Médicos para o Brasil: Cheque sem fundo para médicos e para o povo
.Por Alexandre Padilha.
Quando um governante, ao lançar um programa, mais critica a política anterior adotada do que defende sua proposta, desconfie que nem ele acredita no resultado positivo. No lançamento do programa “Médicos pelo Brasil” Bolsonaro passou boa parte do tempo criticando os médicos cubanos e Cuba. E não apresentou e defendeu nenhum ponto do novo programa.
Após o fim da parceria com Cuba, o governo mentiu para a sociedade ao dizer que todas as vagas do Mais Médicos, antes ocupadas pelos médicos cubanos, foram preenchidas por brasileiros. Reportagens e fontes de inúmeros órgãos indicam que milhões de brasileiros perderam seu médico e estão abandonados sem seu diagnóstico e tratamento. Como deputado federal, sou membro da Comissão de Seguridade Social e aprovei um plano de vistas a essas regiões que comprovam esta situação.
O governo e outros mentem ou distorcem dados ao falar que o Mais Médicos levou profissionais, inclusive cubanos, prioritariamente para capitais e regiões litorânea. Ao afirmar isso, esconde os mapas das seleções iniciais do programa, que mostram exatamente o contrário: os médicos cubanos foram para as vagas não preenchidas, nas regiões remotas e nas periferias das regiões metropolitanas.
Outra pérola foi reconhecer que o Mais Médicos veio reduzindo o número de cubanos, maior prova de que ele nunca foi movido por interesses econômicos em favor de Cuba. Ou não teria construído mecanismos que reduzissem esta participação. Isso aconteceu por duas medidas: a possibilidade de trazer médicos brasileiros formados em outros países e que não tinham diploma certificados aqui, os que mais ocuparam espaço, e a abertura de novas vagas de medicina para a formação.
Depois de desmascarar as mentiras anunciadas pelo governo, vamos à análise do “Médicos pelo Brasil”, sempre com o espírito diferente do governo Bolsonaro: de construir e não, destruir.
O Mais Médicos possuía três eixos: investimento em estrutura das Unidades de Saúde; ampliação de oportunidades para jovens cursarem medicina no Brasil; especialização pela residência médica e provimento emergencial de médicos na Atenção Primária em Saúde nas áreas vulneráveis.
A primeira crítica ao programa de Bolsonaro é que não traz uma linha sobre investimentos em estrutura das unidades de saúde. O Mais Médicos significou mais investimentos em construção e reforma de unidades. Atingimos a meta inicial de novas escolas médicas e ampliamos vagas de residência. Apesar disso, há muito a ser feito.
A lei do Mais Médicos criou uma avaliação nacional dos estudantes de medicina, exatamente para avaliar a qualidade das escolas médicas e o aluno que será formado. A avaliação foi interrompida por Temer e não retomada pelo governo Bolsonaro.
O mesmo em relação à residência médica. O programa de Bolsonaro esvazia a residência médica como estratégia prioritária para formação de especialistas.
Uma das medidas do Mais Médicos era criar o primeiro ano de residência médica com permanência obrigatória na Atenção Primária em Saúde. Isso seria bom para os futuros especialistas para acompanhar e avaliar adesão ao tratamento fora do ambiente hospitalar.
O Mais Médicos trouxe resultados significativos para a saúde brasileira. Pesquisas comprovaram que ele levou acesso a Atenção Básica a 63 milhões de brasileiros – 24,6% da população brasileira, com 18.240 médicos, sendo mais de 11 mil cubanos, a 4.058 municípios e 34 distritos indígenas.
Havia previsão de abertura de 11,5 mil novas vagas de graduação em medicina até 2017 e, 16 mil novas vagas de residência médica para formação de especialistas até 2019. Até 2016, foram criadas 5.849 novas vagas em cursos de graduação de Medicina e disponibilizados R$ 5,8 bilhões para reforma, ampliação e construção de 26 mil Unidades Básicas de Saúde.
O Médicos pelo Brasil não trouxe medidas que dessem continuidade a esses resultados e nem soluções de como enfrentar a questão emergencial da ausência dos médicos cubanos. Optou por negligenciar os desafios estruturantes e oferecer mais dos mesmos médicos.
Não há no Médicos pelo Brasil nenhuma oportunidade de participação dos milhares de brasileiros que tiveram que sair do país para realizar o sonho de cursar medicina. Também não traz nenhuma solução para os cerca de dois mil médicos cubanos que atuaram no Mais Médicos e que passaram a morar no Brasil e estão de atuar.
É um cheque sem fundo para os médicos e para o povo já que abre 18 mil vagas em regiões onde a trajetória de ocupação por médicos brasileiros foi muito menor do que o conjunto total de vagas disponíveis. A experiência do Mais Médicos estabeleceu que essas vagas, nessas regiões, só foram ocupadas quando trazidos médicos formados fora do Brasil ou pelos cubanos.
A única novidade é, após dois anos da bolsa federal garantida, o profissional será contratado pela Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps) através da CLT. Mas, não ficou claro se o fluxo da contratação será de forma permanente e nem o grau de estabilidade. Outra dúvida é a possibilidade dessa agência fazer contratos pelo regime de Pessoa Jurídica (PJ), abrindo mercado para a ‘pejotização’ da medicina.
O Médicos pelo Brasil pode ser uma boa oportunidade para jovens médicos que optarem por atuar nas regiões remotas do país, como no Mais Médicos, apesar da dúvida de como serão contratados.
Mas, é um programa que não traz propostas estruturantes como o Mais Médicos trouxe inicialmente. O Médicos pelo Brasil esqueceu o conjunto da população que mais sofre e precisa dos médicos próximos a ela.
Alexandre Padilha é médico, professor universitário e deputado federal eleito pelo PT-SP. Criador do Mais Médicos, ministro da Coordenação Política de Lula e da Saúde de Dilma e secretário da gestão Haddad.