Reportagem de Bruno Fonseca para a Agência Pública mostra que o Ministério da Defesa paga atualmente indenizações a 3.614 militares ou dependentes dos cerca de 6 mil militares que foram perseguidos pela Ditadura instalada por extremistas com o Golpe de 1964, segundo informações reveladas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Os militares foram a categoria social mais perseguida pelos golpistas de 1964, uma em cada três pessoas indenizadas são de famílias de militares.

Tenente-coronel Vicente Sylvestre (foto Bruno Fonseca)

São ex-integrantes do Exército, Aeronáutica e Marinha que foram impedidos de continuar nas Forças Armadas durante a ditadura e recorreram ao benefício após 2002, final do governo Fernando Henrique Cardoso, quando foi instituído o Regime do Anistiado Político.

O professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Paulo Ribeiro da Cunha, que trabalhou como consultor na CNV, afirmou que os militares, enquanto categoria social, foram os mais atingidos comparativamente [pela ditadura].

“Isso surpreende muita gente que acha que eles eram um bloco monolítico e que atuaram quase como um partido, um corpo único”, explicou o professor a reportagem.

Segundo Paulo Ribeiro da cunha, entre os militares perseguidos, a minoria pegou em armas contra a ditadura. Antes o contrário: a maior parte virou alvo do governo por outros motivos. Houve perseguição a quem reivindicasse direitos trabalhistas, o que era apontado como quebra de hierarquia e insubordinação. Militares foram presos e torturados para que as Forças Armadas obtivessem informações sobre outros indivíduos considerados subversivos. Além disso, muitos foram perseguidos e acusados de participar do Partido Comunista e outras organizações de esquerda.

A reportagem mostra que foi justamente essa a justificativa que manteve o tenente-coronel Vicente Sylvestre nos porões de tortura do 36º Distrito Policial em São Paulo, o DOI-Codi, da rua Tutoia.

No feriado do dia 9 de julho de 1975, Sylvestre trocou a sala de aula do Curso Superior de Polícia por uma ida trivial ao supermercado.

O relógio marcava 3 da tarde quando o telefone tocou na residência da família, nos arredores do bairro do Butantã. Do outro lado da linha, o chefe da 2ª Seção da Polícia informou ao filho mais velho de Sylvestre que estavam a caminho: “Avise-o, aguardem”, disse antes de desligar.

Duas horas depois um oficial bateu à porta, dispensando a escolta armada para a prisão do seu colega de corporação, acusado de envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Sylvestre sabia que as ordens do comando do II Exército para que fosse levado ao QG da Polícia Militar não eram promissoras. E não foram.

Baseado no Decreto-Lei nº 898, de 29 de setembro de 1969, o tenente-coronel foi acusado pelo artigo 43, segundo o qual é crime “organizar ou tentar reorganizar de fato ou de direito, ainda que sob falso nome ou forma simulada, partido político ou associação, dissolvidos por força de disposição legal ou de decisão judicial, ou que exerça atividades prejudiciais ou perigosas à segurança nacional, ou fazê-lo funcionar, nas mesmas condições, quando legalmente suspenso”.

Na denúncia do Ministério Público, segundo Sylvestre, seus crimes foram apoiar campanha do vereador Carlos Gomes Machado, do Partido Comunista; fazer “proselitismo” no Clube Esportivo da Guarda Civil (na qual estava arregimentado antes de se tornar policial militar) e divulgar o conteúdo do jornal Voz Operária, proibido pelo governo.

“Afirmavam que eu tinha ligações com generais do Exército, generais comunistas, mas eu não tinha contato nenhum”, relembra Sylvestre. Como não ofereceu aos captores o que buscavam, Sylvestre foi submetido a meses de tortura junto com outros militares e civis. “Foi uma coisa monstruosa, me torturaram muito, fiquei em pau de arara, fui eletrocutado em uma cadeira chamada ‘cadeira do dragão’, chutaram minha cabeça tão forte que suspeitaram que haviam quebrado ossos do crânio”, relembra.

A saída do DOI-Codi ocorreu em dezembro de 1975, com Sylvestre transferido para a prisão da rua do Hipódromo, no bairro do Brás. A liberação definitiva ocorreu em maio de 1976, quando o tenente-coronel foi declarado informalmente um “morto-vivo” pela ditadura: isto é, não poderia mais atuar na polícia nem ter nenhum outro trabalho remunerado na iniciativa pública ou privada e sua mulher receberia uma pensão como se ele tivesse falecido.

A situação perdurou mesmo após 1979, quando Sylvestre foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar (STM) da acusação de tentar reorganizar o Partido Comunista. Nem mesmo a Lei da Anistia, de 1979, trouxe um desfecho rápido para o militar perseguido. Foi apenas em 1983 que a Justiça de São Paulo julgou procedente o pedido de anistia, e em 1984 o ex-tenente-coronel foi oficialmente reformado, o equivalente à aposentadoria para militares. A indenização da anistia, contudo, veio apenas em 2009, quando o Ministério da Justiça publicou a portaria deferindo o pedido de Sylvestre”.

(Veja reportagem Completa neste link)