, e nomeado dirigentes biônicos que perderam os seus pleitos eleitorais, simplesmente pelo alinhamento ideológico do candidato com o Governo (como aconteceu recentemente na UFFS, algo que não acontecia desde os tempos idos da Ditadura), e também que tem indicado parentes sem nenhum preparo para cargos governamentais importantíssimos (como o seu filho para a embaixada nos EUA), pode-se esperar que, com mais poder, sem concursos públicos, licitação e com procedimentos simplificados, o critério ideológico e o interesse pessoal também passem a rondar as contratações e indicações das OSs e dos respectivos fundos de investimentos que irão gerir as IFES.

Na prática, tenderemos a voltar a uma situação anterior à Constituição de 1988, quando tínhamos uma burocracia estatal cooptada pelo poder político, pelo clientelismo e pelos interesses pessoais, caracterizada por historiadores como uma burocracia patrimonialista, onde cargos e recursos públicos eram moeda de troca entre agentes públicos e privados poderosos. (Do GGN)

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