.Por Andréia Galvão.

As posições do candidato Jair Bolsonaro (PSL) em matéria trabalhista representam uma continuidade da política adotada no governo Temer que, em julho de 2017, aprovou uma reforma trabalhista que restringe e retira direitos estabelecidos na CLT, fragiliza as instituições públicas que fiscalizam e garantem o cumprimento da lei, e reduz o papel dos sindicatos no processo de negociação coletiva.

A reforma, vigente a partir de novembro passado, prejudica o trabalhador e a trabalhadora ao possibilitar, por exemplo, o trabalho de gestantes e lactantes em condições insalubres, e ao admitir o teletrabalho, modalidade de contratação que transfere ao trabalhador a responsabilidade e os riscos inerentes ao processo de trabalho. Apesar dessas e outras medidas nefastas aos trabalhadores, o então deputado Bolsonaro votou a favor da reforma trabalhista de Temer, sustentando o argumento de que a mudança na lei é necessária para a modernização das relações de trabalho e para a redução do desemprego. Ora, após quase um ano de sua entrada em vigor, o desemprego e a informalidade continuam elevados, o que demonstra o equívoco no diagnóstico e na receita prescrita pelos formuladores e apoiadores da reforma.

O discurso supostamente modernizador a que recorre o candidato não é novo, nem surpreende. Ele recupera os fundamentos do projeto neoliberal que, no Brasil, foi hegemônico ao longo dos anos 1990, com o objetivo de possibilitar que as empresas definam, a seu bel prazer, as condições em que contratam, utilizam e remuneram os trabalhadores, sem qualquer interferência, ou com a menor interferência possível, da lei e dos sindicatos.

Assim, o mesmo Bolsonaro que em 2012 votou contra a lei que estendeu direitos como o FGTS e a jornada de 8 horas por dia às empregadas domésticas, em 2018 defende que o trabalhador rural não tenha descanso remunerado, nem feriado, porque fica caro para o patrão, e admite que mulheres ganhem menos do que homem porque engravidam e a licença-maternidade pesa no bolso do empregador.

As declarações de Bolsonaro a propósito dos direitos trabalhistas indicam que, na perspectiva do candidato, eles são excessivos e prejudiciais à economia, sendo, portanto, descartáveis:
“Aos poucos, a população vai entendendo que é melhor menos direitos e [mais]emprego do que todos os direitos e desemprego”, declarou o candidato em uma palestra sobre a conjuntura política e econômica brasileira na Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) em 21/5/2018.

“É difícil ser patrão no Brasil. Eu podia ter uma microempresa no Rio. Dadas as condições que existem na lei, você é desestimulado. Acho que no campo a CLT tinha que ser diferente. O homem do campo não pode parar no Carnaval, sábado, domingo e feriado. A planta vai estragar, ele tem que colher. E fica oneroso demais o homem do campo observar essas folgas nessas datas, como existe na área urbana […] Se o governo não atrapalhar o empreendedor e o trabalhador com essa legislação enorme e com fiscalizações absurdas, com toda a certeza melhoraremos a questão do desemprego no Brasil” (entrevista no programa Roda Viva, 30/7/2018).

Apesar de desmentir as declarações de seu vice, general Mourão, que defendeu publicamente o fim do adicional de férias e do 13º salário (que, tal como a jabuticaba, só existiria no Brasil), o discurso do próprio candidato permite supor que, em seu governo, Bolsonaro adotará medidas para favorecer a valorização e acumulação de capital mediante a retirada de direitos trabalhistas.

Com efeito, seu programa de governo fala em criar uma carteira de trabalho “verde e amarela”, em substituição à carteira hoje existente, “azul”, caso seja do desejo do jovem ingressante no mercado de trabalho negociar “livre” e individualmente os termos de sua contratação. Desse modo, o contrato individual prevalecerá sobre a CLT, já desfigurada por Temer, possibilitando ao empregador contratar seus empregados em condições rebaixadas, sem a garantia da legislação trabalhista e da negociação coletiva intermediada por sindicatos.

Diante de um mercado de trabalho precário e desestruturado, não é de se espantar que o jovem desempregado escolha “livremente” se submeter a qualquer emprego, já que a alternativa que tem diante de si é a de permanecer desempregado e desprovido de qualquer proteção social. Sem direito ao seguro-desemprego, carente de acesso a ensino técnico e superior, sem assistência estudantil e pressionado pelo culto ao empreendedorismo, o trabalhador, sobretudo o jovem, tende a incorporar a lógica do “menos pior”. Afinal, no limite, é melhor ser escravo, ainda que disfarçado de patrão de si mesmo, do que morrer de fome.

De nada adianta o programa de governo afirmar que o contrato individual manterá todos os direitos constitucionais. Em primeiro lugar, porque a CLT é, a despeito de sua mutilação recente, mais ampla do que a Constituição. Em segundo lugar, porque a própria Constituição vem sendo atacada, não havendo garantias de que o artigo 7º, que trata dos direitos sociais, será mantido no governo Bolsonaro. Por fim, os ataques à fiscalização e à Justiça do Trabalho apontam para um cenário cada vez mais sombrio, em que as regras do mercado prevalecem sobre a dignidade da pessoa humana.

É bom sublinhar que esses problemas não afetam apenas o trabalhador do setor privado. O decreto 9.507/2018, recém sancionado por Temer, autoriza a terceirização nas atividades-fim no setor público, acabando com a perspectiva de concurso público e de uma carreira construída com base na impessoalidade e na universalidade, princípios fundamentais para impedir ingerências políticas e favorecimentos no recrutamento dos servidores. Esse decreto, aliás, constitui um desdobramento da lei de terceirização aprovada em 2017, a qual Bolsonaro se absteve de votar por temer críticas dos eleitores, segundo o próprio declarou à época.

O programa de Bolsonaro é vago e inconsistente, mas fundamentado numa premissa clara, que desresponsabiliza o Estado e sujeita o indivíduo aos riscos e às incertezas do mercado. Nós, trabalhadores, iremos sufragar nas urnas nosso próprio coveiro?


Andréia Galvão
é Professora do Departamento de Ciência Política da Unicamp