Veja abaixo o segundo ponto da análise de Renato Souza, que estudou o programa Future-se para participar de um debate no próprio MEC (Ministério da Educação). Ele aponta em alguns tópicos o que significa o projeto do governo Bolsonaro (PSL).

Nesse segundo tópico, ele aborda a questão financeira das universidades, que será entregue para OS (organizações socais de direito privado). Sem compromisso com a educação, essas organizações estão envolvidas em inúmeros escândalos de corrupção, revelados depois que começaram a administrar os hospitais públicos no Brasil, como no caso do Hospital Ouro Verde, em Campinas.

.Por Renato Souza.

2 – O Future-se afronta a autonomia das universidades

(foto marcello casal jr – ag brasil)

E afronta de maneira deliberada, profunda e irreparável um dos princípios constitucionais constante no Art. 207 da Constituição Federal. E ele faz isso sem nenhuma concessão expressa às universidades.

É preciso entender, inicialmente, que a autonomia universitária não é um privilégio que as universidades públicas gozam em detrimento das demais. Trata-se de um mecanismo geral que várias instituições de Estado possuem, para que possam exercer com independência e isenção atividades de interesse público, e não fiquem sujeitas às oscilações de humor e interesses de instituições muitas vezes efêmeras, alternantes e transitórias, como os mercados e os governos.

Portanto, a autonomia é de interesse público e não apenas das universidades, e é uma instituição da democracia, que vale da mesma forma para as universidades, o Ministério Público, o Judiciário e outras.

Assim, mesmo que aleguem que o Future-se não fere a autonomia universitária, pois as universidades poderão escolher, por deliberação dos seus conselhos universitários, por aderir ou não a ele, não cabe às universidades renunciar à sua autonomia; elas não têm este direito, assim como não cabe ao CNMP o direito de renunciar à autonomia do Ministério Público. São princípios constitucionais de interesse público e não de interesse corporativo.

Porém, quando o Projeto Future-se diz que as IFES participantes deverão:

– “adotar as diretrizes de governança dispostas nesta Lei” (Art. 2);
– “adotar sistemas de governança a ser indicado pelo Ministério da Educação” (Art. 2);
– e “adotar programas de integridade, mapeamento e gestão de riscos corporativos, controle interno e auditoria externa” (Art. 2) (observe que todos estão expressos na linguagem do mercado financeiro);
– “implementar programas de integridade e de gestão de riscos comporativos” (Art. 11);
– “adotar códigos de autorregulação reconhecidos pelo mercado” (Art. 11);
– e que “Ato do Ministro de Estado da Educação irá estabelecer metas e indicadores de governança para as IFES” (Art. 11).

Tudo isso significa que as instituições entregarão parte significativa do poder normativo e de gestão que faz parte da sua autonomia, para o mercado financeiro e para o Governo. Portanto, elas terão um poder normativo, de elaborar e promulgar estatutos, regimentos, resoluções e portarias, extremamente reduzido, e praticamente terão de abrir mão de estabelecer as próprias políticas acadêmicas, seus objetivos, metas e prazos de implementação e cumprimento.

De outro lado, o Projeto Future-se é baseado na celebração de contratos de gestão entre as IFES, MEC e OSs. Nestes contratos, percebe-se pela Minuta, as IFES só tem obrigações e deveres, ao passo que às OSs cabe a gestão das universidades, bem como uma série de benefícios e transferências de recursos patrimoniais e financeiros oriundos das IFES e do MEC (cotas financeiras do MEC integrarão os fundos de investimentos das OSs, doação e cedência de patrimônio imobiliário das IFES, cedência de servidores, etc.).

Particularmente, caberá às OSs “realizar o processo de gestão dos recursos relativos a investimentos em empreendedorismo, pesquisa, desenvolvimento e inovação” das IFES (Art.
4). Ou seja, as universidades perdem totalmente a autonomia financeira sobre atividades fins de suas instituições, subordinando-se a entidades privadas formadas por fundos orientados pela lógica do mercado de capitais.

A pergunta é, neste contexto, como ficarão os investimentos em ciência básica (aquela que não gera imediatas patentes ou aplicações diretas), o desenvolvimento em setores artísticos que não fazem parte da indústria cultural (como a música erudita, folclórica, a arte experimental, etc.), a pesquisa em ciências sociais, filosofia, educação, que tem enorme valor civilizatório, mas não dão retorno de mercado a curto prazo, por exemplo?

Serão extintas, por suposto! (Do GGN)

Veja o primeiro tópico da análise de Renato Souza: