“Em tempos abastados de recursos e bens culturais ou em tempos como estes, de recessão política, humanística e artística, o cineclubismo sempre teve uma função de preencher as lacunas de circulação da sétima arte e propiciar o exercício da opinião pública nos vários ambientes em que jamais existiu qualquer tecnologia de projeção de luzes, sons e imagens. Não será diferente daqui em diante, o cenário é esse, voltamos a necessitar fazer por nós mesmos, sempre e sempre na história. O cineclubismo é a mais rudimentar das ferramentas, é o que nos é possível acessar em tempos sombrios.
“Se a arte pode repartir de outro modo o comum de uma comunidade, isso ocorre na medida em que ela desestabiliza a distribuição dos lugares e das identidades, dos espaços e dos tempos, do visível e do invisível, da palavra e do barulho.” (Guimarães, 2015)
Este acervo público de filmes é resultado de um encontro de trabalhos, desejos e inquietações sobre o mundo contemporâneo que os sujeitos e coletivos que compõem esta plataforma acumularam ao longo dos anos e das lutas. É resultado do acúmulo de trabalho de iniciativas como o Cineclube Catavento e o Coletivo de Mídia Livre Vai Jão de Campinas-SP, que a mais de oito anos ocupam e fomentam os espaços públicos com ações cineclubistas e debates que visam tensionar as estruturas e sensibilidades até então pré-estabelecidas. É também resultado de oito anos de construção da Semana do Audiovisual Campinas, festival organizado de maneira horizontal e colaborativa que, além de dar visibilidade a um grande número de ações artísticas que pautam as diversas demandas por humanidades que nos foram e ainda nos são negadas, fortaleceu importantes redes de colaboração entre todos aqueles que já participaram desta jornada.
Esta curadoria, que é coletiva e atravessa diversas ações, coloca em evidência uma noção inclusiva de “comum” e de “público”, que se abre para discursos e corpos historicamente colocados numa situação de marginalidade, de “desconhecimento”.
“Ela [a imagem] não é o operador do mesmo, mas o agente do heterogêneo e do desajustado. Ver em conjunto é uma aprendizagem das vizinhanças, uma experiência da hospitalidade a partir de uma separação irredutível onde se constrói a frágil junção do heterogêneo.” (Mondzain, 2011)
Ou seja, é potência da imagem relacionar corpos e falas que o mundo separa enfaticamente. Esta ligação dos separados, sem preencher os espaços já abertos entre eles (Guimarães, 2015), é possível quando o ato de “ver” um filme passa a incluir também as outras percepções sobre o mesmo. Dentro dessa perspectiva, ver um filme não é algo restrito ao sentido da visão, é uma experiência que também se constrói a partir da partilha de sensibilidades, da conversa, do cineclubismo.
Fica aqui, portanto, o convite para que você navegue e construa esta iniciativa junto conosco! A plataforma possibilita tanto o acesso aos filmes do acervo como a inclusão de novos títulos, basta acessar o site http://acervoformiga.art.br e clicar no menu “participar” para mais detalhes. Qualquer dúvida é só entrar em contato com o email [email protected].
Ao povo o que é do povo e que o povo o faça por si mesmo, se apropriando do que é seu”. (Felipe Garcia Gonçalves, Ativista Audiovisual, Cineclubista e Comunicador Popular)
Filme: “Des(afetos) – A Composição das Emoções na Política Brasileira” Brasil (2019) – 47 min.
Sinopse: Uma cartografia íntima que busca apontar as relações entre emoção e política no interior das manifestações pela disputa eleitoral no Brasil de 2018. O resultado traz a tona o imaginário afetivo e simbólico dos grupos sociais na efervescência dos últimos dias antes da decisão do novo Presidente da República. As polarizações de classe, raça, etnia, gênero e religiosidade captadas nas intensidades do momento propiciam uma leitura histórica de conflitos e contradições de uma tradição colonial ainda vigente no Brasil. Nesse cenário a disputa pela hegemonia de valores deflagram muito mais do que uma ética ou uma moral, mas sim, suas acomodações e interesses mais profundos.
Capítulos:
1. Versões: Polarização Política no Brasil;
2. Aversão: Raça e Gênero no Brasil
3. Invenção: Mídia, Fantasia e as Fake News no Brasil
4. Inversão: Religião, Cultura e Fé no Brasil
5. Conver$ão: Capitalismo, Desigualdade e Classe no Brasil
Realização:
Filme realizado em colaboração entre Brasil e Noruega
Coletivo de Mídia Livre Vai Jão
Kjetil Klette Boehler
FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)
CIEC/IFCH/UNICAMP (Centro Interdisciplinar de Estudos sobre Cidades / Instituto de Filosofia e Ciências Humanas / Universidade de Campinas)
Pesquisa: Kjetil Klette Boehler e João Pires.
Argumento e Roteiro: Felipe Gonçalves, Kjetil Klette Boehler, Caio Micca Marcel Della Vecchia, João Pires.
Captação de Imagens: Kjetil Klette Boehler Caio Micca Marcel Della Vecchia João Pires
Captação de Som: Kjetil Klette Boehler, Caio Micca, João Pires.
Entrevistas: Caio Micca, Kjetil Klette Boehler, Julia Dias.
Montagem e Edição: Felipe Gonçalves.
Textos: Felipe Gonçalves.
Narração: Felipe Gonçalves.
Divulgação e Distribuição: Acervo Formiga
Referências:
GUIMARÃES, C. O que é uma comunidade de cinema? Revista EcoPós. v. 18, n. 1. 2015. p. 44-56.
MONDZAIN, Marie-José. Nada Tudo Qualquer coisa. Ou a arte das imagens como poder de transformação. In: SILVA, Rodrigo; NAZARÉ, Leonor (org). A república por vir. Arte, Política e Pensamento para o século XXI. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian: 2011.